TEXTOS DO AUTOR

RETICÊNCIAS...

Reticências podem dar margem a mil interpretações. Com consequências inimagináveis.

Sempre que me mandam aquele comercial da ABI sobre a vírgula, eu reverencio a autoria. Criativo! Excelente! Não custa reprisar. Um presente para o leitor.

"Vírgula pode ser uma pausa... ou não.

Não, espere. Não espere.

Ela pode sumir com seu dinheiro.

23,4. 2,34.

Pode criar heróis.
Isso só, ele resolve. Isso só ele resolve.

Ela pode ser a solução.
Vamos perder, nada foi resolvido. Vamos perder nada, foi resolvido.

A vírgula muda uma opinião.
Não queremos saber. Não, queremos saber.

A vírgula pode condenar ou salvar.
Não tenha clemência! Não, tenha clemência!

Uma vírgula muda tudo.
ABI: 100 anos lutando para que ninguém mude uma vírgula da sua informação."

Tem gente que descobriu com esse texto que a vírgula é mais que uma pausa para respirar, como se dizia antigamente. Acho até que em outros tempos deve ter sido cobiçada como equipamento de mergulho, já que promove alento. 

A vírgula bem colocada como instrumento para salvar uma vida é um recurso didático excelente. "Solte, não execute" ou "Solte não, execute" faz uma diferença tremenda na sobrevivência. Uma virgulinha que ninguém quase usa certo é a deste caso: "Boa dupla. Eu falo bem espanhol. Você, francês."

Mas eu queria falar das reticências. As danadas reticências. Numa ligeira pesquisa na web você vai aprender que as reticências marcam uma suspensão da frase, frequentemente em razão de elementos de natureza emocional. Às vezes, nem a gente sabe o que está se passando na cabeça do autor. Tenta imaginar.

As reticências são empregadas para indicar continuidade de uma ação ou fato. Para indicar suspensão ou interrupção do pensamento na chamada melodia frásica. Para representar, na linguagem escrita, hesitações comuns na língua falada. Essas hesitações passam por sentimentos, sensações, como dúvidas, surpresa, ironia, tristeza... Ou para indicar que vem mais por aí, que a ação ainda não acabou. Para realçar uma palavra ou expressão. Em caso de citações incompletas, ou em que queremos suprimir partes. Para deixar o sentido da frase em aberto, provocando uma interpretação pessoal do leitor, podendo a interrupção ser provocada pelo autor ou por interferência de algo ou alguém na fala em pauta. Não estou dando exemplos para não tornar o texto didático demais... (essas reticências vocês interpretam como quiserem)

Enquanto o mau uso da vírgula pode criar constrangimentos grandes, o uso das reticências também. Descobri isso recentemente. Uma professora particular minha não pôde me dar duas aulas que estavam agendadas em função de problemas de reforma em sua residência. Problemas naturais.

Eu pensava em como fazer para que essas aulas fossem repostas. E usei o whatsapp. "Professora Amélia, as duas últimas aulas perdidas, podemos repô-las no sábado? Há uns dez dias, eu saindo para sua casa, você, em função dos operários que estavam aí, achou melhor que não..." A resposta veio dura: "Por que as reticências? Acha que eu me furtei a dar as aulas? Não ficou claro que os trabalhos da reforma atrapalhariam? O que está querendo insinuar?" Em resumo: "Qual é a sua?" Eu, sinceramente, depois dessa — em que perdi uma professora por causa das reticências —, se já tinha problemas com esse sinal de pontuação, agora o que tenho mesmo é pânico!

Aristides Coelho Neto, 30 ago. 2016

"Falar sem aspas, amar sem interrogação, sonhar com reticências, viver sem ponto final." — Frase atribuída a Charles Chaplin


 

 

Comentários (3)

Voltar