LEVISTON, AINDA TEMOS TEMPO

No Sanatório Espírita, o mote principal era a música, que nos abria caminhos para a conversa fraterna e evangelizadora com os pacientes. A mediunidade de Leviston, nessa época, aflorava como uma erupção vulcânica.

Em 17 de maio último, falei com Leviston por telefone, na data de seu aniversário. Foi quando eu soube que lhe chegara havia pouco tempo um problema sério de saúde, deixando perplexos os que o rodeavam. Em 3 de agosto, em reunião espírita do grupo de Arnaldo Rocha, na UEM, em Belo Horizonte, eu escrevia o nome de Leviston Batista de Carvalho no papelzinho sobre a mesa. Ele já estava na condição de desencarnado desde o dia 18 de julho. Foi tudo muito rápido... pouco mais de dois meses... Naquele momento eu pedia que os prepostos do Pai Criador auxiliassem o amigo querido na transição por que passava. Que fosse acolhido na Vida Maior como todo aquele que granjeia amizades e angaria méritos na caminhada.  Eu estava convicto naquele instante de que, por estar naquele ambiente, Leviston registraria a minha prece...

Leviston, no churrasco de Júlio Lobato, em 9.1.2010

Conheci Leviston no final dos anos 70. A música ajudou muito para que nossos laços, além dos profissionais, se tornassem vínculos fortes de amizade. Levávamos muita coisa na brincadeira à época. Mas também conversávamos muito sobre assuntos além da matéria. E nos aproximamos. Até que um dia nos afastamos por injunções não muito claras.

Voltamos a nos encontrar, agora defrontados pela enfermidade grave que se abatera sobre o querido amigo, cuja sombra envolvia a família de forma avassaladora. É comum enxergarmos enfermidade como sombra e não como bênção e oportunidade.

Diante das dificuldades, ultimamente, a todo momento,  Leviston revelava como que uma ânsia de recuperar um suposto tempo perdido, desculpando-se de coisas que nem sei, e que se ele sabia não verbalizara. Nesse caudal de sentimentos inexplicáveis, também me aflorou subliminarmente a sensação de atos que deixei de praticar e de ações que podia ter levado a efeito...  Coisas assim... As adversidades têm o condão de mexer com o inconsciente.

Leviston nos últimos momentos manifestava a vontade de "consertar calçadas quebradas" por onde passamos. Não consegui detalhar e esmiuçar essa alegoria. Mas percebi que a expressão dá margem a muitas e abrangentes interpretações.

Enfermo, debilitado, mas ávido de equilibrar-se, na luta pela vida, ele recorria agora à Doutrina Espírita, nas benesses do passe e do tratamento espiritual. Era como que um retorno à casa que o havia abrigado tempos atrás. Antevia, muito provável, que lhe restava pouco tempo nesta existência efêmera.

Leviston transitou comigo pela Doutrina Espírita até o dia em que abraçou o Catolicismo, num gesto amoroso de solidariedade para com Rosa, sua esposa.

No comecinho da década de 1980, eu e Leviston desenvolvíamos uma tarefa aos sábados perante os pacientes do Sanatório Espírita de Brasília. O mote principal era a música, que nos abria caminhos para a conversa fraterna e evangelizadora com os pacientes internos. Música, bendita música, ela sempre rompe barreiras. A mediunidade de Leviston, nessa época, era flagrante. Audiência, vidência... o que ensejou certa vez o comentário de Arnaldo Rocha (marido de Meimei, colaborador e amigo pessoal de Chico Xavier): "Ainda quero fazer um trabalho muito sério com esse rapaz". Referia-se a participar pessoalmente da educação da mediunidade de Leviston. A faculdade da mediunidade, como sabem, é inerente a todos nós, em graus variados. No caso de Leviston, ela chegava como um vulcão.

Arnaldo era, à época, dirigente de nosso grupo de estudos e de grupo mediúnico, em Brasília. Usamos o dileto Arnaldo  Rocha até no ato de cumprimentar Chico Xavier, em Uberaba, numa madrugada de setembro de 1983. Dissemos ao Chico, eu e Leviston: "Chico, somos do grupo do Arnaldo. Só viemos para apertar a sua mão e falar da nossa admiração por você". Realmente não pedíamos nada, nenhum contato com o Mais Além. Só queríamos estar lá. A viagem a Uberaba rendeu muitas reflexões sobre as provas concretas da continuidade da vida, da imortalidade do espírito. Voltamos absortos em pensamentos. Com vontade de mudar.

O que teria desmotivado Leviston dentro da Doutrina Espírita? Será que se afastou por melindre? Teria sido a minha intransigência e a minha intolerância? que aliás sempre marcaram indelével e lamentavelmente a minha personalidade?

É muito comum a gente condenar uma crença, uma doutrina, em função de um comportamento infeliz dos seus profitentes ou adeptos. Por isso que devemos ter em mente que estamos sendo analisados diuturnamente pelos que nos rodeiam. Deslizes, contradições de uma pessoa, ao se tomar a parte pelo todo, podem comprometer toda a pureza de uma doutrina.  

O que importa é que Leviston foi aportar em outras paragens, sabe-se lá por quê.

Frequentemente tenho declinado para mim e para outrem  o que o Dalai Lama disse a Leonardo Boff: "a melhor religião é aquela que nos faz melhores".  Quão sábia é essa frase! Da teoria à prática, porém, há uma distância enorme. No fundo, acho que nunca me conformei de Leviston debandar das fileiras espíritas em direção ao Catolicismo. Confesso isso de sã consciência...

Comungo das ponderações de Emmanuel, no seu livro A Religião dos Espíritos. A Doutrina Espírita, na sua racionalidade, tem diferenças substanciais em relação às outras, que, por sua vez, não oferecem respostas, pregam a fé cega e tudo explicam por meio de "mistérios que devem ser respeitados".  "[...]só a Doutrina Espírita é suscetível de descerrar a continuidade da vida, além do sepulcro [...]" Acrescento eu: principalmente quando a pessoa pressente que é chegada a hora de se despedir, de volta à verdadeira pátria. Sei, além disso, que preciso trabalhar minha injustificada intolerância. Tanto o Dalai Lama como Emmanuel estão absolutamente certos. As assertivas se completam.

Vale a pena ponderar, porém — o desconhecimento da Doutrina Espírita pode levar os entes queridos de Leviston, que aqui ficaram, movidos pela dor da separação, a imaginar, de forma imediatista, que basta querer para se obter uma comunicação do esposo-pai-avô, uma cartinha psicografada, como se o telefone funcionasse daqui pra lá. Os pensamentos da família Carvalho,  povoados de dúvidas, podem atrapalhar Leviston na transição que se opera neste instante.  É nessa hora que se percebe quanto o conhecimento espírita é consolador. São momentos (e testes) de saudade intensa, que pode chegar às raias do desespero, em função da separação abrupta.

Leviston, além do apurado humor, além de ser um homem de bem, era sagaz, inteligente, raciocínio rápido. Por isso confio que logo perceba que não adianta lamentar o que deixou de fazer. É para o amanhã que devemos nos voltar sempre. Todos podemos crescer em qualquer religião, se a abraçarmos com sinceridade. Milito na Doutrina já faz um tempo, embora sem vivenciá-la como deveria. É líquido e certo que terei uma caminhada longa a empreender. Leviston militava nos últimos tempos no Catolicismo, igualmente uma oportunidade real de crescimento para os que abarcam com sinceridade a causa do Cristo.

O que fiz eu dos ensinamentos cristãos? Espírita, possivelmente serei cobrado muito mais no tribunal da consciência, pois muito será exigido de quem muito recebeu. Leviston, muito provavelmente, tenha crescido espiritualmente muito mais que eu na fé que abraçou. Contestador, perspicaz, Leviston não raras vezes mostrou compreensão, mansuetude, carinho, amizade. Essas qualidades que ostentou, plantando da forma correta, vão se refletir inexoravelmente na hora da colheita.     

Olhos no futuro é a recomendação para nós todos, Leviston. Deus é Pai. Sua infinita misericórdia sempre nos faz lembrar que temos a eternidade pela frente para nos aprumarmos. Vacilos, meus e seus, são parte da nossa natureza, próprios de nós todos, porque somos espíritos em ascensão, tão falíveis quanto imperfeitos. E eu sei que você sabe disso, meu amigo Leviston.

Que receba neste instante as minhas (e de tantos amigos que consquistou) vibrações fraternas, sublimadas em bênçãos de paz e equilíbrio, porque a vida é trabalho, e logo você estará envolvido em missões importantes. Eu conheço o seu potencial.

Aristides Coelho Neto, 17.8.2011

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NOTA — Leviston, quando estiver recomposto da grande viagem, daqui uns tempos, você vai saber da missa encomendada em sua homenagem, na igreja Sagrado Coração de Jesus, na 615 Sul, hoje, 18.8.2011. Deve ter sentido as vibrações em seu favor. As falas do padre e de outras pessoas foram irretocáveis. Rosa cantou muito bem, embora emocionada. Alessandro tocou baixo, uma herança excelente do pai. Vi de relance a reforma da igreja da qual você foi peça-chave. O ambiente estava iluminado. Só não entrei na fila da hóstia, você sabe por quê... Valeu...

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