TEXTOS DO AUTOR

ASTEROIDE METIDO A BESTA

E o diário despretensioso virou livro.

“Rio Preto, na Rota dos Asteroides”, livro de minha autoria que fala do conjunto musical “Os Asteroides”, que tivemos nos anos 60, não mais será editado. Quem adquiriu o livro sabe que a grafia do nome “asteróide” mudou para “asteroide”, sem acento. Isso, de cara, afeta 143 incidências da palavra na obra lançada no ano 2000. Ou seja, o novo acordo ortográfico fez um estrago no livro só no tema principal. Tal reflexão resulta de uma vontade que me bate de meditar sobre coisas completamente sem valor. Reconheçamos que é diferente de ficar sem pensar em nada. E não é falta do que fazer. Aliás, tenho muito o que fazer. Não, não estou dizendo que o livro não tem valor. Essa observação é que não tem muito valor.

Antes de imaginar que a obra esteja caminhando para a obsolescência, pelo menos na questão da grafia, vale registrar que muitas pessoas têm transcrito trechos de “Rio Preto, na Rota dos Asteroides” e o citam como referência. Gratificante isso, meus relatos dos anos 60 como fontes de pesquisa. O lançamento foi há dez anos.

Recentemente me deparei com “Os anos rebeldes”, texto de Nilce Lodi, no Diário da Região. Sim, nossa historiadora de S. J. do Rio Preto leu o livro. Não só leu como me deu uma força grande à época em que estava sendo preparado. Citada em seis momentos na obra, Nilce Apparecida Lodi, professora de História, doutora em Filosofia, pesquisadora, tem cuidado direitinho da História de Rio Preto.

Nem sei se Nilce se lembra, mas em 2000, então presidenta do Comdephact, escreveu um texto que eu pretendia usar em releases. Aliás, não tem preço o ato de investir minutos preciosos de tempo numa crítica positiva a uma obra, qualquer que seja ela. Obrigado, Nilce Lodi.

“É um livro de relembranças — as lembranças mais fortemente arraigadas na memória do autor. Lembranças da infância, dos jogos e das brincadeiras; da juventude, da música e dos músicos; da cidade. Boas lembranças de um tempo que ficou registrado na memória de todos aqueles que viveram experiências semelhantes. Revela aos mais novos, uma cidade simples, ingênua, cheia de encantos, através dos olhos de uma criança, e resgatada, agora, pelo autor. Começa contando sobre um tempo das conversas, das histórias, no quintal, na cozinha, na calçada (p. 36) e vai muito mais além. Ari está de parabéns pelo belo trabalho com que nos presenteia e enriquece a bibliografia sobre nossa cidade e região. Só alguém capaz de amar sua terra natal, sem constrangimentos, é capaz de revelar o dia-a-dia vivido com intensidade, em todos os detalhes e significados pessoais. Memorialista por vocação, ele nos dá a sua visão da história da cidade em que viveu, cidade que cresce a cada dia e vai desaparecendo pouco a pouco, dando lugar a uma metrópole com novos encantos, mas sem o sabor dos anos 50 e 60. Décadas em que cantar fazia parte integrante do viver com intensidade, seus ideais e suas esperanças. Recomendo o livro “Rio Preto — Na Rota dos Asteroides” (Fragmentos da História de São José do Rio Preto), de Aristides Coelho Neto, especialmente aos jovens de ontem, de hoje e de amanhã.” — Nilce A. Lodi

A ideia inicial era falar especificamente sobre a banda “Os Asteroides”, dos anos 60,  e sobre figuras de destaque do rádio e da música que compartilhavam conosco o mesmo espaço na mídia. Logo percebi que os artistas e os profissionais do rádio à nossa volta eram muito mais importantes que nós d’Os Asteroides. E por isso, mereciam especial atenção. A mídia, como se sabe, nos anos 60, em Rio Preto restringia-se a rádio AM e jornais. A televisão estava engatinhando. Quem folheia o livro logo percebe que não me limitei à ideia original. Enveredei pela história de Rio Preto, desde os seus primórdios. Na parte autobiográfica acabo por passear pelos idos de 1926, quando o Álbum da Comarca estava sendo elaborado. Dessa forma, o leitor se depara com o que chamei fragmentos da história de Rio Preto, de Mirassol e região, na forma de dados, de ilustrações, de declarações, algumas com sabor de ineditismo.

Os relatos sobre os anos 50 — que prefaciam a abordagem sobre os chamados Anos Dourados — nos fazem mergulhar em reminiscências de cidadãos rio-pretenses comuns, de pessoas simples, que depois do jantar traziam as cadeiras para as calçadas ou iam fazer o “quilo” caminhando até o centro, para ouvir uma banda no coreto, comer pipoca na rua Bernardino de Campos, olhar os cartazes do Cine Rio Preto, desfrutar da frescura da fonte da praça.

A Catedral de São José é estampada logo na capa. Talvez uma provocação do autor para despertar saudade e sempre um comentário de insatisfação do leitor que não se conforma com a troca da arquitetura de inestimável valor histórico pela nova, de gosto duvidoso. A represa, cartão-postal de Rio Preto, é mostrada numa foto sugestiva também na capa. E a sobriedade da cidade surge em pano de fundo, na beleza inconteste do azul do céu prestes a dar lugar às estrelas, sempre ofuscadas pelos numerosos edifícios iluminados. Ainda na capa, Os Asteroides, em sua segunda fase, na boate do Rio Preto Automóvel Clube. Na quarta capa, comparece por duas vezes o símbolo evocativo da era do rádio — o microfone grandalhão, apelidado “jacaré” pelos profissionais do rádio.

Se o humor que imprimi é refinado, não sei. Tentei. Pelo menos nas menções às gafes do rádio e às agruras por que passei, no que chamo de aventura literária. Assim, a narrativa por vezes é metalinguagem, numa obra que muitos classificam de jornalismo histórico.

Em meio às críticas que faço, nas afirmações que ensejam reflexão, nas dificuldades para edição, já me perguntei se o livro interessa só a rio-pretenses. Acho que não, já que traz passagens históricas que dizem do Brasil e do estado de São Paulo. Apesar da comunicação, na época, restringir-se às ondas do rádio, Rio Preto seguia os padrões da maioria das cidades brasileiras. Isso faz com que o assunto interesse a brasileiros em geral, no meu modo de ver.

Como um velho diário de adolescente se transformou, depois de 30 anos, num livro de 300 páginas, quase 500 notas de rodapé e mais de 100 ilustrações? Bem, acho que sou um asteroide metido a besta.

Aristides Coelho Neto, 30 jan. 2010

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