TEXTOS DO AUTOR

NADA PESSOAL

A tal da impessoalidade na redação oficial gera dúvidas em quem redige ofícios, memorandos etc. e vêm as famosas interpretações pessoais sobre o tema.

Ando meio incomodado com a interpretação que se anda fazendo quanto ao que é impessoalidade em redação oficial. Vale deixar claro logo de início que redigir não é fritar pastel ou bolinho. Redigir exige formação, conhecimento da norma culta, de regras básicas de concisão, de clareza. Há de se ter a capacidade de ler um texto e conseguir extrair a sua essência, conectando parágrafos, usando da coesão no ato de redigir. Como aprender isso? É assunto para outra hora.

Há equipes de redação no governo que acham normal o que se segue.  “Cumprimento-o cordialmente, e em resposta ao solicitado informa-se que a empresa em questão não mais existe. Informamos ainda que [...].”

Não vejo razão para cumprimentar ninguém em início de redação. Despedir-se de forma atenciosa ou respeitosa, sim. E, por favor, não cumprimentem ninguém com “honras de estilo”, pois isso é do tempo em que nossas avós ainda andavam de bicicleta. Aliás, não “tenha a honra”, nem “tenha o prazer”. Contenha esse seu deslumbramento. Entre logo no assunto. Como se faz em inglês.

O tal do “informa-se”, do exemplo dado mais acima, é justificado pelos redatores equivocados como sendo em obediência ao princípio da impessoalidade, que consta do art. 37 da Constituição: “A administração pública [...] obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência [...]”. Já o “informamos” é um descuido, já que se iniciou o texto na primeira pessoa do singular, terminando-o com primeira pessoal do plural, o chamado plural de modéstia ou majestático.

Esse “informa-se” ou “é informado” é que pega pra valer. Por que não se optar  por “informo” ou “informamos”? Uma vez decidido por um ou outro, perca a timidez de dizer que é você ou o seu chefe que está informando. Qual o problema em dizer “informo que a empresa em questão não mais existe”? ou que “não possui alvará”? Ora, se a informação está fundamentada num documento, numa vistoria, numa reunião de consenso etc. (aliás, recomendável que o embasamento conste do texto), por que tantos acham que o chefe não deve assumir? que deve ser “impessoal”?

Nessa linha equivocada não se admitiria mais o “determino”, o “resolvo”... Seria tudo vago, “impessoal”, ou seja, “determina-se”, “resolve-se”... não se sabe nunca quem determinou, quem resolveu. Essa confusão, chego a pensar, se deve à falta de exemplos — eles não deveriam faltar nos cursos e manuais de redação. Muitas vezes nessas publicações os exemplos não são esclarecedores. Outras vezes conflitam com conceitos emitidos anteriormente.

Qual o motivo para não substituir um “informa-se” por um taxativo “informo, de acordo com o memorando 36, que a denúncia não procede”? Ora, nenhum! O chefe apenas está repassando um dado que consta em um documento que tem uma origem idônea, conhecida, foi assinado por um responsável. O chefe assume, ele é a figura máxima da instituição e a representa oficialmente.

Agora, dizer “eu acho”, “na minha opinião”, “não simpatizo com a ideia”, isso sim é fugir do princípio da impessoalidade que se quer observar. Há de se ter bom senso.

Digamos que você é o chefe. E está às voltas com o seguinte texto:

“Diante da premência em se delinear o perfil dos usuários, fez-se necessária a elaboração de um relatório analítico. [...] Para o trabalho, foram coletados dados em vários estados, com várias comunidades. [...] Ao encerrar-se a pesquisa, aproveito a oportunidade para passar-lhe uma cópia do documento final”.

“Se delinear” está perfeito. O chefe não vai querer dizer que sentiu pessoalmente a necessidade de delinear. Obviamente “sentiu-se” a necessidade, não foi ele quem  sentiu essa necessidade (pode até ter sido ele, mas espera-se que a sua necessidade tenha respaldo de uma equipe de técnicos). Em “para o trabalho, foram coletados” dados, está claro — não foi o chefe quem coletou. Poder-se-ia até dizer que a equipe encarregada coletou dados. Em “ao encerrar-se a pesquisa” (ou quando a pesquisa foi encerrada), a precisão de como ela terminou é dispensável.  Só falta agora os equivocados dizerem que o chefe não pode dizer “aproveito a oportunidade para passar-lhe cópia”.

Por favor, não me venham com “aproveita-se a oportunidade”, nem “passa-se uma cópia”. Tenham a santa paciência! No mínimo, se o chefe é modesto, que se valha de um “aproveitamos”, em vez de “aproveito”. E não entendam mal. Equívocos acontecem. Isso que menciono de impessoalidade não é nada pessoal.

Aristides Coelho Neto, 15 nov. 2009

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