TEXTOS DO AUTOR

Rumo a Brasília, reflexões na estrada

Anotações rápidas de viagem. Colóquio mudo que parece solitário, mas nele se reflete, se pergunta, se responde, se conclui. Ou ficam coisas pra se pensar e pensar e pensar.

Marcou no trecho novo quanto ainda falta para a duplicação completa? Vinte e seis quilômetros... hmmm. Falta pouco. Que delícia, pista dupla. Cansa menos. Ainda não decorei as cidades desse percurso.  Quem ia sempre por Catalão, agora é decorar o trecho novo — Rio Preto, Nova Granada, Icém, Frutal, Prata, essa a parte comum, tanto por um trajeto quanto por outro. Agora voltamos aos velhos tempos de Trevão, Itumbiara, Morrinhos, Goiânia, Abadiânia, Alexânia, Brasília. Há muitas outras entre essas.  Ainda vou anotar. A gente vinha por esse trecho na época da UnB.

Pelegrini perdeu a mãe na época da viação Estrela. Incendiou. Imagine que aflição.

Percalços na estrada - 8.2.2009 - foto acnNove horas pela frente. Não gosto de ficar repisando, mas nessas viagens como é importante a prece. Viagem por terra é muito mais perigosa que de avião. Você cruza com milhares de veículos em sentido contrário. Tem de confiar na sanidade e destreza de quem você não conhece...

Êta, Neil Diamond! Acho que não dão muita bola para ele no Brasil. Eu o acho demais! Que timbre de voz. Tudo que aparece dele eu compro.

Prece não muda destino das pessoas. Mas ajuda a suportar as intempéries. E as transições também.

Trecho horrível esse de Minas. Nessa estrada, o pior trecho sempre foi o de Minas.  Viu os dois motoristas parados olhando para a roda? Só pode. Cada buraco! Engraçado... os dois panelões que acertei... e eu estava devagar.

“Ninguém tem paciência comigo”. O que será que o camioneiro quer dizer com a inscrição no pára-choque? Eu prefiro camioneiro a caminhoneiro. Mais elegante. Vem de “camion”, do francês. Mon Dieu de la France, o que o cara de Tupã quis dizer com “Um ção de adorrador”. Não devo achar a tradução disso nem na internet. Cada nome! Transportadora Cabelo! Panela Pneus! Falta de criatividade.

Viu a placa? Frango caipira, vivo ou abatido. Sabe como é que se conhece se o frango é caipira? Não? É pelo sotaque. (risos) Frango abatido tem dois sentidos. Pode ser um frango chateado da vida.

Por falar em caipira, como é que pode lá no Caipirão (é Goiatuba ou Morrinhos?) a refeição ser sete reais na quarta, na ida, e nove reais, no domingo, na volta? Estou me sentindo lesado. Gosto de ver a bicharada do quintal. Não no prato, viva. Era peru, peru branco, galinha-d'angola, pato, ganso. Até filmei. Passar para a pituquinha. Galinhas da pata empenada. Me lembram a infância com as galinhas, meus coelhos. O ganso me enfrentou. Eles são usados como cão de guarda, você sabe.

Me bateu um sono. Será que a água ainda está gelada? Eu quero.

Reparou nas feições da mulher da manga palmer? Tirei uma foto. O mostruário estava bonito. Ela parece velha. Mas deve ser mais nova que nós. A vida difícil deixa marcas no rosto.

Vai ser uma barra para minha irmã. Além de tudo, agora  minha mãe, tadinha. Noventa não é fácil. Engraçado quando a gente pede. Saúde, cura... Isso às vezes foge da programação do Criador. Costuma-se dizer que o certo é pedir o melhor para a pessoa. Deus sabe o que é melhor. E a gente precisa entender. Um dia a gente vai entender tudinho.

Desastre feio. Uma pessoa está na pista. Armaram uma barraca antes do socorro. Ele está deitado. Ainda bem que está falando. Não sobrou nada do caminhão. Todos passam devagarinho. Curiosidade mórbida. Vou tirar uma foto. Eu mesmo me pergunto por que tirar foto. Como se explica esse ímpeto? não sou jornalista, não sou nada...

Aperte o shuffle. Aquela mistura aleatória das músicas. Esse disco está excelente: Marisa Monte, Leila Pinheiro, Sarah Brightman, Gilberto Gil, Neil Diamond, Marcelo Barra, Maria Rita, Boca Livre. O toca-cd faz a seleção.

Caramba! Pense nos dramas de cada casa que a gente foi. A nossa vida é um mar de rosas. Pode acreditar. Adolpho conversou muito comigo. Falamos da vontade que a gente tem de ajudar em situações de extrema dificuldade. Em que falta determinação da pessoa. Qualquer um, só será ajudado se ele próprio se dispuser a isso, se aceitar. Mas o mais importante quando se quer ajudar é não se deixar contaminar pelo problema.  Temos que sobrevoar o problema e não nos envolvermos. Caso contrário, é como resgate de quem está se afogando. Se você não usar de uma tática de pegar por trás, o afogado leva você para o fundo. Equilíbrio, equilíbrio. Equilíbrio para poder ajudar.

Conversar com dona Celda me dá alento. Puxa vida! Noventa e quatro anos. Entabula a maior conversa. Que mistério. Como as pessoas envelhecem de forma diferente.

A bancada não tinha cuba? Granito em dois planos. E não se vê a válvula. E a água desce.  Fiquei curioso. Interessante anotar o nome desses postos bons. BR 153. É o mesmo nome da rodovia. Mais ou menos a 130 quilômetros de Rio Preto.

Tio Ivan comentou que paga quinze reais por mês pela segurança da casinha lá em Piedade. O pessoal do morro lá no Rio dá recibo. Onde estamos, onde estamos, meu Deus?

Vamos evitar viajar à noite. Sempre. No caso de assalto a ônibus as empresas são muito objetivas.  Se dizem vítimas também. Em suma, dizem que não são só elas que sofrem essa violência. São os trens, as quitandas, os supermercados, as residências, os automóveis, os hospitais, os cemitérios, os aeroportos, os carros-fortes, os bancos, os sorveteiros, os pedreiros, os pilotos, os ascensoristas, os padeiros, as prostitutas, os brancos, os negros, os asiáticos, os sãos, os doentes, os velhos, os jovens, os homens, as mulheres, os judeus, os árabes, os pobres, os ricos, os católicos, os espíritas... e por aí vai. E a culpa seria do Governo, que não cuida de nós.

Olhe o congestionamento.  Com a chuva ninguém está enxergando. E todo mundo resolveu entrar no posto. Não era pela gasolina, era para se proteger. Nossa! virou congestionamento!

Acho que a Natane perdeu uma grande oportunidade de conhecer Brasília. Poderia ter vindo com a gente. Dizer que não queria perder os dois primeiros dias de aula, acho bobagem. Melhores dias são os primeiros!? Pópará. Cinco dias em Brasília e daria pra ver muita coisa. Andar de metrô. Catedral, torre, memorial JK, zoológico, volta ao lago, sei lá. É importante conhecer. Niemeyer. Lúcio Costa. Invasões. Arruda em todo discurso diz que as invasões acabaram. Mal sabe, mal sabe. Congresso? Não levaria uma menina de treze anos ao Congresso. Pela pornografia que reina por lá — é só ligar a tevê —, eu faria algumas mudanças. Só entraria no Congresso com vinte e um...

Pode me passar um relaxante muscular? Ai! Eu não podia ter pegado peso.  Mas quem ia carregar minha mãe?  

Viva! Até que enfim. É o Núcleo Bandeirante. Estamos chegando.

 

Aristides Coelho Neto, 9.2.2009

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