TEXTOS DO AUTOR

Pelo crivo do bom-senso, até no vernáculo

Não se deve acreditar em tudo que se escreve ou que se diz por aí. Usar o bom-senso e o raciocínio antes de aceitar uma verdade ou uma grafia como correta é receita sempre atual.

O recém-lançado Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa – VOLP, 5ª edição, diz que agora “bom-senso” tem hífen. Adotei, então, já no título deste texto.

Diz também que “dia-a-dia” já era. Agora o substantivo “dia a dia” não tem hífen. E afirma que tanto faz  imunoematologia como imuno-hematologia, ora vejam! E nos confunde tirando o hífen de boca-de-lobo que passa a “boca de lobo” para significar bueiro, mas ainda “boca-de-lobo” para uma tal de erva que nem conheço.

Continua valendo a tese de que não devemos aceitar facilmente algumas “verdades” como verdades. O próprio Buda nos incitou a não aceitar uma verdade simplesmente porque a tradição disse ser verdade ou porque os sábios assim apregoassem ou porque ele próprio afirmasse. “Só deveis aceitar alguma coisa como verdade, quando ela tiver passado pelo crivo do vosso próprio raciocínio. Só então isso é verdade para vós."

Pode parecer filosófico demais, mas tudo – eu disse tudo –, desde a subjetiva fé, deve passar pelo crivo da razão, da lógica. Ou seja, é o bom-senso, a coerência, a reflexão retilínea, agindo antes da aceitação de qualquer coisa. E estamos falando agora do vernáculo, da forma de escrever.

A minha penúltima versão do dicionário Aurélio digital registrava “sócioeconômico”, com acento agudo no primeiro “o”. A atual versão do Caldas Aulete digital, o gratuito (já adaptada ao Novo Acordo Ortográfico), registra a conjugação de “apoiar” como “apóio, apóias, apóia, apóiam”, ainda com acento.  

A Gramática da Língua Portuguesa (Vilela & Koch, 2001) – ela dita regras, como toda Gramática – trouxe “sócio-profissionais, sócio-interacionais” em época que Houaiss e Aurélio afirmavam ser “socioprofissionais etc.”.  Deu exemplos de “linguagem enquanto [sic]  atividade”, com o polêmico e horrível modismo do “enquanto” no sentido de “sob o aspecto de”. Pecou a Gramática na revisão textual em “detrminadas, tem-se reservado o frase, avisei-o de que es do, ontem prometi a seus país, se concretize potanto, deteminados fins, processarnento, converscional, emegência, dia a dia (como substantivo, em 2001), interveções, ato interacional a nível [sic] da conversação, antecendentes, nietacomunicativos (em vez de metacomunicativos), há alguns anos atrás [sic]”. Melhor parar por aqui que isso cansa.  Se não tivermos cuidado em aceitar tudo o que vem escrito, corremos o risco de nos prejudicar.

Esse cuidado salutar que devemos guardar na análise das coisas passa também pelos manuais de redação oficial. Há manuais que recomendam um ponto depois da data que prefacia um documento: Brasília, 11 de abril de 2009. (ponto)”  Esse pontinho final me irrita e não o acho estético. Então, adoto o que acho correto. E que se dane o manual. Não tenham dúvidas de que nem sempre os organizadores acertam. Há manuais que propõem a grafia do CEP com ponto separador: 71.505-765. Quando duvidei disso, bastou reportar-me a quem para dirimir a dúvida? Ora, aos Correios. E eles afirmaram: não se usa o ponto separador de milhar na grafia do CEP. Fico com eles.

Cuidado com o que está no meu livro “Além da Revisão – Critérios para revisão textual” lá na página 186. Microrrregiões com três “erres”.

Claro que vocês nem vão ligar. Faço votos que continuem atentos.

Aristides Coelho Neto, 11.4.2009

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