TEXTOS DO AUTOR

PARLAMENTARES SEM EXCELÊNCIA

Diante de parlamentares "para lamentares", "excelências" de pouca excelência, que nos resta? Manifestar a indignação de forma mais acintosa? vencer a timidez e sair em passeata? ação popular? ou simplesmente escrever e escrever? embora com vontade de atear fogo nesse grande circo?

O assunto da hora, depois de Papai Noel, infelizmente, é o aumento que nossos parlamentares se autoconcederam, num país de tão acentuadas diferenças. Chamou-me a atenção um texto de Aureo Marins, publicado no Recanto das Letras em 8.12.2010 (veja aqui). Áureo (me desculpe o autor; meu Word sempre inventa de botar acento em Áureo, ignorando que o pai dele quis assim) simula uma carta para Márcia Goldschmidt. Essa apresentadora e outros mais têm programa de variedades, com um pequeno auditório, em que se faz uso da improvisação, com ingredientes extravagantes, às vezes ridículos, trazendo a público situações bizarras, de aflição explícita, às vezes verdadeiros desastres do cotidiano.

E o cofre é nossoClaro então que esse desastre, Aureo fez muito bem de levar à Márcia. Diz respeito aos nossos parlamentares. Eis alguns trechos do criativo petitório intitulado Dilema Amoroso, à guisa de receber um conselho:

"[...] Eu tenho uma namorada que eu amo intensamente e quero casar com ela. O meu problema tem a ver com a minha família, eu tenho receio que a minha gata não se identifique e isso gere conflitos no nosso relacionamento.

Papai é chefe do tráfico e tem atuação muito forte aqui no Rio. Ele conheceu a minha mãe numa casa de tolerância e conseguiu tirá-la daquela vida. Hoje ela tem sua própria zona com mais de duzentas mulheres e homens, e não precisa mais exercer esse trabalho pessoalmente, só de vez em quando pra se manter sempre por dentro das tendências do mercado.

Tenho três irmãos e duas irmãs que eu conheço pessoalmente. O mais velho é deputado federal. O segundo tinha problema, mas mudou muito de vida depois que cumpriu a pena por sequestro e estupro e hoje é conhecido como bispo [...] já ressuscitou mais de catorze mortos e curou mais de 3.000 [...] vive bem [...] com suas quatro esposas [...]. Meu terceiro irmão abandonou a milícia que ele comandava no morro do Alemão [...] se arrependeu [...] saiu do armário [...] hoje é travesti [...] em São Paulo [...]. Apesar de ter virado a casaca [...] ele é um menino bom [...] tá bem encaminhado.

A minha irmã mais velha casou com o avô da ex-namorada dela, que está em estado vegetativo por causa de um derrame que ele teve quando o bicho pegou na época do mensalão. Ela abriu sua própria empresa em parceria com um sindicato, um despachante e um cartório, e hoje vende autopeças procedentes de veículos desaparecidos de outros Estados. E a minha irmã caçulinha trabalha de dia como obreira nos templos do pastor [...] e uns bicos nas igrejas do [...] e à noite ajuda a mamãe, só que ainda na fase do atendimento direto ao cliente, pra poder pegar o know-how do negócio a partir da base.

Bom, Márcia, a minha pergunta é a seguinte: você acha que eu devo revelar de uma vez ou ir revelando pouco a pouco pra minha namorada que eu tenho um irmão deputado?"

Postei um comentário a esse texto mais ou menos assim: "Prezado Áureo, quando um texto é bom, e diz o que a gente quer dizer, ele começa a receber adaptações e novas versões. As pessoas manipulam então, sem cerimônia, como se o seu texto fosse apenas o pontapé inicial. É o preço que os escritores e famosos pagam. O seu texto está sendo adaptado por aí. Alguns introduziram as Brasileirinhas, outros aliviaram a barra para a Igreja Universal. Como vou citar seu texto no meu site, fui pesquisando até descobrir o autor: Aureo Marins, sem acento. Localizei, usando a parte mocinha da web. A parte bandida da web, infelizmente, detona as autorias, como você sabe. O primeiro texto "Dilema Amoroso" que me chegou, já adulterado, está assinado pelo Anônimo da Barra. rsss Parabéns, Aureo. Gostei muito. E continue mandando bala, que nós, eleitores indefesos dessa gangue de ‘excelências’ de pouca excelência, agradecemos. É o que se pode fazer, já que somos tímidos para sair em passeata e/ou atearmos fogo nesse grande circo".

Na realidade é assim mesmo que me sinto: indefeso, sem vislumbrar a saída desse labirinto sujo que nada tem de mitológico.

Eu já conhecia piada semelhante. Os meninos na classe, cada um declinava a profissão de seu pai. Joãozinho, na sua vez, disse que seu pai fazia striptease em uma boate gay e participava de shows pornôs ao vivo. A professora, não se conformando, depois da aula chama Joãozinho e pergunta por que ele inventou tudo aquilo. Pois ela sabia que era invenção. E o menino confessa que ficou com vergonha de dizer que seu pai era deputado.

Dia desses um colega de trabalho afirmou que não pode ser responsabilizado por ter alçado tais deputados a essa condição de usufrutuários de facilidades que lamentavelmente usam para si próprios, seus amigos, seus familiares. E que transformaram o Parlamento em meio de vida, com suas verbas indenizatórias e justificativas de que têm de cuidar de sua "base" (ora, cuidar da base não é interesse público. É particular). Ele afirma que não votou em nenhum deles. Mas eu votei, eu disse. E aqueles em quem votei também embarcaram nessa nave que se move pelos ventos da falta de escrúpulos. Meu colega ainda disse uma frase que envolve reflexão: "O pior é que aqueles que elegeram essas ‘figuras’, pra não dizer outra coisa, não os condenam — apenas têm inveja deles. E gostariam de fazer o que fazem".

Será que só nos resta escrever, assinar petições... e aplaudir pessoas como Dom Manoel Edmilson, 86 anos,de Limoeiro? (veja em http://colunistas.ig.com.br/poderonline/2010/12/23/veja-o-discurso-do-bispo-que-recusou-comenda-de-direitos-humanos-do-senado/). O bispo católico, num discurso tão objetivo quanto veemente, usou a tribuna do nosso Parlamento no último dia 21 para recusar a Comenda de Direitos Humanos Dom Helder Câmara que o Senado lhe oferecera . Segundo ele seria um atentado para com os direitos humanos da população brasileira, de tantas dificuldades, receber uma homenagem justamente de parlamentares que se autoconcedem aumentos descabidos como esse último, de 61,8%. Chama esses parlamentares de "para lamentares".

Parabéns, Aureo. Parabéns, Joãozinho. Parabéns, Dom Manoel Edmilson. Ah! lembrei-me agora de três outras opções nossas. Uma delas, rezar por esses mesmos parlamentares — o plantio que eles estão fazendo não vai dar boa coisa. Mais uma: ação popular. Ou outra mais: num passe de mágica, com a ajuda da fada Sininho (agora Tinker Bell) fazer com que nossos parlamentares de brasileiros passassem a suecos, morando em apartamentos de 40 m², sem mordomias, alisando a ferro suas camisas. Ufa! que pesadelo seria para suas "excelências"!

Aristides Coelho Neto, 28.12.2010

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