TEXTOS DO AUTOR

UM DIA NA GINECOLOGISTA

Aquele dia no consultório pode ter mudado sobremaneira a vida de Hilário.

Pra que ir ao ginecologista se ele era homem? Nunca tinha ido! Por que agora? Hilário perguntava à esposa, mas ela estava decidida. Queria mesmo que o marido fosse com ela. Tudo parecia se resumir à dificuldade de estacionamento. Hilário a deixaria na porta da clínica, estacionaria, e subiria ao quarto andar, ficando lá quietinho na sala de espera. Essa a proposta. Hilário aquiesceu. 

No caminho, porém, pareceu haver algo mais. E Esmeralda fez uma pergunta que recebeu prontamente um não de Hilário. Sugeria que ele entrasse com ela para conversar sobre "umas coisinhas". Nem pensar! Hilário foi categórico.

A sala de espera era pequena, mas estava repleta. Umas seis pacientes. Ele era o único marido presente. Abriu uma Cláudia e pôs-se a folhear a revista. Em vinte minutos chegou a vez de Esmeralda. E ela entrou. Sozinha, claro, Hilário estava decidido. Ah! como Esmeralda falava alto! Ah! essas paredes frágeis, esse isolamento acústico que não serve pra nada! Ah! essas portas com uma fresta enorme embaixo... 

A conversa sobre hormônio, menstruação, corrimento, depilação, alergia, a sala inteira ouviu. Mas dava pra perceber que o assunto era pra lá de natural às mulheres presentes. Ao suspender os olhos da revista vez ou outra, Hilário não percebia nenhuma reação das pacientes. Até que o assunto tomou um rumo diferente. Esmeralda começou a falar com a médica de temas que a incomodavam muito. O fato de o marido só fazer sexo calçado com tênis vermelho no pé direito. Esquerdo, descalço. A cueca, azul sempre, ele ajustava na cabeça, um misto de Napoleão com Lampião. Hilário levantou os olhos, apavorado, e pôde sentir ligeira perplexidade na plateia. Ninguém riu. Mas uma mulher tossiu. A outra espirrou. Parece que todas se esforçaram para fazer silêncio, atenção seletiva. Quem falava um pouquinho parou. Ouvidos atentos. Parecia óbvio que esperavam mais alguma coisa daquele colóquio médica-paciente que de privado passava a público. 

Hilário sentiu um frio na espinha e sua reação imediata foi se abaixar um pouco na cadeira, como se isso ajudasse a se passar despercebido. O próximo trecho que se ouviu de Esmeralda foi o hábito do companheiro de emitir som de jumento ao andar de quatro, em volta da cama, com o ridículo tênis vermelho e a cueca azul. Hilário se abaixou um pouco mais. Não quis olhar a reação de ninguém. Mas os sons por ali eram agora de pigarro, suspiro. Houve um ai-ai-ai nítido. Alguém conteve um risinho sarcástico. Parece que houve um uau vindo não se sabe de onde. 

Hilário pensou em se levantar e sair. Antes, porém, uma surpresa pior ainda. Esmeralda finalizou a conversa anunciando dois pedidos. O primeiro, se a médica teria algo a receitar para a libido do marido, que só transava de vinte em vinte dias. Nesse momento Hilário amassou a revista e encarou valentemente a todas da sala de espera, que seguravam o riso cada uma à sua maneira. Ao se levantar, disposto a sair, ouviu-se o segundo pedido de Esmeralda, aquela inconsequente — haveria algo a fazer para uma pessoa que tivesse um, sabe como é... diminuto? Hilário não ouviu direito o que era diminuto, mas ficava bem claro o que era a aparente lacuna na frase. 

Levantou-se de supetão, a sala girou e foi sumindo pouco a pouco, até Hilário se quedar na horizontal, perto do balcão. Não foi nada grave. E o atendimento, evidente, se deu pela ginecologista. Era a única por perto. 

Essa a primeira consulta de Hilário dessa espécie.

Aristides Coelho Neto, 9 jul. 2018

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