FALANDO DE DOUTRINA ESPÍRITA E MORAL CRISTÃ

SEMPRE É TEMPO DE CORRIGIR

Tudo que escrevemos — ou falamos — deve passar pelo crivo da maturação e da responsabilidade.

Tivemos contato recentemente com dois casos muito interessantes de  personalidades que atuaram na Terra como religiosos.  São elas Monsenhor Hugh Benson e Madre Teresa de Ávila. Viveram em épocas e locais bem diferentes.  Manifestaram-se através de médiuns distintos. Ao nos darem notícias do mundo espiritual, por meio da mediunidade de outrem, são patentes os enfoques e as necessidades diferenciadas de cada um, embora com algo em comum.  Vejamos.

Santa Teresa de Ávila

Benson relata — a exemplo de André Luiz — a vida  no mundo espiritual, o problema da semeadura e da colheita,  tentando remover da mente dos homens o temor da morte, através do reexame da sua experiência pessoal e da transmissão do conhecimento adquirido na erraticidade. Tranquiliza os que direcionam  suas vidas no sentido do Bem.  Desperta aqueles movidos pelos impulsos inferiores  para modificarem seu proceder, com vistas ao futuro. Já Teresa envereda por outros caminhos, descrevendo suas acidentadas existências, reportando-se — o que se depreende no relato — à sua encarnação como Maria Madalena, contemporânea de Jesus, e retrocede até tempos imemoriais.  Exalta constantemente a  necessidade do amor, do auxílio e do perdão, como virtudes imprescindíveis à libertação.  Sua luta ascensional, plena de altos e baixos, deixa claro que a vida sem a chave da reencarnação é um teatro enigmático e grosseiro. Um ponto comum entre o relato de Benson e Teresa são  os males provocados pela ortodoxia religiosa e o esforço de ambos para restabelecer a verdade dos fatos.

A Vida nos Mundos Invisíveis

Monsenhor Roberto Hugh Benson desencarnou em 1914.  Era filho de Edward W. Benson, ex-arcebispo de Cantuária (Canterbury, Inglaterra).  Escolheu como médium Anthony Borgia. Sua experiência consta do livro A Vida nos Mundos Invisíveis (Ed. O Pensamento, 1960).  Em meio à descrição da colônia espiritual em que se encontra, Benson quer retratar-se.  É que em um livro seu, quando encarnado, intitulado Os Necromantes, de razoável divulgação, desvirtuara a realidade da comunicação dos espíritos.  O mundo espiritual constantemente batera à sua porta, por meio da mediunidade da qual era portador.  No entanto, as suas experiências psíquicas  "só podiam ser de origem maligna", pelos  parâmetros ortodoxos da religião que abraçara e em que ele administrava sacramentos e divulgava ensinamentos. Assim, falou mais alto a voz interior que dizia da necessidade de "defender a Igreja contra os assaltos daqueles que acreditavam na sobrevivência da alma após a morte do corpo e julgavam possível a comunicação dos espíritos".  Pena que Monsenhor Benson não toque no assunto reencarnação.  Não é de se estranhar na Inglaterra.

Quanto a Teresa de Ávila — que viveu de 1515 a 1582 na Espanha —, esta foi vítima da intolerância religiosa, mas de forma um pouco diferente, mais acintosa. Teresa era portadora de uma mediunidade dinâmica a toda prova.  Suas visões e transes revelavam ser ela portadora de faculdades que passavam pela psicografia, audiência, transporte, cura e vidência.  Constantemente eram materializadas flores ao seu lado, que participavam de sua vida com tamanha naturalidade, como se fossem deste nosso palpável mundo.  Como não poderia deixar de ser, Madre Teresa de Ávila despertou em diversas ocasiões a ira daqueles que conferiam a si próprios o papel de guardiães dos preceitos equivocados e "imutáveis" da religião vigente.   Muitas vezes, seus transes mediúnicos foram tachados de histeria ou de possessão diabólica, sendo vigiada constantemente pelos tribunais da Inquisição.  Seus feitos extraordinários provocavam tanto reações de aceitação quanto de veemente repúdio, e, se não fossem os seus protetores poderosos, Teresa teria sido lançada à fogueira. 

A história de Madre Teresa transformou-se no romance Perdoo-te  — relançado pela Linha Gráfica Editora, 1997 [posteriormente, pela Lachâtre].  Teresa esperou bem mais que Benson para tentar restabelecer a verdade dos fatos.  Foram mais de trezentos anos, até que se utilizasse da mediunidade de Eudaldo Pagés e da brilhante espírita Amália Domingo Soler. Nessa obra, o espírito comunicante, na sua existência como religiosa,  revela que tudo levava a crer que sua história e seus escritos seriam modificados posteriormente, por conveniência da Igreja.  A beatificação era líquida e certa, mas  uma "adaptação" seria necessária, de forma que a sua vida revolucionária e seus transes e vidências estivessem de conformidade com a sua santidade. Ao lermos a biografia de Santa Teresa de Ávila (ou Teresa de Jesus) no livro Os Santos que Abalaram o Mundo — René Fülöp-Miller,  J. Olympio Editora —, o fizemos  com olhos nos relatos do Perdoo-te.  O que terá restado de verdade nos dados biográficos desse espírito tão resoluto e devotado ao bem?

A hipocrisia religiosa, no caso da religiosa espanhola, manifestou-se até na disputa pelos seus restos mortais. Isso se deu entre as cidades de Ávila e Alba, palcos de furto na calada da noite dos despojos de Teresa, que foi canonizada em 1622.  Ao final do século XIX,  exatamente  de 1897 a 1899, as memórias de Teresa foram relatadas a Eudaldo e Amália Soler.  Amália deu-se ao trabalho de copidescagem e organização do material recebido por via mediúnica.  Por razões não explicitadas, Teresa de Ávila não é nominada no romance.  Entendemos que o fantasma da intolerância ainda rondava a Espanha.  Era arriscado elucidar que as visões de Madre Teresa eram simplesmente manifestações mediúnicas.  Nominá-la em um livro espírita, pior ainda — sabe-se que o poder clerical tinha preponderante influência nas esferas governamentais, ao final do século passado na Espanha, onde o Espiritismo era combatido de forma ferrenha. Quem quiser aprofundar-se, poderá ler as obras citadas e tirar as suas próprias conclusões.

Para nossa meditação, que fique patente a necessidade de nos conscientizarmos de que tudo que escrevemos deve passar pelo crivo da maturação e da responsabilidade, à luz dos preceitos de Jesus.  E tudo que lemos, passar pelo crivo da razão.  Essa a finalidade precípua destas linhas.  Escritos equivocados, ou maldosamente deturpados, podem dar muito trabalho ou muita dor de cabeça quando se estiver do lado de lá, ou até aqui mesmo.

Benson arrependeu-se por não haver refletido o suficiente, ao passar aos leitores ideias errôneas.  Os opositores de Teresa — posteriormente, em contato com os tribunais da consciência — devem ter-se arrependido mais ainda, pelas distorções da sua mensagem original.  Mas a  hipocrisia é própria a  nós todos, espíritos viajores na senda do infinito.  E quanto à hipocrisia religiosa de outros tempos, nada de agastamento, já que nós outros, não raro, fomos protagonistas de episódios levianos na História da Humanidade, por mais constrangedor ou chocante que nos possa parecer. 

Aristides Coelho Neto, 5 abr. 1997

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