TEXTOS DO AUTOR

MEU PRIMEIRO ASSALTO, A PARTE PÉSSIMA

A gente imagina que determinadas coisas só acontecem na telinha. Até que a tal da primeira vez nos atinge. Experiência de assalto à mão armada na rodovia é inesquecível. Bater nessa tecla pode levar as autoridades a sair do seu ninho de descaso.

Era perto de meia-noite, rodovia BR-050. Passávamos do dia 2 para o dia 3 de dezembro, quarta. Luzes apagadas, a maioria dos passageiros cochilava no Mercedes modelo Paradiso da Real Reunidas.  O trajeto é longo, de Barreiras-BA a Santo Ângelo-RS. Se eu não tivesse chegado às 20h na rodoviária de Brasília, teriam me deixado para trás, saindo quinze minutos antes do horário programado. Antes assim fosse. 

A freada brusca indicou algo que fugia à normalidade. Galhos da pista. Foi quando os quatro bandidos mascarados, armados de revólveres e facões invadiram o ônibus aos berros. Estávamos possivelmente a 80 km de Cristalina-GO.

A primeira impressão é a que manda. Por isso levei uma coronhada já de início. O estrago foi pequeno, mas o suficiente para empapar a camisa, a calça, o lenço. Tiro no corredor e outras manifestações de intimidamento se seguiram, como tática para que todos se convencessem de que eles não estavam brincando. Mas ninguém pensou que aquilo não era real, naquele ônibus da Real de número 24506 que eu usava para alcançar São Jose do Rio Preto-SP.

A apreensão maior ocorreu por conta de levarem o ônibus no trajeto inverso. Voltávamos em direção a Cristalina, luzes internas apagadas, sem saber o que iria acontecer ainda. Foram quarenta minutos intermináveis.  Muitas crianças apavoradas, muitos adultos vivenciando a triste experiência pela primeira vez. Os bandidos em atividade constante, encostando as armas nas pessoas, revirando bolsas, mochilas, carteiras, juntando os pertences que imaginavam ter maior valor. De um jeito amador, submetendo todos a humilhação e pressão psicológica.  E perguntavam sobre roupas de marca, aparelhos e outros bens de valor que pudessem estar no bagageiro de baixo.

O ônibus foi levado para fora da rodovia e as malas reviradas e espalhadas no campo. A escuridão era total. De dentro do ônibus não sabíamos bem o que acontecia. Quando tudo acabou, Roberto, o motorista, ao manobrar viu uma viatura da polícia rodoviária passando na rodovia ali a cem metros. Deu sinais de luz, mas ela passou ao largo. Medo? Talvez.

Atordoados com o acontecido, nos dirigimos a Cristalina. Ao ligar para a polícia civil, alguém informou que o problema era da alçada da polícia rodoviária. E lá fomos para o posto de Cristalina, do qual não sei o nome, lá onde estavam de plantão os agentes rodoviários Sales, Brito, Resende e Adailton. Fomos surpreendidos com a alegação de que casos assim, por ter caráter investigativo, deveriam ser do âmbito da civil e não da rodoviária... um balde de água fria para quem escutava. E imaginamos que seríamos vítimas de novo. Agora da burocracia, do conflito de competências e da forma de entender dos policiais.

Mas algo deve ter mexido com o dispositivo-de-bom-senso dos agentes e fomos atendidos. Quem sabe contagiados pelo clima de desconsolo dos passageiros, quem sabe pelo desespero maior de alguns, as providências julgadas possíveis foram tomadas. Telefonemas foram dados, ocorrências registradas, rádios passados. E nos acompanharam ao local onde as bagagens da parte de baixo foram reviradas e retiradas do veículo.

Nos ajudaram a trazer de volta pacotes, embalagens e bagagens espalhadas pelo campo. Feito isso nos escoltaram até Ponte Alta. Foram gentis.

Mas antes da escolta, o discurso de um agente. Estavam ali, disse ele, prestando um serviço público, não precisávamos agradecer – eles não faziam mais que sua obrigação.   Não sei se ajudei a provocar aquela atitude, ao dizer ao motorista que eu relataria em meu site as dificuldades que ele estava tendo para se comunicar com a sua empresa, a Real Reunidas. Eu sentia a dificuldade do motorista Roberto para falar com a direção da Real. Faria ainda ao meu público leitor todos os  juízos de valor possíveis sobre tudo que eu observava naquele evento inesquecível. O agente rodoviário falou então em problemas de pessoal disponível para a plena segurança das estradas (este tema está mencionado em artigo na página dos policiais rodoviários federais do Distrito Federal). O assunto de roubo a ônibus não era novidade por aquelas bandas, e pelo visto sem providências concretas (mais tarde, em Rio Preto, vim a saber que todos estão carecas de saber dos assaltos naquela região).  Disse ainda o agente do descaso do governo para com a segurança pública.  E falou de educação.

E eu fiquei a refletir. Os ônibus que cortam o Brasil nas madrugadas, por locais ermos, deveriam ser dotados de equipamentos de rastreamento.  Imaginem, no monitoramento, um ônibus passar a fazer um sentido inverso ao seu.  Era definir o local, mobilizar a polícia, e os bandidos seriam pegos em flagrante talvez. Rastreamento – dever das empresas.  Obrigatoriedade – dever de governo. Bem, políticos e governantes não andam de ônibus.

As desigualdades sociais, a falta de educação, e a conseqüente oferta restrita de emprego – questões de governo – levam à marginalidade e à violência.

Na questão da segurança, os dois agentes que nos escoltaram deixaram o posto policial desguarnecido e sem viatura, desnudando a fragilidade de um dos segmentos da segurança pública, desprovido de gente, de carros, de equipamentos.

Resolver isso de uma hora para outra, só mudando de país.  Mas eu me recuso.

Bom lembrar que a questão da segurança capenga leva a um outro problema. A cena deplorável que descrevi teve muitas crianças como expectadores. Assaltos tão recorrentes na região, além de marcar indelevelmente os envolvidos, podem levar crianças e outras pessoas a pensar — se impunidade é uma realidade, se crime compensa, que é que estou fazendo aqui, transitando na legalidade?

Aristides Coelho Neto, 4.12.2008 

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