QUERIDA AMÁLIA SOLER, O “PERDOO-TE” ESTÁ DE VOLTA

O livro Perdoo-te volta a ser editado, com relançamento previsto para maio de 2011. Este é um relato da história da sua edição nos últimos 19 anos. Chamemo-lo de epopeia.

Tínhamos um sonho em Brasília de abrir uma livraria espírita. O sonho se concretizou em 21.4.1991. No entanto, concorrendo com muitas outras livrarias que funcionam nos centros espíritas, sucumbimos em 5.2.1994, após quase três anos de funcionamento. Não porém, sem realizar muitas atividades gratificantes no recinto da livraria, que variaram de workshops espíritas, cursos para jovens, reuniões de grupos de estudos e de trabalhos manuais, afora o contato profícuo com o cliente espírita e o espiritualista. As outras livrarias espíritas, dentro dos centros espíritas, trabalham com voluntários. E podem se dar ao luxo de não ter lucro. Mas já no comércio, a lei é outra. Aluguel, funcionários, encargos. Ou se sustenta ou fecha.

Muitos clientes procuravam, à época em que estivemos a pleno vapor, um tal de Perdoo-te, romance mediúnico de Amália Domingo Soler. O cliente mais persistente na busca do Perdoo-te ou de sua reedição era Arthur Maia, que gostaria de presentear sua mãe com um exemplar. Ela falava constantemente desse romance que havia marcado sua juventude. Sabíamos que o livro não era mais editado. Anotávamos os nomes dos interessados em uma "lista de espera".

Perdoo-te - memórias de um espírito - Editora SouzaUm dia, porém, o livro, editado em dois volumes, nos chegou às mãos por meio de Lucas Veras — uma doação de seus pais, Magno Veras e Maria do Carmo, então falecidos. Seria um sinal para o editarmos?

Consideramos que sim. E começou a epopeia da reedição do Perdoo-te, incumbência que dei a mim próprio. Os originais que balizaram nosso trabalho durante cinco anos de envolvimento em digitação, nova tradução, a questão do domínio público, o registro da tradução da obra e outras peripécias à cata de editores, foram aqueles exemplares que recebemos de presente. E que seguiram para a mãe de Arthur Maia, depois que a primeira edição do tão falado romance mediúnico espanhol surgiu finalmente em maio de 1997, pela LGE, de propriedade de Antônio Carlos Navarro. Tal balizamento recebeu o reforço de uma edição argentina que nos chegou às mãos em abril de 1993, por meio de Carlos Campetti, que então morava em Madri. Havíamos feito contato com ele por carta de 27.11.1992. Carlos, ao mesmo tempo em que atendia solicitação nossa de um exemplar em espanhol, nos alertava fraternamente em carta de 4.2.1993 (gentilmente condenava, por assim dizer) quanto a menção no livro a uma encarnação anterior de Jesus no planeta. Seu irmão, Geraldo Campetti Sobrinho, já me falara de "lançar palha à fogueira" em assuntos controversos que a obra continha. Mesmo assim, quando o livro foi lançado, a ficha catalográfica foi gentilmente elaborada pelo querido amigo Geraldo.

Escrevi a Carlos Campetti em 14.4.1993 com cuidado redobrado para não ferir susceptibilidades. Disse de suas observações ponderadas e oportunas. Disse ainda que é comum as pessoas relatarem que viram Jesus, que estiveram com Ele etc., quando sabemos que o mais provável é que estiveram próximos a alguma entidade angélica, um ser superior, um emissário d'Ele. Limitações humanas na decodificação da mensagem... O mesmo poderia dar-se, em outra escala, na concepção do espírito que ditou o Te Perdono, quando se refere a "encarnação" anterior do Cristo. Ponderei que o livro é de leitura difícil, pouco atrativo na forma. Considerei que estava tendo muita dificuldade na sua copidescagem (eu assim chamava o meu trabalho de tradução e adaptação). Considerava porém que o texto tinha a mensagem do Cristo a todo momento, da maneira que o espírito pôde fazê-lo. Falei do respeito com que acolhemos o conteúdo da sua carta (de Campetti), que refletíamos sobre tudo, cientes da nossa responsabilidade. Agradecia mais uma vez a atenção e gentileza, sabedor de que lhe havia tomado o considerável e precioso tempo.

Nessa época estávamos procedendo à empreitada de imprimir novo formato à linguagem utilizada na tradução constante do exemplar que possuíamos. Ela não era atual. De posse da edição que chegara da Espanha, embora sendo argentina, deixávamos de lado o trabalho que já estava pela metade, pois julgamos que o melhor seria uma nova tradução. E assim foi feito. Começamos novamente.

Lauro Carvalho era então meu companheiro na reedição do Perdoo-te. O alerta dos Campetti não nos demoveu de nossas intenções. Após reunião que fizemos, eu e Lauro, em 8.4.1993, batemos o martelo — o livro seria editado, a despeito de eventuais críticas. Lauro Freitas Carvalho e sua esposa, Amélia, para quem não sabe, foram os fundadores do Sanatório Espírita de Brasília, e o conduziram por 26 anos. Meu contato com Lauro resultava de uma atividade que eu comandava todo sábado perante os pacientes internos. Eu tocava violão e cantava com eles. Começava com música popular, depois passava para músicas mais espiritualizadas. Em seguida fazia uma leitura, para comentar logo após. Fechávamos com a prece. Como os pacientes internados não tinham a chave, ouviam meu recado com muita paciência até...

Outro crítico do livro é meu amigo Arnaldo Rocha (foi marido de Meimei), hoje em Belo Horizonte, nos seus quase 89 anos. Arnaldo sempre disse sem rodeios que o melhor lugar para o Perdoo-te, sem dúvida, era a cesta... de lixo.

Je te pardonne! em francês, editado pelo CEI e FEBÉ patente que a FEB não editaria o Perdoo-te, tendo em vista menção a encarnação anterior do Cristo na Terra. Mas pasmem, o Conselho Internacional Espírita (CEI) o editou em 2008, em francês. A tradução do espanhol para o francês de Je te pardonne! esteve a cargo de Roger Perez, presidente do Centro Tereza de Ávila, de Lyon. Bem, o CEI é a própria FEB.

Voltemos às nossas andanças a partir do momento que assumi a tarefa de fazer o Perdoo-te voltar às prateleiras. Tudo começou em 18.5.1992. Iniciamos pesquisa sobre a edição que tínhamos em nossas mãos. Constatamos que a Editora Souza já não existia mais. Escrevemos para Zêus Wantuil, dizendo da nossa intenção de reeditar o livro. Indagávamos sobre o assunto domínio público, sobre a posição da FEB, sobre direitos autorais. Wantuil, gentilmente, em 25.5.1993, nos passou dados sobre a primeira edição espanhola de 1901, sobre uma edição brasileira de 1943 (Ed. Aurora e Zélio Valverde), sobre a data da morte de Amália em 1909, sobre o fato de suas obras já haverem caído em domínio público, sobre possíveis questões quanto à tradução, que poderia ter direitos reservados a alguma editora — posteriormente, em 9.8.1992, obtivemos Certidão da Fundação Biblioteca Nacional de que não estava consignado registro algum sobre o título Perdoo-te nos arquivos daquela Biblioteca. Wantuil, nessa carta, não entrou em questões relacionadas ao conteúdo doutrinário da obra.

Em 31.8.1992 voltávamos a escrever para Wantuil. Falávamos sobre nossas andanças para saber mais sobre direito autoral, sobre os problemas que detectamos na área de registro de obras intelectuais no Brasil. Dizíamos que estávamos procurando uma edição espanhola, perguntávamos sobre o tradutor que constava na edição citada por ele, se a FEB tinha em seu acervo de obras raras a obra original do Perdoo-te, sobre dados biográficos de Amália. Quem nos respondeu foi Juvanir Borges de Souza, presidente da FEB, em 9.9.1992. Depreendemos, por sua carta, que estávamos perguntando demais. Talvez estivéssemos mesmo... Sobre o conteúdo doutrinário do Perdoo-te, fica patente que não conseguimos nenhuma manifestação da FEB. Apenas de colaboradores da FEB que falaram por si e não pela instituição.

Os trabalhos de digitação, conferência, correções, envolvendo sumiços de arquivos, estendeu-se por muito tempo. A equipe era heterogênea. E todas as revisões se limitavam mais a manter fidelidade aos originais do que revisão textual propriamente dita. Em 19.6.1994 eu dava o trabalho como pronto. Observava ao Lauro que se eu desencarnasse naquela data, haveria condições de imprimi-lo. Enquanto isso eu ia re-revisando do cap. 27 ao 46. Terminei "pra valer" em 21.9.1994. Mas nunca foi pra valer. O original em espanhol influenciara todo o projeto. Os contatos para a capa paralelamente estavam sendo feitos com Rosane Pomnitz e Conceição Girade Pavarino.

A partir de fevereiro de 1996, iniciamos contatos com várias editoras do país. A Universalista, por meio de Carlos Pimenta, nos procurou em abril. Mencionava o interesse da médium Marilusa Vasconcelos de editar o livro. Liguei para ela.  Marilusa manifestou que gostaria de manter um contato mediúnico com Amália Soler. Posteriormente, apesar de uma contraproposta de Carlos, a edição não vingou. Em 25.9.1996, a LGE aceitava editar o livro, mas queria garantias quanto à distribuição. A capa, a esta altura, era baseada em ilustração de Sônia Carolina. Mas entendimentos com Lauro, por meio da LEDE, sobre participações em percentuais emperraram o processo. Em 19.9.1996, resolvi não mais adiar o trabalho, quando Lauro desistiu do empreendimento por dificuldades financeiras. Foram então emitidas oito cartas de sondagem para distribuidoras diversas. O livro seria lançado antes do Natal. Meu acompanhamento passa a ser de marcação "homem a homem" na diagramação, na capa, nas conferências, nos cotejamentos, nos textos de orelha e quarta capa. Mas em março de 1997, registro um lamento em minhas anotações: "O trabalho tem 698 páginas (agora é definitivo). Revisei a metade, até a página 346 (cap. 56). Não tenho mais paciência com este livro. Quanto esforço nesses quase cinco anos! Pelo que já investi de trabalho, realmente, ninguém mais tem direito a ele, a não ser eu. E ele é tão cansativo!... Merecia uma copidescagem que o reduzisse a um terço do seu tamanho hoje. Não se perderia nada e ficaria mais atrativo. Ah! Amália, ele tem problemas demais...". Até que em 6.5.1997 o livro começava a ser distribuído.

Perdoo-te - edição LGE de 1997 a 2006A primeira edição contava com agradecimentos a Magno Veras, Lucas e Glorinha Veras, Carlos e Geraldo Campetti, Elise Leine, Telma Tavares R. Sousa, Lauro Carvalho, Conceição Girade Pavarino, Sônia Carolina, Antônio Danilo M. Barbosa, Antônio Carlos Navarro e Samuel Tabosa. Em edições posteriores foram incluídos os nomes de Natércia Paiva e Jarbas Júnior. Mas até minha mãe, Mariangela, participou de conferências na preparação de originais. Chamamos nosso trabalho de adaptação, a despeito de tratar-se de uma tradução, que promoveu porém alguns cortes, exclusivamente em partes em que Amália e Eudaldo Pagés foram ingenuamente repetitivos. A fidelidade aos originais foi rigorosamente mantida. Dificuldades encontradas de comunicação, julgamos, foram sanadas. Nomes foram dados aos capítulos para evitar o caráter maçante de capítulos sem nome, identificados apenas por algarismos romanos.

Com a LGE, durante as dez edições de 1997 a 2006, foram muitos percalços. Mas foi essa editora quem propiciou a materialização do Perdoo-te. Graças a ela, embora o texto se ressentisse de maiores definições quanto a localizações geográficas, nomes de personagens, o livro fez muito bem às pessoas. E isso foi sempre manifestado pelos leitores. Muitos deles descobriram ensinamentos explícitos ou nas entrelinhas que eu mesmo já não via, pois me cansara da obra.

A quinta edição contou com uma colaboradora ímpar, Natércia Ribeiro Paiva, que mesmo sem que eu demandasse, promoveu, em 18.1.1998, uma revisão do livro. Foram tantas as modificações, que tive de arcar com as despesas de gravação de novas chapas. O Perdoo-te não passara por revisão textual até então.

Resta dizer que enviamos em dezembro de 1997 um livro com dedicatória ao Chico Xavier. Já Divaldo Franco, assim se manifestou em 10.7.1997:

"Salvador, 10 de julho de 1997. Caro amigo Aristides. Jesus nos abençoe! Tenho sua carta e o Perdoo-te, que muito lhe agradeço. Quando jovem, após ler Memórias do Padre Germano, tive ocasião de ler o Perdoo-te. Na época, o meu critério de julgamento era destituído de maior conhecimento da Doutrina Espírita, não podendo hoje atinar com uma opinião correta a respeito do mesmo, já que o fiz há mais de 40 anos. Não acredito que a FEB se pronuncie a respeito da reedição da obra, porque isso não é habitual nos companheiros que ali mourejam. Eles respeitam as atitudes do próximo e mantêm-se discretos em torno de assuntos dessa ordem, bem como de outros. A opinião das pessoas tem o valor que lhes atribuímos. Assim, você seguiu a sua consciência e é o que vale, porquanto está procurando auxiliar a iluminação de vidas que se encontram em torvelinho. Parece-me muito nobre a sua atitude de dar crédito no livro ao médium psicofônico que o recebeu; já era tempo. Agradeço-lhe a gentileza da correspondência e formulo votos de muito êxito no seu propósito. Fraternalmente, servidor, que o abraça, Divaldo Franco."

Divaldo, quando falava do crédito, referia-se ao fato de Amália Soler sempre ter constado como médium da obra. E o médium, na verdade, tinha sido Eudaldo Pagés. Ele falava e Amália escrevia. É óbvio que ela deve ter exercido um papel preponderante de copidesque, na preparação dos originais para publicação. Mas na edição que consegui materializar, o crédito a Eudaldo estava lá, na capa, como médium psicofônico da obra.

Mencionei a intenção de Marilusa, em abril de 1996, de consultar Amália Soler. Isso também me passou pela cabeça bem mais tarde, catorze anos depois. A partir do primeiro semestre de 2006, rescindido o contrato com a LGE, fizemos injunções perante Inede, Boa Nova, Candeia, Otimismo, para a reedição do Perdoo-te. Detalhes irrisórios impediram a concretização da empreitada. O Inede, por exemplo, mencionou a alternativa de enxugamento do livro. A tarefa caberia a mim. Imaginem resumir um clássico da literatura espírita. Obviamente declinei dessa árdua missão. E comecei a ficar em dúvida se Amália Soler ainda queria o Perdoo-te à disposição do público leitor.

Isso me levou, pouco antes do 3º Congresso Espírita Brasileiro (100 Anos de Chico Xavier), à FEB. Conversei com João Rabelo sobre duas questões: (1) o fato de a FEB ter editado o Perdoo-te em francês, um livro que não editaria em português; (2) minha vontade de ouvir de Amália Domingo Soler algo sobre a reedição da obra. Se Amália daria seu aval ou estaria eu insistindo num projeto que não era mais de interesse da Espiritualidade Maior. Esta segunda questão, mais que um desafogo meu, era um apelo realmente.

Tela de Sonia Carolina - ensaio da capaJoão Rabelo, ocupadíssimo com a organização do Congresso, e sempre cordato, sobre a primeira questão me colocaria em contato pessoal com Nestor Mazzoti em momento propício. Quanto à segunda questão, observou que Amália de vez em quando se comunicava em grupo mediúnico da FEB. Aquilo soou como um canal que se me abria. Eu entendia que naquele momento Amália me ouvia, diretamente ou por meio de Rabelo.

Mas ela não chegou a falar comigo de forma direta. Negociações com a Lachâtre, hoje sediada em Bragança Paulista, fluíram por meio de Alexandre Machado Rocha. E assinamos o contrato em 14.12.2010. Acho que valeu esperar. Imagino que Alexandre seja o sinal de Amália — editor que conhece profundamente a doutrina espírita, que lê muito, criterioso como eu. E gosta do que faz.

Em 16.12.2010, encontrei Rabelo no Centro Espírita Cícero Pereira, na Asa Norte em Brasília. Ele dera palestra excelente, que teve por tema o nascimento de Jesus. Relembramos nossa conversa do começo de abril. Falei da Lachâtre, da lavratura do contrato, do muito provável lançamento do Perdoo-te em maio de 2011. E, indiretamente, em pensamento, mandei um recado para Amália: "Querida Amália Domingo Soler, o Perdoo-te está de volta".

Aristides Coelho Neto, 28.12.2010

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Mais sobre o Perdoo-te: "Sempre é tempo de corrigir", texto de abril de 1997, em http://www.revisor10.com.br/sys/conteudo/visualiza_lo22.php?pag=;revisor10A;paginas;visualiza_lo22&cod=354&secao=18

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