TEXTOS DO AUTOR

Peripécias de panfletagem

Não vamos dizer que panfletar é viver. Mas panfletar é experiência muito interessante. Isso porque as pessoas são tão diferentes quanto interessantes. E viva as diferenças!

Para distribuir cinco mil panfletos na rodoferroviária de Brasília foram alguns dias de trabalho  naquele dezembro de 2008. No texto, eu relatava o caso de um assalto e seqüestro a ônibus da Real Reunidas do qual eu havia sido vítima. Desabafava quanto ao descaso da empresa de transporte e dava algumas dicas para os passageiros quanto a se precaver na viagem. Coisas básicas, como não deixar todo o dinheiro em um lugar só.

Como é enriquecedor você lidar com gente. E perceber que as diferenças estão aí para entendermos que cada pessoa é um universo, com suas histórias, seus traumas, seus revezes, trajetórias, diferentes formações...

Descobri que o usuário de ônibus é essencialmente da classe baixa ou média baixa. Que os aeroportos cuidam mais da segurança simplesmente porque servem a classes privilegiadas. Que as rodoviárias são apinhadas de pessoas que fazem até suas mudanças por meio dos ônibus, que rodoviárias têm segurança deficiente, que época de festa é festa também para os batedores de carteira, que viagens de ônibus são expostas a assaltos, que você pode viajar armado se quiser já que ninguém vai verificar, que a polícia rodoviária não tem condições, polícias civil e militar também não.

As reações ao panfleto foram sempre muito curiosas, às vezes engraçadas.

Houve gente que me sugeriu encampar a questão da volta do transporte ferroviário. Um motorista me mostrou as cicatrizes dos oito tiros que levou.  E muitas outras vieram me contar de suas experiências, em tudo semelhantes.  Por vezes, no mesmo e fatídico local da rodovia, em Goiás. Foi quando aquilatei meu caso como corriqueiro e com resultados até razoáveis, ufa!, graças a Deus!

Surpreendente o caso do homem que me perguntou quanto custava o folheto. Mais surpreendente ainda quem parecia olhar através de mim, enquanto eu, com dicção total, pronunciava as palavras de ordem — “assalto a ônibus, leia antes de viajar, utilidade pública, tome alguns cuidados, boa viagem”. Outros recusavam o papelzinho verde, como se eu fosse um vendedor impertinente. Ora bolas, querendo vender idéias... de que existem assaltos nas rodovias... Outros, sorridentes, perguntaram jocosamente se o papelzinho ensinava a assaltar.

Senti também em alguns uma raiva danada. Esses, com certeza, eram bandidos. E o folheto atrapalhava seus planos e dos amigos.

Dentre os que leram, descobri um aficionado por ônibus. Que se lhe derem uma passagem de avião, prefere pagar por uma de ônibus.

E descobri que alguns pegavam o folheto porque já me haviam visto na tevê, falando de seguro facultativo. É que a Globo aproveitou meu depoimento e só usou partezinha que mencionava o seguro facultativo. O principal se perdeu, a parte da falência das instituições públicas, incluindo as fiscalizatórias. E por falar em tevê, ofereci à equipe da TV Nacional, hoje TV Brasil, um folheto. E disse que estava logo ali no carro, a vinte metros.  E eles fugiram, declinando da sugestão de pauta.

Imaginem a palavra de ordem “assalto a ônibus”, repetida centenas de vezes. Que impacto nas pessoas que estavam ali de mala e cuia, na horinha de embarcar. Houve quem, com o folheto de utilidade pública ainda na mão, apavorado, me pedisse orientação sobre qual empresa era a melhor, mais segura, mais confortável. 

Até que se acabaram os cinco mil folhetos.  E eu voltei para casa. Antes, passei no supermercado, com a mente voltada ainda para os termos repetitivos. “Assalto a ônibus” ainda ressoava. E a atendente do caixa disse “boa noite”. E eu respondi sem querer, de forma mecânica: “assalto a...”.  E ela gritou. E como gritou. Só tive tempo de segurá-la pelo braço antes que se espatifasse atrás do balcão.

Aristides, 27.12.2008

Comentários (3)

Voltar