TEXTOS DO AUTOR

PAGANDO MICO

As gafes de cada um dão um sabor especial à vida. Mas há gafes que a gente tem vergonha só de lembrar.

Não tenho lá muita intimidade com a expressão "pagar mico". Tanto é que pensei muitas vezes que eu pagava o mico. Mas só pagava mico, sem "o".  É que são expressões diferentes. Pagar mico é passar vergonha, dar vexame, cometer gafe. Pagar o mico é sofrer as consequências, pagar o pato. Ambas já estão nos dicionários. O Houaiss faz essa distinção. Como todos sabem, mico é aquele macaquinho fofo que aparece às vezes no seu quintal.

Dizem que a origem da expressão "pagar mico" vem de um jogo de cartas antigo. No Jogo do Mico os jogadores devem formar pares de cartas. Mas há uma carta que não tem par, a carta do mico. O jogo termina quando restar apenas a carta do mico a um jogador. Este é excluído. Dos que sobram, ganha aquele que tiver feito mais pares. Ficar com o mico, portanto, é embaraçoso. Este jogo pode ser jogado com um ou dois baralhos de cartas normais.  Nesse caso retira-se uma carta no início do jogo, ficando no baralho uma carta sem par. Há também baralhos especiais para esse jogo,  que incluem uma carta com a figura de um mico-preto.

Entendido? Vamos aos exemplos de como pagar mico.

Mel revela para Victor, seu irmãozinho, que a Fada do Dente pode lhe deixar 50 reais de contrapartida pelo dente de leite que caiu. Basta pedir e esperar, que embaixo do travesseiro a nota de cinquentão aparece. Victor comenta com a mamãe. Esta diz que a fada só traz moedas — nada de nota de 50. Deixasse da forma que estava, quem pagaria mico? A fada, se existisse, por ver-se desacreditada. Já a mãe das crianças pagaria o mico, noutro sentido, de sofrer as consequências de uma lenda (urbana?) inflacionada.

Bruno pede para sua mãe um presente de Natal que custa mais que meio salário mínimo. A mãe fala da falta de dinheiro.  O garoto então procura a prima, que, nos seus 10 para 11 anos sabe da vida do Papai Noel e tem conexão direta com ele. Mesmo sabendo que o velhinho é lenda, a sabidinha tranquiliza Bruno: "Não se preocupe. Vamos pedir ao Papai Noel e tudo vai se resolver sem complicar sua mãe".  Resta então a Bruno procurar a mamãe: "Mamãe, não precisa se preocupar mais com aquilo que pedi. Já resolvi tudo com Papai Noel. E Mel disse que ele está fazendo os últimos ajustes".  Que gafe essa da Mel! Mico certo!

Um trio de crianças superdotadas (os avós sempre pensam que são) resolve, sem que os pais saibam, em dia de encontro com os amiguinhos, abrir o registro de água que abastece a piscina. Ninguém percebe. Se esbaldam com a água abundante. Só se descobre três horas depois que a água jorrou à vontade. Quem paga mico sem "o"? Ninguém. Mas os pais pagam o mico (com "o"), porque pagam a conta da concessionária de água e esgoto. E a conta é salgada.

Aliás, em quase todas as gafes de crianças, quem paga o mico são os pais, tias, avós. Me esqueci das professoras, diante de perguntas capciosas dos pestinhas, dentre constrangimentos mil.

Quando um molho de chave importantíssimo para a rotina da casa desaparece por dois dias e é achado pendurado na árvore de Natal (!), quem paga mico? Também nesse caso, ninguém. Mas os neurônios queimados, dizem, são irrecuperáveis. Melhor dizendo, quem é ansioso paga o mico. Quem não está nem aí, fica incólume. Quem pendurou, hmmm... esse nem mais se lembra dos transtornos aos adultos.

Você já está imaginando que quero dizer que só criança paga mico. Nem pensar. Adulto é mestre nisso!

Por exemplo, ela, a adulta, não acha o celular. Procura por toda a casa e em lugares inusitados. Depois de duas horas, eureca! O celular estava no congelador. Isso! Congelador. Que mico! Ela então se lembra que ele, marido também adulto, havia colocado ali, por alguns minutos, para uma resfriada rápida — o aparelho estava quentíssimo por ter sido deixado no carro, debaixo de sol. E todos se esqueceram de retirá-lo do freezer. Que gafe danada essa!

Quem paga mico é ela, a dona do celular. Por não se lembrar de resgatar o aparelho.  Já ele, nem se afeta. Sai dizendo que sua ideia foi genial.

Feitas essas considerações sobre a expressão idiomática "pagar mico", somos levados a reflexão inevitável. Olhem o caso do Papai Noel. Se comunica por meios alternativos ao celular. Só pode! É  óbvio que a região gelada em que vive prejudica o funcionamento dos aparelhos celulares. Distraído ao extremo, muitas vezes o velhinho deixou o celular cair na neve. É que o aparelho dela no congelador parou de funcionar. Só ressuscitou quando voltou ao calorzinho aconchegante de dezembro daqui do Planalto Central.

Pra mim o mais difícil no desenvolvimento de um texto é como terminá-lo... E já estou perto do final. Me  ocorreu o caso de Paulo Maluf, sendo transferido para a Papuda. Já sabemos que ele não vai ficar preso por muito tempo, pela sua idade, pela habilidade dos seus advogados, pela conivência do nosso Judiciário. Mas nos poucos dias em que vai ficar enjaulado, a população é unânime em querer que ele pague mico, que passe vergonha (pouco provável que ele se envergonhe). E que pague o mico também, no sofrer as consequências dos seus atos de corrupção, devolvendo o que surrupiou.  

No caso do celular gelado, pelo fato de o idealizador julgar-se o maioral, cabe aqui dizer de uma gafe dele que ele detesta lembrar — aos 17 anos tomou o primeiro porre de sua vida. Coisa de adolescente. Sua gafe? Fez cocô no tapete da sala. Essa, convenhamos,  é gafe que dá arrepio de lembrar. Que mico fabuloso!  

Aristides Coelho Neto, 22 dez. 2017  

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