TEXTOS DO AUTOR

NOVO ACORDO ORTOGRÁFICO JÁ EM VIGOR

Em entrevista a Vívian Lima, do Diário da Região, de São José do Rio Preto, falamos sobre o Novo Acordo. Falamos também rapidamente da necessidade da revisão textual. Afinal, com velhas ou novas regras — do mesmo jeitinho de sempre —, revisor é figura imprescindível.

Pequena parte desta entrevista, concedida à jornalista Vívian Lima em dezembro de 2008, foi utilizada na matéria "Diário adota nova ortografia", dela e Lucas Lourenço, publicada em 22.12.2008. Ei-la na íntegra. Adaptei-a. Afinal, faz 11 dias que o Novo Acordo Ortográfico vigora.

1. Você disse que é contra as mudanças propostas pelo Acordo. Por quê? Quais os principais problemas que a reforma vai criar para a população de uma forma geral e para o trabalho dos revisores?

R — Manifestei-me contra em artigos publicados em meu site (seção "E por falar em escrever") e no Correio Braziliense, por meio do artigo "A reforma não vingou". Não acreditava que a reforma se consolidasse. Arrastava-se havia dezoito anos. Mas agora o Novo Acordo Ortográfico, também chamado de NAO, não tem volta, a despeito de toda a movimentação de Portugal, vaidoso, ferido nos seus brios. Temos então de assimilá-lo, seja o caso de leitores comuns, seja o de redatores, e principalmente daqueles que trabalham na área de revisão textual. As pessoas costumam fazer um tipo de análise simplista, ao comparar o grau de intervenção do Acordo no português brasileiro e no português de Portugal. Seríamos menos afetados no Brasil, daí a birra de Portugal. No entanto, no que concerne a publicações, não há como não inviabilizá-las inteiras. O movimento na área editorial será intenso. Não restará "obra sobre obra" que não deva ser refeita, mesmo que se fale em correções de pequeno porte. Não há pequeno porte nessa revolução que o Acordo ensejará na área editorial. Imaginem um livro português e um livro brasileiro. Ambos têm 500 páginas e estão prestes a serem reeditados. O português de Portugal sofre maiores intervenções. O português do Brasil, menores intervenções. A reedição do brasileiro custará menos? De forma alguma! Nem pensar!

Não há dúvida que a população se adapta. Mas vai em ritmo próprio. Já os revisores, esses vão se adaptar rapidinho, por injunções do seu trabalho.   

2. Qual ponto do Acordo você acredita que vai ser mais complicado para ser assimilado? Por quê?

R — Com certeza, é a questão do hífen. Ficou mal resolvida. Tanto é que temos notícias de que a ABL (Academia Brasileira de Letras) contratou lexicógrafos para se debruçarem sobre as dúvidas que existem. Eles têm prazo até março de 2009 para equacionar essas questões. Com a reforma em vigor já no começo de 2009, fica claro que haverá um período eivado de probleminhas que não serão tão fáceis de resolver, até que o revisor textual possa seguir com segurança as "ralas especificações do Acordo", como diz Josué Machado, colunista da revista Língua Portuguesa. Ele também acha sem sentido tascar hífen em "bico-de-papagaio", quando nos referimos à planta. E "bico de papagaio", sem hífen, para dizer da anomalia na coluna vertebral. Se a situação do hífen era classificada por alguns de caótica, com regras malucas, fica claro agora que a sistematização que se esperava não foi alcançada com o Novo Acordo.

3. Teremos muita confusão no período de coexistência entre as duas ortografias?

R — Quanto aos revisores, creio que não existe possibilidade de coexistência de dois partidos na revisão de folders, livros, revistas e outras publicações. Padronização em revisão de textos é regra fundamental. Há de se adotar um critério para revisar um texto. A opção pela nova grafia será questão de tempo. É inadiável, porém. Quanto a concursos públicos, não consigo imaginar essa tal de coexistência. Nunca me interessei em me aprofundar no assunto.

4. Qual é a sua opinião sobre o argumento de que as mudanças podem simplificar a língua a partir do momento que excluem algo que não era tão usado, como o trema, por exemplo? 

R — A abolição do trema, se simplificar a nossa língua, será pouquíssimo. Aliás, tenho minha opinião quanto a simplificar a língua, e acho que se fosse para simplificar mesmo, a mudança deveria ser mais profunda. Como foi proposta, é superficial, embora na sua aparente singeleza tenha um poder arrasador.  Quem tem contato com a linguagem dos chats, dos blogs, das conversas virtuais no msn-messenger, vê também nisso uma tendência à simplificação. Só que quanto a essa "simplificação" que se dissemina na web, que está mais para deformação da grafia, eu só digo: "arreda!". E há linguistas (já sem trema...) que ainda dizem que o internetês não prejudica em nada o aprendizado e a assimilação da língua... bem, é direito deles pensar assim.

Mas se você estiver falando em simplificação, aquela pretendida pelos nossos meios diplomáticos, também não acredito. Nos fóruns entre EUA e Inglaterra não há o menor problema com o inglês peculiar de cada país. Não haverá, a meu ver — pode tirar o cavalo da chuva — nenhuma simplificação quanto à unidade entre os países que falam português. Cada país lusófono tem a sua dinâmica lingüística. E língua está mais para rio caudaloso que para represa. É organismo vivo. E é nesse ponto que fica difícil entender o que seja uma unificação. Há coisas que são impossíveis de unificar. Língua é uma delas. E os países lusófonos não seriam exceção. Não pode haver regras padronizadas para nações com histórias diferentes, com muitas línguas regionais remanescentes. É todo um somatório de influências, hábitos, costumes cristalizados, tradições regionais, tão peculiares como desiguais.   Os revisores deveriam estar morrendo de alegria com a reviravolta no mundo editorial que vem por aí por conta da reforma, mas a empolgação, por incrível que pareça, a meu ver não acontece.

Quanto ao trema, acho que ele era um funcionário elegante —  e que trabalhava! Tinha função bem definida, apesar de ter sido despedido indevidamente por alguns veículos de comunicação. E quem o abolia por conta própria o fazia por desconhecimento da língua. Sendo assim, quem o ignorava não sentirá saudade do trema — continuará escrevendo "linguiça" (sem trema) e sem saber nem como se escrevia. Claro que a gente vai sobreviver à sua extinção. Os americanos sabem a diferença de pronúncia do "o" dobrado em "door" e "moon", embora eles não tenham os sinais diacríticos (acentos gráficos, cedilha, trema, til). Bem, dizem que o americano comum sabe pouco de inglês. Pode ser que a grande massa pronuncie certo, mas se enrosque na hora de escrever, não sei... Mas certamente vamos superar a falta do trema, uns com saudade, outros vibrando de alegria. 

5. Você acha que o Acordo fará a população estudar mais a Língua Portuguesa? já que para saber se retira ou mantém acentos terá de saber o que é sílaba tônica, o que significam termos como paroxítona, ditongo?

R — Acho que não haverá influência alguma sobre essa questão de estudar mais. Bom seria, claro, que todos estudássemos mais esse nosso rico português. Geralmente as pessoas, quando querem tirar dúvidas, vão direto ao dicionário (e cada vez mais ao corretor ortográfico do word, que é um tanto displicente), sem se preocupar com regras.

6. Em nossa primeira conversa, você disse que as pessoas andam fantasiando em relação ao Acordo. Explique melhor.

R — Quis dizer que muita gente pensa que o Acordo tem influência na unificação dos falares dos vários países que adotam o português. É ledo engano. Os portugueses continuarão a falar na ingenuidade dos putos, em berbequim para betão ao desbarato, em sair da bicha, tomar uma bica, comprar um par de peúgas...

Mas fantasia das boas mesmo foi a que ouvi de uma pessoa que se disse aliviada: "Até que enfim caiu a crase..." — isso até rendeu um texto meu. Mal sabe ela que a crase está aí, firme e forte, obviamente.

7. Você publicou o livro "Além da Revisão, critérios para a revisão textual" no início do ano passado. Quando pretende fazer as modificações na obra para atender à nova ortografia?

R — Esse livro, publicado pela Editora SENAC-DF em março de 2008, já está na sua segunda edição. Vai depender da editora fixar o prazo para as modificações e o lançamento da nova edição. Trata-se de revisão vultosa, já que vamos atualizar tabelas, listagens de palavras que oferecem dúvidas de grafia e muitos outros detalhes como, por exemplo, as chamadas Memórias de Revisão, que andei criando.  As memórias são históricos/registros das principais decisões tomadas pelo revisor. Em praticamente todas elas comparece a questão do hífen, não há como. Assim, todas deverão ser adaptadas. Sabe-se que basta a retirada ou a inclusão de um acento numa página, pelo revisor, para inviabilizar o fotolito inteiro. Novo fotolito, nova chapa. Acho que eu e meu revisor, o Edelson Nascimento, teremos muito trabalho, já que a obra possui muitas particularidades e, embora não tenhamos essa pretensão, o "Além da Revisão" acaba ditando regras. E que os leitores não se assustem em saber que livro de revisor também precisa de revisor. Pois é, ninguém deve revisar seu próprio trabalho, se almeja qualidade. Deve contratar um revisor. Mas já era assim antes do Novo Acordo Ortográfico, o assunto em pauta. Espero que continue. E cada vez mais.

Aristides Coelho Neto, 11.1.2009

 

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