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TRUMP E TRANSIÇÃO PLANETÁRIA

O que um tem a ver com a outra? Pode ser que tudo!

Meados de nov. 2024, eu fazia palestra num Centro Espírita das imediações de Brasília. O tema era Causas das misérias humanas (Cap. 3 do ESE — Há muitas moradas na casa de meu Pai).  No que concerne às misérias e aflições humanas, tentei ser o mais didático possível. Usei história de Humberto de Campos pra ilustrar, falei da efervescência do mundo de hoje — saímos recentemente de uma pandemia, estamos  convivendo com dramas terríveis na devastada Faixa de Gaza, na Ucrânia, na África. São inundações, secas, incêndios como nunca se viu. Surgem déspotas que não têm respeito e nem se condoem com a dor alheia. Desencarnes em massa. Drogas cada vez mais presentes e em novas versões. Facções criminosas em ascensão. 

E falei que a maior potência do mundo, com sua enorme capacidade de influência, elegeu pessoa preconceituosa, que ignora os maus-tratos ao meio ambiente, antivacina,  defensor da supremacia dos EUA sobre o resto do mundo... Limitei-me a isso, finalizando com o fato de que a Terra está em ebulição crescente, nestes tempos de transição planetária.  Depois desse prefácio,  disse então das inúmeras oportunidades que o Pai Amantíssimo, infinito em misericórdia e sabedoria nos proporciona com o intuito de que cresçamos em direção à Luz...

Finda a palestra, fui abordado por pessoa do Centro que classificou minha fala de infeliz. Acusou-me de usar a tribuna espírita pra falar em política. Anotei a reprimenda.  Mas firmei posição de não considerar ter falado em política, já que fiz constatações apenas de misérias que serão multiplicadas pelo temperamento do mandatário. No entanto, perdi a vontade de voltar ali. O meio espírita está eivado de bolsonaristas, cujos preceitos, a meu ver, não condizem com a doutrina de Kardec. Bolsonarista que se preze normalmente é militarista, armamentista, trumpista, anticiência, antivacina, deseja ditadura, vê comunista no cotidiano e em sonhos, proclama os valores da família. 

São passados dois dias da posse de Donald Trump. Ele foi além das expectativas. Definiu sua intolerância com as pessoas nem masculinas nem femininas. Ameaçou a soberania de outros países. Anistiou mais 1.500 criminosos que invadiram o Capitólio, alguns de alta periculosidade, um deles condenado a prisão perpétua por tráfico de drogas. Deixou claro não interferirá na  "liberdade de expressão" em redes sociais. Assim, depreende-se que podemos ter aulas de terrorismo, mostras de pedofilia, manifestos neonazistas, desinformação à vontade, pelo menos nos EUA. Pregou a volta de veículos movidos a combustíveis fósseis, eximiu-se de qualquer compromisso com o meio ambiente.  

O que choca muita gente é o caso do discurso de ontem, 21, em Washington, feito pela episcopisa Mariann Edgar Budde. Ao pedir compaixão diante da nova política de imigração alardeada por Trump, da mesma forma perante a intolerância para com a comunidade LGBTQIA+, ela mencionou Jesus, mencionou um Deus Amoroso.  A forma de a bispa Mariann se pronunciar foi respeitosa e representou o segmento cristão muito bem. Mas Trump quer que ela peça perdão a ele pelo discurso "desagradável'...  O jornalista Reinaldo Azevedo considera que, na realidade, Trump quer que o Cristianismo peça perdão a ele. Ou pelo menos que se ajoelhe a seus pés. Argh!

São muitos os espíritas a bater palma para Trump e Bolsonaro, o vassalo que morre de amor pelo topetudo laranja. O incentivo ao armamentismo, o preconceito étnico, religioso, de gênero, bastam para concluirmos que essas vertentes ideológicas não se coadunam com Cristianismo e com Espiritismo. A incompatibilidade é gritante. 

Numa rápida inferência, tenho visto que metade dos espíritas, dos mais variados níveis culturais, continuam a não ver incongruências em coisas que nos parecem estupidamente óbvias. Isso nos leva a buscar explicações plausíveis para essa letargia cognitiva que tomou conta de milhões de brasileiros e, infelizmente, dos espíritas. Não percebem a onda de estupidez em que surfaram no Brasil de 2019 a 2022.  À despeito de decisões tanto alopradas como radicais que alcançam negativamente o Brasil, veem em Trump um ídolo. 

Dietrich Bonhoeffer, foi um teólogo, filósofo, pastor luterano, que se revelou um ferrenho combatente do nazismo. Não entendia como o povo alemão, sendo um dos mais cultos da Europa, apoiassem Hitler. Matutou e chegou à conclusão de que o povo alemão foi vítima da estupidez coletiva. E escreveu um ensaio sobre o tema que vale a pena conhecer ou recordar. "A estupidez não tem uma causa psicológica, mas sim sociológica, ou seja, é contagiosa — a estupidez de uma pessoa precisa da estupidez de outra."

Impermeáveis a advertências e efeitos negativos de um comportamento estúpido, os agentes da estupidez agem de forma contrastante às suas capacidades mentais, que podem ser muitas e das mais variadas.  E o pior:  sentem-se orgulhosos de sua estupidez. É como uma praga que contamina as pessoas mediante palavras de ordem. "Há momentos na vida das sociedades em que, contra a estupidez, não há nenhuma defesa.  Daí nascem as ditaduras, assim como também o declínio dos países."

Seguindo a mesma linha do filósofo antinazista, Carlos Cipolla condensou a Teoria da Estupidez em cinco princípios. Do que disse de mais importante, vale ressaltar: "A probabilidade de que uma pessoa seja estúpida é independente de sua educação, riqueza, inteligência, etc.". Registre-se ainda: "O estúpido causa dano a outras pessoas e a si mesmo, sem obter nenhum benefício". "Não há nada mais perigoso que um estúpido com poder."

No que tange ao momento em que o raciocínio passa a ser inútil, vale consultar o texto de Carlos Russo Jr. (ver "Bolsonarismo e estupidez? Teoria explica por que semelhança não é mera coincidência.")  Referindo-se a Bonhoeffer,  ele salienta que a sociabilidade e a competitividade estão na base da estupidez.

Bonhoeffer acrescenta que "só quando o governo ou o regime social que produz a estupidez coletiva entra em colapso ou em crise, as pessoas podem se libertar dela e da dor que começa a surgir pela contradição entre seus pensamentos e seus atos". De imediato me vem à mente que o declínio dos EUA está iminente, segundo  Noam Chomsky, que aborda o assunto em "Colapso do império norte-americano".

É sobre esse colapso que José Kobori, em "Era Trump —  O Inicio do Fim do Império Americano?", faz considerações apreciáveis. Vale a pena também a opinião de Sergio Alarcon no facebook. "Negacionista, racista, violento, e imperialista, Trump busca 'fazer a América grande novamente' à custa de biomas, florestas, fauna e vidas humanas  aliadas ou não. Sua postura autoritária lembra regimes totalitários do passado e, diante do poder bélico e econômico dos EUA, representa uma ameaça sem precedentes não só para imigrantes, mas para toda a humanidade." 

Em meio a essas visões de mundo de vários críticos,  ao entrar em contato com essas opiniões, faço aqui minhas suposições diante da apreensão e medo gerado no mundo inteiro pelo discurso de Trump em sua posse.   

Coisas horrendas tendem a vir. Transição planetária sofrida essa... Estaríamos nós sem comando? Definitivamente não! Podem tirar o cavalo da chuva. Não estamos sós — Deus está no leme e a toda arbitrariedade será imposto um limite, o que se rege pela sua Infinita Sabedoria. 

E, raciocinem comigo. Não poderia Trump, mesmo arrogante e prepotente, ser um instrumento para que a brutalidade que lhe é própria dê ensejo à falência desse sentimento hegemônico do país que afirma não precisar de ninguém? Quem sabe uma sucessão de erros vindouros não leve o país a olhar mais para dentro, para seus cidadãos? que veem tanto dinheiro no fomento a guerras sem que haja um sistema de saúde decente para todos os americanos? Quem sabe estejamos perto do início de um movimento que vai levar a nação mais poderosa do mundo a colocar-se humildemente em seu lugar, não mais incrementando a indústria armamentista, mas sim passando a olhar com compaixão, comedimento e respeito toda a humanidade? Uma nova maneira de ver a "America great again". 

Parte significativa de tudo isso foi o que Mariann Edgar Budde disse de um jeito até suave. Quanto às minhas ilações, podem ser apenas sonhos, devaneios. Mas, de qualquer jeito,  um mundo melhor vai chegar, mais cedo ou mais tarde. E pode ser que Trump seja realmente só um falastrão.  

Aristides Coelho Neto, 22 jan. 2025

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