MÚSICA ESPÍRITA E INEDITISMO

O que você prefere? Música boa ou música inédita com rótulo espírita?

Eu não conhecia nenhuma das músicas que a banda de rock estava tocando. Também gosto de rock de qualidade. Curioso, perguntei a um dos integrantes de quem eram as músicas. "São nossas", respondeu. "São todas inéditas, nossas mesmo." As músicas eram algumas ruins, algumas sofríveis. Mas inéditas. Pensei comigo: por que muitos preferem a novíssima sofrível à velha e boa música?

Existe uma tendência semelhante no meio musical espírita. Música é universal. Por assim entendê-la, sou um tanto refratário à rotulagem "música espírita". Mesmo porque em quase 160 anos de Espiritismo a chamada música espírita só agora começa a decolar. Se apenas engatinhou há até bem pouco tempo, isso se deve muito provavelmente à resistência dos ortodoxos. Havia receio de o Centro parecer Igreja.

Existem músicas ditas espíritas de ótima qualidade, mediúnicas, ou feitas por irmãos espíritas daqui do plano material mesmo. A grande maioria, porém, é sofrível. Interessante o fato de ao se comentar a singeleza melódica de uma música, embasada em apenas dois ou três acordes, ouvir-se a justificativa dos adeptos do ineditismo: — É música mediúnica! Como se o fato de ser mediúnica baste para conferir qualidade à composição. Não nos esqueçamos de que o espírito que nos passa a música pode ser um daqueles rapazes roqueiros do início do texto — já no além — ainda cru em matéria de música, mas ávido de fazer algo inédito. Abrindo um parêntese, talvez até eu esteja querendo ser inédito, e alguém já pode ter tratado deste assunto.

Em contrapartida temos peças maravilhosas como as de Bach, Chopin, Beethoven, Vivaldi, Liszt, Rossini e de tantos outros — até ligados à música popular —, que podem muito bem ter sido concebidas pelas vias da mediunidade. Alguém duvida que os grandes compositores clássicos, que em grande parte receberam guarida nas igrejas Católica e Evangélica, não foram instrumentos do Alto em suas incomparáveis composições? Os Céus sempre falaram à Terra, muito antes da Doutrina Espírita. Médiuns sempre existiram, mesmo antes da Codificação Kardequiana, nem é preciso lembrar. Por que fazer tanta questão de que as músicas tenham a rotulagem de espíritas?

Nessa linha, onde o limite entre a inspiração e a transmissão através da mediunidade ostensiva? A linha divisória é tênue. Acham vocês que podemos prescindir dos autores citados e de outros em favor da música espírita? Neste ponto estou me referindo diretamente aos momentos de harmonização musical dentro de algumas casas espíritas, cujos dirigentes fazem questão sejam somente com músicas espíritas. Da mesma forma, existem corais que se orgulham de possuir um repertório composto essencialmente de canções desse gênero. Ao abraçar raciocínio restritivo e equivocado, acaba-se por banir de uma só vassourada discriminatória verdadeiros clássicos da música religiosa, ou espiritual, como queiram.

Nesse suceder de equívocos, temos ainda os autores que acham que música espírita é somente aquela que exalte a Doutrina. Ledo engano. É raro ver na Igreja Católica e na Evangélica letras que exaltem o Catolicismo ou o Protestantismo. Sabemos que exaltam a Jesus e a Deus. Não é obrigação do espírita escrever e cantar somente músicas que elevem a bandeira do Espiritismo. Pois a bandeira do Espiritismo não é a mesma do Cristo? Os irmãos de Doutrina que pensam dessa forma sectarista podem estar, quem sabe, alimentando a expectativa de que mensagens que exaltam o Espiritismo atraiam novos adeptos. Ora, há de se perceber que músicas com letras muito dirigidas só podem ser cantadas em instituições espíritas! É isso que se quer? Não é mais indicado optar pela universalidade? Falando de Deus, de Jesus, da necessidade do alimento espiritual, das belezas da natureza e do universo, poderemos cantar fora das instituições espíritas, harmonizar os recintos e levar alegria a outros ambientes também!

Essa música, então, teria outro nome. Pura e simplesmente: música cristã. Só que essa já foi inventada! Todos sabem que não há diferença entre ser espírita e ser cristão. 

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Desde tempos imemoriais, a música faz prodígios quando se presta a harmonizar, a ajudar a abrir os corações para que penetre a luz divina. Mil palavras, muitas vezes, não surtem efeito. Mas basta uma frase musical para que toda uma estrutura impermeabilizada pela prepotência, rancor, pelo orgulho e vaidade desabe.

Até Maria, a Divinal Senhora, de acordo com as consultas de Humberto de Campos aos arquivos da Espiritualidade Maior (vide Boa Nova) usou da música no momento de apascentar corações destroçados pela dor. Conta o autor que Maria acabara de se libertar dos laços carnais. Estava prestes então a matar a imensa saudade que sentia de Jesus. No momento da passagem para o mundo espiritual "multidões angélicas a cercavam, cantando hinos de glorificação". E Maria desejou, antes de partir, rever os locais que marcaram a sua existência. Lembrou-se dos discípulos perseguidos e quis também abraçar os que ficaram no vale do sofrimento, à espera das claridades definitivas do Reino de Deus. E assim foi, espalhando consolo e bondade por onde passou. Lembrava que seu filho, tão especial, deixara a força da oração como a arma mais poderosa entre os discípulos amados. Rogou aos céus que lhe desse a possibilidade de deixar entre os cristãos oprimidos a força da alegria. Foi quando, adentrando uma prisão, aproximou-se de uma jovem que padecia desarvorada e disse:

— Canta, minha filha! Tenhamos bom ânimo!... Convertamos as nossas dores da Terra em alegrias para o Céu!

Tomada de inexplicável emotividade, ignorando a razão de sua alegria, a jovem mulher cantou um hino de profundo e enternecido amor a Jesus. Suas amarguras, naquele instante, se transformaram em júbilo e esperança, e seu canto melodioso foi acompanhado pelas centenas de vozes dos que choravam no cárcere. Recomenda Humberto de Campos que, quando ouvirmos o cântico nos templos das diversas famílias religiosas do Cristianismo, não nos esqueçamos de fazer no coração um brando silêncio, para que a Rosa Mística de Nazaré espalhe aí o seu perfume!

Se nos for dado ajudar a alguém através da música, não nos inclinemos somente para a música espírita. A caridade por meio da música não se compartimenta em limites tão acanhados.

Aristides Coelho Neto, 17 maio 2010

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