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CRÍTICOS DE BOLSONARO

Quem somos nós, afinal?

Quem somos nós, afinal? Comunistas?

Não! Comunistas são minoria. Somos de esquerda, mas somos gente de direita também, que observa com acuidade o que acontece hoje no Brasil. Críticos de Bolsonaro, por incrível que pareça, somos ainda aqueles que não sabem bem rotular, se direita, se centro, se esquerda — somos brasileiros e fim! Somos ex-bolsonaristas que fervorosos votamos 17, mas que despertamos do sono letárgico. Somos cristãos reflexivos, indignados às vezes. Somos desempregados sem perspectiva. Somos médicos atônitos em ter de lutar contra a corrente negacionista. Somos mistura de negros e índios, em busca da esperada inserção e respeito pela diversidade. Somos também nordestinos com muita honra. Críticos de Bolsonaro, somos políticos do bem, podem crer, a gente existe. Somos pesquisadores que com pesar vemos recrudescer o movimento antivacina. Somos pastores evangélicos que abominam gestos de arminhas e violência. Somos militares incomodados com o que andam pensando da nossa instituição. Somos também pessoas que escreveram livros contra o PT, sabiam? Críticos de Bolsonaro, somos também os apolíticos, que se abstêm de endeusar partidos. Somos cristãos que condenam gabinetes de ódio ou quaisquer manifestações desse sentimento atroz. Somos jornalistas isentos, diferentes dos parciais e vendilhões do templo. Somos chineses cutucados com vara curta. Somos venezuelanos que escolhemos o Brasil. Somos argentinos, mexicanos, hoje com nova opção de governo. Somos religiosos que olham reticentes para o jargão do governo "Brasil acima de tudo, Deus acima de todos". Queremos Estado laico. Críticos de Bolsonaro, somos quilombolas que não sabemos mais para que serve a Fundação Palmares. Somos padres que atuam na periferia das cidades, assistindo ao dar-se as costas a uma realidade flagrantemente renegada, de escancarada fragilidade social. Críticos de Bolsonaro, somos brasileiros patriotas também, dos que cantam os hinos nacionais e veneram a bandeira, hoje tomada como se as cores verde e amarelo pertencessem tão somente aos situacionistas. Somos famílias estruturadas, que não queremos ter de retirar as crianças da sala nos discursos chulos do presidente. Somos homossexuais, que antes de Bolsonaro já éramos vítimas do preconceito e agora temos medo. Somos padeiros, atendentes, balconistas, motoqueiros, açougueiros, caminhoneiros, aposentados, pedreiros, frentistas, torneiros, mecânicos, eletricistas, barbeiros, verdureiros, cansados de ver governantes e representantes do povo preocupados com temas que não nos dizem respeito e nem nos atingem de forma benéfica. Somos os trabalhadores que batalham dia e noite, assistindo pasmos a loucos que não pensam no bem comum, mas só em si mesmos.

Somos professores amedrontados pela pandemia. Somos mansos e pacíficos e discordamos da onda armamentista trazida pelo mandatário mor da nação. Somos generais incomodados com desmandos, chacotas e humilhações. Somos especialistas assustados com o amadorismo imposto a nós. Somos escritores, artistas tristes e perplexos com a dilapidação dos bens culturais. Somos cidadãos que sabem do vírus da corrupção entranhado no caráter fugaz das pessoas. Somos intelectuais que analisam atos de corrupção que sobrevivem a quaisquer vacinas éticas, porque, sabemos, fazem parte do ser humano. Somos os eleitores que esperavam ver nossos candidatos a presidente em debate que não existiu. Somos pessoas carentes que necessitam que o Estado cuide do nosso bem-estar e crescimento social. Somos portadores da aids que acreditamos nos preservativos e nas conquistas da Ciência. Somos outros igualmente que quase morremos de dengue e não admitimos correntes alternativas que menosprezem cuidados com água parada. Da mesma forma, somos brasileiros eleitores que rechaçamos o exemplo do não uso de máscaras, rechaçamos os maus exemplos letais das aglomerações, das cloroquinas e ivermectinas, das críticas inconsequentes à vacina, a única que vai nos salvar da morte. Críticos de Bolsonaro, somos coveiros sobrecarregados de trabalho. Somos dos grupos de risco que não vislumbram vacinação em massa tão cedo neste Brasil continental por total desleixo de quem dá as cartas mas não planeja. E somos estatísticos que sabemos da mortífera negligência presidencial, que matou, embora não saibamos quantos. Somos os críticos ao desdém que homens públicos imprimem a questões ambientais. Somos pessoas cordatas que veem com perplexidade as falas rasteiras de um presidente que demonstra a toda hora ser estadista às avessas. Somos os envolvidos como coadjuvantes no exercício ilegal de medicina de um presidente genocida. Somos aqueles que entendemos o termo maricas como acovardados, embora sejamos lutadores pela sobrevivência digna. Somos nós outros aqueles que comprovaram que nossa crise não é pequena crise, que não houve neurose e histeria nem superdimensionamento da pandemia, e que basta olhar para os números. Que o mundo não nos veja como displicentes, e que reconheça que presidentes passam. Reconheça que não somos isso.

Todos nós, e muitos mais, somos os críticos de Bolsonaro.

Aristides Coelho Neto, jan. 2021

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