TEXTOS DO AUTOR

HI-FE-NI-ZAN-DO OU INFERNIZANDO A VIDA DOS LEITORES

Há regrinhas básicas para a quebra de palavras em final de linha. Mas há quem goste de quebrar regras.

Traço de união era o nome que a minha professora de ginásio dava ao hífen, um sinalzinho em forma de pequeno traço horizontal (-). Esse sinal diacrítico é também chamado de risca de união ou tirete. Hífen (-) é diferente de travessão curto (—) ou grande (—). Há pessoas que não percebem que o hífen é o menor de todos. Cabe dizer que  há quem chame o sinal (—) de meia risca, e não de travessão. Há quem o chame de travessão pequeno. Eu, por exemplo.

O uso do hífen em prefixos é coisa complicada em português. Não há quem não se valha de uma tabelinha auxiliar e prática na hora do aperto. São tantas regrinhas que é impossível decorar. Com a Reforma, que vigora a partir de 2009, caem acentos em algumas palavras, mas o hífen continua a ser uma grande dor de cabeça. Permanecem muitas exceções, e os critérios ficam sem muita clareza (vide Josué Machado, em "Hora de remarcar os dicionários". Revista Língua Portuguesa, set. 2008, p. 28). 

Hifenização ou hifenação pode se dar na situação de "se-pa-rar sí-la-bas", ou para juntar palavras como "público-alvo","castanha-de-caju", "livre-arbítrio", "ex-presidente", "couve-flor", ou marcar ligações, ou formar certos tipos de encadeamentos . Ou ainda para quebrar a palavra que não coube inteira na linha, indo para o começo da próxima. Neste caso é melhor chamarmos de translineação.

Translineação, essa partição de palavras, só acontece em casos de texto blocado (justificado à direita e à esquerda), uma preferência do brasileiro, eu acho. Textos só justificados à esquerda, ou só à direita, não necessitam da translineação. E não havendo a partição de palavras, o trabalho do revisor textual é minimizado.

Um problema muito frequente é o revisor trabalhar um texto deixando-o pronto para ser diagramado, e esse mesmo revisor ser deixado de lado depois da diagramação. É muito comum sumirem trechos na diagramação. Sem levar em conta que erros podem ser acrescentados pelo diagramador, sem considerar ainda que linhas órfãs e viúvas podem surgir — no caso de uma diagramação com texto justificado à esquerda e à direita —, com certeza aparecerão também partições estranhas, que o software não dá conta de resolver. Botar o revisor pra escanteio nessa hora é arriscado, o que muitas mídias, impressas ou não, têm feito. 

A translineação é feita de conformidade com as mesmas regras da divisão silábica. Se for possível, devem-se evitar partições que resultem em ambiguidades, como: de-putada, fede-ração, acu-mula, após-tolo, cú-bico.

Algum cuidado também deve ser tomado com vogal isolada em começo ou fim de linha: mei-o, a-pêndice, a-conteceu.

Sabe-se que não se quebram ditongos em final de linha. Já no caso de hiatos, costumo evitar partição como em sane-amento, embora aceita por muitosPenso que sanea-mento é partição mais elegante e pode ser obtida pelo diagramador não manualmente, mas com o recurso de compressão de caracteres. Da mesma forma arque-ólogo, atra-ente, atu-ação, confi-ável, inici-ação. Já a hifenização manual tem o inconveniente de, em casos de inserção de palavras ou de novos trechos, fazer com que palavras hifenizadas manualmente surjam de forma indesejável no meio da linha. É o caso de "a- quilo", com um hífen e um espaço alienígenas. 

Para evitar esse tipo de situação, há programas que oferecem um recurso chamado hífen discricionário ou condicional. Trata-se de um hífen especial que é acrescentado no texto — permite ao programa tomar a decisão de incluir um hífen, quando necessário, numa determinada posição. Quando não necessário — momento em que a palavra em tela não estiver ao final da linha —, o hífen simplesmente não aparece.

Mesmo sendo possível a quebra de palavras na parte das consoantes e vogais duplas ("r" e "s" em português: cor-roborar, pres-surizar), se o texto for pequeno prefiro não fazê-lo (corro-borar, pressu-rizar). No caso de vogais duplas (ca-a-tin-ga, re-es-tru-tu-rar, per-do-o), também não considero elegante separar as vogais. Há sempre alternativas à disposição. 

Há casos ainda em que quebras devem ser evitadas. Por exemplo, quando a separação silábica pode dar outro sentido à frase ou, ainda, quando a palavra não admite separação de sílabas (nomes próprios, siglas, nomes de empresas). 

Tais informações podem até ter sido úteis a você. Mas quem sabe você tenha sido convidado para trabalhar em revista cheia de inovações — o trema sendo abolido há muito tempo, por exemplo. Uma revista em que surgem novidades no terreno da translineação. Você, uma vez contratado, imagino, não precisará desses conceitos todos — pode engavetá-los ou jogá-los fora. Já deparei com translineações estapafúrdias. E imaginei que o revisor tinha sido deixado de lado (mais uma vez, coisa comum). Isso porque eu havia visto também numa mesma página aspas duplas dentro de aspas duplas — "Pode me emprestar, mas é com dois "v": vai e volta!" Com Edelson Nagues, também revisor, ao aventarmos a hipótese de uma nova tendência no caso da translineação moderninha, ele ponderou: "Não acredito ser uma tendência, mas uma tentativa de forçar uma tendência, se não um modismo. Só o tempo dirá..." E uma conclusão surge, bastante óbvia — é a máquina se sobrepujando ao homem. E ela, no caso, quebra a palavra onde bem entender. Mas é descerebrada.

Para se ter uma ideia, estamos falando de coisas assim: ex-emplo, leg-islativo, min-istra, not-iciário, cidadez-inhas, brasil-eiros, im-óveis, ent-regue, Car-olina, sof-reu, real-izado, demon-strado, per-iferias, compan-hia

Modernidades, modernidades... Será que estou ficando velho? Ou o pessoal que está chegando quer deixar a sua marca a qualquer custo? E nem perguntam se isso é de extremo "mal-gosto" (argh!), como se vê escrito em revista semanal. Bem, a meu ver, bote mau gosto nisso...

Aristides Coelho Neto, 18 set. 2008

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