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ESPÍRITAS, QUEM SOMOS AFINAL?

Que tipo de espíritas somos? nas rupturas em tempos de polarização e de semeaduras tão tóxicas? Somos companheiros de ideal?

Amigos espíritas próximos escolheram votar num candidato que se mostrou racista, homofóbico, violento, que não fica à vontade de ir a favelas, que não tem simpatia por pobre, num país sabidamente elitista, em que a desigualdade predomina e as vítimas da fome somam milhões.  Não quero dizer que as cisões no meio espírita foram ocasionadas por esse "mito" que ocupa a presidência da República há quase quatro anos. Tínhamos vários rótulos para as diversas correntes espíritas — chiquistas, divaldistas, apometristas, ramatizistas, raulistas, ubaldistas, cientificistas, igrejistas, filosofistas, roustanguistas. Fala-se agora em espíritas progressistas contrapondo-se a conservadores.  Os progressistas seriam nitidamente de esquerda, numa adjetivação simplista e dicotômica. Os conservadores seriam os eleitores de Bolsonaro, despreocupados em analisar o alcance desse ato.  

O resultado do primeiro turno das eleições de 2 out. 2022 levou-nos à óbvia conclusão de que o segmento espírita tem muitos adeptos do armamento da população, do desprezo pelo meio ambiente. E esse segmento comunga com a disseminação de fake news, corrobora com o menosprezo à vacina, à Ciência, à Cultura, à Educação.  Essa fatia do Espiritismo fechou os olhos para motociatas com dinheiro público em que só a elite comparece em massa, deu de ombros para a corrupção familiar e métodos nada ortodoxos de se conseguir votos, sem falar da excrescência do Orçamento Secreto. 

Percebi que o deboche com os mortos da Covid não impactou muita gente...  Percebi também que muitos espíritas não se importam com valores democráticos e que acham que só a inclemência da ditadura vai melhorar o país. Choquei-me com espíritas inebriados pelo fascismo que se aproxima galopante, onda avassaladora sobre o nosso Brasil. E o pior, deparei-me com espíritas que acham que a divisão em castas é natural, amparando-se em vidas passadas... E por isso não raciocinam com base em políticas públicas de combate à pobreza — acham que sem a pobreza diminuiriam os contundentes programas assistenciais dos centros espíritas de que fazem parte esporadicamente. Muitos espíritas desdenharam da realidade da chegada de um novo e esdrúxulo "cristianismo armado", trazido por bandas podres de religiosos, corrente escancaradamente encabeçada pelo presidente da República e seus apoiadores.    

Passo a transcrever uma mensagem de pessoa não religiosa, Leandro Karnal, antes de dar o arremate final neste desabafo.

"Como é possível alguém gravar vídeo cheio de ódio, falando da necessidade de destruir a dignidade humana? de incitar a violência e, ao mesmo tempo, posar de defensor dos preceitos evangélicos? Ou seja, eu uso o Evangelho e uso a vida de Jesus, a quem eu digo seguir, para defender a violência, a tortura, a pena de morte e a destruição das pessoas. Adapto Deus ao meu universo moral e aí o deus customizado tem seu aspecto mais trágico — faço Jesus defender a pena de morte, sendo que ele sofreu a pena de morte. Defendo a tortura em nome do bem, quando o Supremo Bem foi torturado.

Excluo pessoas que não mereceriam a misericórdia ou a compaixão em nome do Deus da Misericórdia e da Compaixão. Perseguir, matar e fazer discurso de ódio em nome de Deus é a suprema elaboração do mal." 

O texto conciso de Karnal é direto, irrefutável.

Ao perceber que muitos espíritas preferiram padre Kelmon ao padre Lancelotti, ao ficar claro que há uma grande parcela dos espíritas que cultuam caça aos moinhos quixotescos de um comunismo que nunca existiu no Brasil, só me resta pedir aos espíritas — não ajudem a espalhar mentiras, todo ato tem desdobramentos.  Sabemos que existe um peso ao prejudicarmos uma só pessoa. Ao prejudicarmos milhares, o peso é bem outro. Passem seu posicionamento pelo crivo da razão, como Kardec indicou em relação à fé. Usem do discernimento, para não se igualarem a mercadores da fé fanatizados que estão a iludir tantos adeptos sem condições de refletir, como boiada ao som do berrante.  

Apresentar um texto de Karnal, que não é religioso, presta-se a apostar sem sombra de dúvida que Jesus jamais sugeriria termos um presidente da República espírita, católico, evangélico, budista, muçulmano. Ele apreciaria que um presidente tivesse preocupação com a dignidade do ser humano, com a fome e a miséria. E ao  diminuir a desigualdade social reinante com políticas públicas, sem cultos, sem exorcismos, sem rezas, Jesus abraçaria o presidente — mesmo que fosse ateu — e diria: "Essa a verdadeira Caridade".   

Aristides Coelho Neto, 5 out. 2022  

PS — Espírita amigo, você é mesmo meu companheiro de ideal?

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