TEXTOS DO AUTOR

A MÃE DO REVISOR

No processo de preparação de originais e de impressão gráfica, o revisor tem de zelar pelo texto que está corrigindo.

O revisor textual, mais que entendido, muitas vezes é incompreendido. Isso porque sua preocupação perfeccionista gera as mais variadas reações do cliente.

Geralmente o grande golpe desferido contra o revisor acontece no momento da impressão final. Se o revisor vinha cuidadosamente velando pela obra como se fora sua, nessa hora crucial de concretização, aliás sem volta, é que surgem as trapalhadas. E o pior, com o nome do revisor textual estampado na ficha técnica, o que lhe confere a posição de guardião descuidado da obra.

Nome gravado no expediente, ele é o responsável, o culpado de todos os deslizes. Na condição de leitor, é bom que este entenda que as coisas podem não ter saído como deveriam não por culpa do revisor textual. E entenda que o revisor pode ter sido preterido, abandonado, justamente (melhor, injustamente) na hora da apoteose, do ápice — a impressão, a danada, a bendita, a tão esperada, ou a maldita impressão.

No que eu disse aí em cima sobre processo sem volta (livro impresso) tenho um exemplo de uma volta, sim! Consegui que, em determinado livro, a instituição devolvesse o livro recém-impresso à gráfica, com o fim de retirar meu nome da folha de expediente, já que o diagramador não implementara minhas correções, fazendo seguir a obra para impressão. Impressão sem aval do revisor? E mantendo o nome no expediente? Não, não... assim, não! Como a capa já estava colada, obviamente, a folha de expediente e a capa tiveram de ser reimpressas e recoladas.

Obviamente surgem as mais incríveis e impensadas reações de um revisor colocado à margem do processo, atraiçoado pelo cliente ou por outrem. E reações também do cliente, como dito às preliminares, que não entende esse zelo do revisor textual. Há quem nessa hora diga que “o conteúdo prevalece sobre a forma”... Ora, revisor textual que se preze não admite isso.

Todo revisor, embora rígido ao extremo, tem seu momento de fraqueza. E confia. Foi o caso de uma pequena mudança por telefone. Ligam da gráfica e perguntam se não seria melhor colocar Anápolis em vez de Brasília, já que o autor era de lá. O revisor aquiesce por telefone. E a mudança é feita. Resultado: Anápolís com dois acentos agudos, no “a” e no “i”... Traição. Sem querer, mas traição.

Outro caso foi do autor que acrescentou um prefácio com 32 erros, a maioria na abreviatura de “página”, sem contar um capítulo inteiro novíssimo, excelente, elucidador, complementar, bem-vindo, direito do autor, mas sem revisão. Sabem o que o revisor fez? Entrou no almoxarifado, abriu 50 caixas de livros, riscou seu nome do expediente com caneta preta. Claro que não sem antes dizer ao autor: o livro é seu, você pode fazer o que quiser com ele, mas não com meu nome no expediente.

Caso recente é de livro que gerou idas e vindas durante nove meses, tempo de uma gestação. Bem, tudo pela excelência da obra. O diagramador, incauto, já havia dado muito trabalho ao revisor, fazendo de forma desavisada sua programação visual em cima de versão de texto já superada. E o revisor embarcou sem saber. Percebida a gafe, correções feitas em prova impressa, nada a fazer, senão incorporar duas correções diferentes. Prejuízo? Assimila-se, não tem jeito, faz parte. A surpresa maior para o revisor foi receber o livro impresso sem o seu aval na boneca da gráfica. “É desses livros que agente pega e não larga” (argh!) apareceu na orelha, contrariando o original do revisor: a gente, e não agente. A traição foi do diagramador, claro, percebida só no livro finalizado. Pente-fino na boneca, certamente, evitaria o problema, se o cliente atentasse para esse imperativo. Erro em capa, contracapa e orelha, aliás, pesa muito para o revisor. E ninguém sabe, ou quer saber, dos meandros. Culpa-se o revisor simplesmente. O nome dele não está lá como responsável? Então, fim!

Houve caso de livro em que os filhos do editor fizeram a folha de expediente por sua própria conta sem consultar o revisor. Até o ISBN saiu com 5 pontos de interrogação que o revisor havia colocado. Foi uma “capacidade” incrível de inserir uma quantidade enorme de erros por centímetro quadrado. Isso lá na folha que continha o nomezinho do revisor estampado. Imprimiram 20 mil. E depois mais uma tiragem de 10 mil, esta última também mantendo o nome do revisor. Dele, mantinha-se até um e-mail velho que não mais funcionava. Pedi e pedi para tirar o meu nome. Em vão. Sabem quanto eu havia cobrado? Nada. Só fiquei com os “louros” — serão anos e anos falando mal do revisor, única e exclusivamente por atitudes afoitas de outrem.

O termo traição é muito forte, disse-me um amigo, quando afirmei que ele tinha me traído. Entre vaivéns revisionistas, naquele profícuo trabalho de aprimorar um artigo dele, acabou não me mostrando a versão final que seguiu para o editor. Antes, porém, postou no facebook e pude ver: a palavra que acrescentou por sua conta feria a ortografia. E até os negritos que eu havia feito para evidenciar minhas sugestões lá ficaram. O leitor jamais entenderia o porquê de tais negritos. Reações dos revisores e dos clientes são, como já disse, as mais diversas. Esse amigo está numa fase de ex-amigo, cozinhando o termo “traição”.

Finalizemos então este desabafo mencionando a mãe do revisor. Nada de confiar em diagramadores, editores, clientes quaisquer que sejam. Você, revisor, tem de passar os olhos em tudo, na condição de paladino mesmo. Parta do pressuposto que quando delegar algo a alguém, esse algo vai sair errado caso você não confira. Em toda digitação, o digitador vai acrescentar erros, sabia? Qualquer grafia do cliente que fuja do cotidiano, desconfie. Parta do princípio que a palavra está errada. E vá pesquisar, confirme. Se o revisor quer ser realmente um bom profissional, não deve confiar nem em sua própria mãe. Tenho dito.

Aristides Coelho Neto, 12 jan. 2013

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