TEXTOS DO AUTOR

Pais e filhos — carta aberta, cartas na mesa...

A relação entre pais e filhos, em bases de sintonia ou de estremecimentos, é um aprendizado sem fim.

Não consigo me convencer que dia dos pais é Dia dos Pais mesmo. Pra mim é coisa do comércio, como dia das mães, da vovó, da sogra, e por aí vai. Mas a gente entra na onda. E fomos hoje — todos os quatro filhos, genros e noras, neta e projeto de neto — ao Paraíba Carne de Sol.

Pensei até em fazer um discurso rápido por lá. Não fiz porque a música tinha volume estonteante.  Poderia até pedir o microfone, pois garanto que minha fala serviria a muitos clientes. Mas poderia haver quem não me entendesse. E sentisse em mim uma ameaça ao motivo de se pagar couvert artístico. Música ao vivo interrompida para blá-blá-blá — quem sabe me jogassem carne de sol e mandioca...

Capa de cartão artesanalDurante o almoço, recebi um cartão muito carinhoso de Aline, acompanhando seu presente dentre os cinco que carinhosamente recebi. O texto enfoca nossas diferenças. Mudei então o meu discurso, que agora vai escrito, pela web, para não destoar da forma de comunicação destes tempos de virtualidades.

Por que existem pais tão diferentes? pais violentos, pais carinhosos, pais inseguros, pais viciados, pais que são mestres, pais ausentes... pais desacreditados, pais vigorosos, pais desastrados, pais caretas, pais enérgicos... pais heróis, pais bandidos...

Ora, simplesmente porque pais são humanos, criaturas como quaisquer outras. E as diferenças fazem parte do show.

Como entender as diferenças? Não tenho como responder sem apelar para minhas crenças pessoais. Não há como entender o Universo sem equilíbrio, cujo exemplo maior é o gravitacional. E tudo que se move em desequilíbrio obedece a uma tendência de mais tarde ou menos tarde equilibrar-se. E, para mim, não dá para entender as diferenças como resultado de uma roleta divina. Os choques, os embates, as afinidades não são gratuitas. Há sempre uma razão. E há toda uma intenção natural de que valores positivos anulem valores negativos. Os protagonistas estão em cena não para se destruírem (a cena seria arena), mas para se acertarem, crescerem, se reconciliarem, se ajustarem.

As leis que regem o Universo passam também pelas diferenças detectadas na família. Pais diferentes, filhos diferentes, porque somos miniuniversos cada um de nós. E porque os reencontros são necessários. E porque existe uma história anterior, recente ou longínqua.

Regra geral, os pais têm muito a ensinar aos filhos. Mas não é totalmente incomum que filhos tenham algo a ensinar aos pais.  As diferenças são o sinal de que se deve estabelecer uma troca que vise ao equilíbrio. É a mensagem que via de regra não percebemos.

Não é prudente que deixemos a existência esvair-se sem que, pais e filhos, percebamos a necessidade de doar-nos, de abstermo-nos de nossas posições radicais e cristalizadas. E de nada adianta chorar oportunidades perdidas, depois de fracasso nas relações ditadas pelo excesso de amor próprio, pelo orgulho desmedido, por não dar o braço a torcer.

Neste Dia dos Pais, faço um apelo clamoroso de que — pais e filhos — vejamos as nossas diferenças como oportunidades e não propiciadoras de eventuais fracassos.

As oportunidades podem ser únicas. Podem demorar demais para se apresentar de novo. Podem não mais voltar. Temos, pois, de nos agarrar a elas.

E estamos nesse barco porque foi o que pudemos conquistar, com o pai certo para cada filho. E o filho certo para cada pai.  Rumo a um patamar, porém, de diferenças cada vez mais imperceptíveis, conquistado em bases de amor incondicional, do perdão, do entendimento.

Este não é convite à acomodação, mas a mudanças internas.

Ao meu pai, neste dia, o meu abraço carinhoso, onde quer que esteja, já que retornou à verdadeira pátria há 21 anos. A ele, que   conviveu pouco com meus filhos,  seus netos, tão especiais, a quem eu amo do meu jeito tosco... A ele com quem tive diferenças (as tenho agora com os filhos... a história se repete). Na leitura equivocada de diferenças do passado, talvez eu nada tenha aprendido. Esvaiu-se a oportunidade.  Eu tinha alguma teoria, nenhuma prática. Hoje já tenho muita teoria, mas ainda pouquíssima vivência.

Com meu pai, a gente ainda se vê... para começar do zero. Com meus filhos, não é admissível que eu perca essa grande chance.  Feliz Dia dos Pais a nós todos.

Aristides Coelho Neto, em 8.8.2010


______________________________________________________

Feliz Dia dos Pais

São 2h30 da manhã... Dia dos Pais. E eu acordada, “cá com meus botões”, me entregando à nostalgia, recordando tantos momentos... E sem saber ao certo por onde começar este cartão improvisado.

Ah! pai... são tantas coisas. Alegrias e até mesmo desentendimentos. É engraçado constatar que somos diferentes e ao mesmo tempo tão iguais. Claro que, às vezes, a gente não compartilha MESMO das mesmas ideias — eu penso algo e você exatamente o oposto —, mas só o fato de podermos defender e nos ajudar nessa diferença é uma experiência maravilhosa.

É sempre bom dizer “obrigado”. É sempre muito bom dizer obrigada pela vida que você me deu, pelos ensinamentos que você me passou, pelo exemplo que você dá a cada dia, com cada palavra, cada gesto, cada silêncio, com cada olhar. Um olhar às vezes silencioso, porém carregado de sabedoria. Tantas vezes eu já te agradeci com o meu olhar também silencioso... Mas hoje eu preciso te agradecer com palavras. As palavras que tanto nos uniram...

Obrigada pela experiência de ser tua filha, porque nunca é tarde para agradecermos pelo vida que a gente recebeu. Não só a vida educação, mas a vida em si, que é o bem mais precioso que temos. E você me deu a oportunidade de estar viva, nessa família, de ser a profissional que eu sou hoje. É por isso que hoje eu quero dizer que EU TE AMO, te respeito pelo homem honesto, ético, amoroso que é. Por essa capacidade de doação que você tem e nos ensinou a ter. Eu te amo muito! E cada oportunidade é mais uma oportunidade de dizer MUITO OBRIGADA.

Aline Fernandes Coelho Masaki
Brasília, 8 de agosto de 2010
PS – Não vale revisar! hehehe


____________________________________________________

Carta de Amor ao meu Pai

Não sei quando comecei a te escrever esta carta. Talvez, tenha sido no momento, em que descobri que eras apenas humano. Naquele dia, decidi retirar dos teus ombros o fardo de herói. Lembro-me do meu desencanto por não corresponderes àquela imagem que eu via estampada nos anúncios de TV, quando se aproximava o dia de te comercializarem, emprestando-te signos que eu não encontrava em ti. Na minha ótica, ainda infantil, ficava a pensar se existia aquele modelo de pai, maior até que Deus, veiculado insistentemente pela mídia.

Olhava-te em tuas fragilidades e faltas renitentes, comparando-te com aquele pai de olhos azuis a rolar pelo tapete da sala com os filhos. Esta era a fotografia de pai que me era mais forte, em virtude dos apelos da propaganda. Em minha ingenuidade, ficava a me perguntar, porque meu pai não era assim.

Reportando-me à educação que tiveste, soa-me agora mais fácil compreender a tua inabilidade para demonstrar afetividade. Vinhas de uma família numerosa e pobre. Meu avô era um homem rude e seco, no que se referia aos filhos. Imbuído do sustento da família, sobrava-lhe pouco tempo para demonstrações de carinho. Estranhamente, agia de outra forma com os netos. Vem-me à mente, quando ele nos visitava e me punha no colo, fazendo-me mimos à sua maneira. Naqueles momentos, o vovô Joaquim tornava-se irreconhecível. Acho que buscava resgatar com os netos a ternura que não conhecera também, enquanto pai. Um exercício de paternidade que tentava recuperar, já que os tempos eram menos difíceis.

Quando abro meu álbum de memórias, quase nada recordo da minha infância. É como se ela tivesse sido apagada ou nunca existido. As lembranças mais consistentes apontam para a minha adolescência. Talvez por ter sido a época em que me vi tua filha de verdade. A caricatura do pai bonachão adquiria outra consistência e significado. O modelo de pai que eu tanto cultuara em minha imaginação rompia paradigmas. Foi preciso que a morte quase nos rondasse, para que eu enfim te compreendesse e pudesse te olhar sem falsas expectativas ou cobranças.

Fazia quase um ano que eu decidira não mais te falar. Cansara das discussões e da tua pouca decisão em mudar os rumos da tua vida. A minha determinação em te dizer o que eu pensava sempre te assustava. Devias pensar como uma fedelha como eu ousava te mostrar verdades que tanto negavas. O acidente automobilístico realizou duplo milagre: poupou-te a vida e modificou minha forma pouco indulgente de te ver. Recordo-me agora da minha aflição, quando me deparei com a possibilidade de te perder. Respirei aliviada, quando me informaram por telefone que estavas fora de perigo. Estando tão distante de ti, tanto fisicamente, quanto espiritualmente, não podia ir ao teu encontro.

Saíste do hospital e surgiu o momento de nos reencontrarmos. Eu fazia aniversário naquele dia. Em meio à festa que transcorria, emudeci com a tua chegada. Apenas olhei-te e com o orgulho restabelecido também, não fiz qualquer gesto para me aproximar. Tu, ignorando meu comportamento, pegaste-me pelas mãos e me conduziste a um lugar reservado. Não sei narrar, o que se passou naqueles instantes. Lembro-me apenas do calor do teu abraço, da tua voz pedindo-me perdão por não seres o pai que eu tanto desejava. E quando te perguntei se tu ainda me amavas, disseste-me algo que jamais esqueci: “Amo-te, desde quando nem sabias da cor dos meus olhos. Amo-te, desde quando eu sequer sabia se eras um menino ou menina. Amo-te, desde quando sequer existias e apenas era um sonho do meu desejo de pai”.

Quase 21 anos se passaram. Hoje, tanto já galgamos em nossa relação. Compreendo que sempre foste amparo para os meus olhos. Mesmo no silêncio dos lábios, acompanhavas-me.

Talvez entenda-te tanto, porque me veja em ti. O silêncio do sentir herdei de ti. Emudecer diante da dor ou da extrema alegria são características nossas. Alguns chamam de indiferença e orgulho. Nós sabemos que não. É apenas o nosso jeito de não incomodarmos o mundo diante da pequenez do que somos.

Amar-te sem aquela armadura de pai herói me é muito mais fácil! Sabemos que estamos a todo momento nos reconstruindo, porque nos reconhecemos inacabados. Rasgamos os modelos, porque na dinâmica da emoção e da humanidade, os estereótipos apenas atravancam o processo de conhecimento e doação.

Não sei, se um dia te entregarei esta carta. Hoje, apenas consegui te dizer: Feliz Dia dos Pais.

É, papai... continuo tua menina estranha!

Fernanda Guimarães 

Comentários (3)

Voltar