JOÃO NASSER CURY ERA RICO, MUITO RICO

A postura de João Nasser abriu espaço para ele. E não podia ser de outra forma — o que se planta se colhe.

João Nasser Cury, 16 set. 2007 — foto acn

Poxa! Como eu queria ter conhecido João Nasser mais a fundo... Soube que ele esteve na reunião das terças, no dia 14 do mês passado, no grupo Sodec. João Rabelo o viu por lá, levado por especial deferência dos Amigos da Vida Maior, já que o seu desenlace é bem recente.

Acabo de cortar a lombada do livro “Saudade Seresteira” que ganhei dele na última vez em que estive em sua casa. Mandei colocar espiral para facilitar o  manuseio enquanto canto, ao som do violão. Engraçado, João tocava violão e não admitia isso. Dizia que nada sabia desse instrumento. Debaixo dessa modéstia, acho  mesmo que preferia cantar a tocar. Afinado, timbre de voz agradabilíssimo, chamei-o “João Nasser, the Voice” no cartaz do encontro com ases ­— amadores, é claro — da música, de dezembro de 2009, em minha casa.

Geralmente quaisquer livros usados que a gente ganha trazem marcas da pessoa que nos presenteou. O livro de letras de música que foi de João Nasser traz um “x”, às vezes dois, a lápis, naquelas que eram de sua preferência.  Acho que o que levou o nosso querido amigo a me dar a coletânea de letras foi o fato de eu ter me empolgado com “Esta tarde vi llover”, de Armando Manzanero, que ele cantou e eu acompanhei. João Nasser era musical. Cantava, tocava. Tinha bom gosto, era também exímio sonoplasta das reuniões de tratamento espiritual das quintas. E manejava o aparelhinho de som no escuro.

João Nasser, the Voice — dez. 2009

A generosidade de João Nasser era sentida em tudo, até na balinha que distribuía, sempre como se fosse a última. E a tivesse destinado a você. O olhar simpático, simulando cumplicidade não faltava nessa hora. Tinha um humor apurado. Suas brincadeiras e piadas eram tão ingênuas como inteligentes, ora tiradas do baú da memória, ora do cotidiano. Era hábil e ligeiro no aproveitar os motes.

Quando estivemos no workshop do hotel fazenda Pousada dos Angicos, de Rusa e Zago, em julho de 2006, não me esqueço da sua tirada espirituosa. Era noite. Tocávamos,  cantávamos, tomávamos um bom vinho, embalados e contagiados pela harmonia que a música propicia.  Dona Nívea fez um sinal a João, dizendo que já era hora de se recolherem. João esboçou um sorriso que denunciava a vontade de ficar só mais um tiquinho. Mas dona Nívea insistiu, amanhã teriam de levantar cedo, diante da extensa programação de atividades do afinado grupo espírita Sodec. E João se levantou. E me confidenciou baixinho: “não posso perder esse emprego!”  Eis um pouco de João Nasser.

Dentro ainda desse tema da música, que João Nasser fique sabendo — tenho absoluta certeza de que no seu despertar no mundo espiritual, a música deve ter sido um componente indispensável no caso do querido amigo. E João, quando puder, me informe se acertei. Já estou imaginando o que João Nasser faria para me dar a notícia e, claro, aproveitar o mote: “Ari, sim, sim, aqui se faz sarau. E você está escalado para o próximo na semana que vem...”

No dia em que desencarnou, João havia feito no encerramento da reunião de tratamento espiritual uma prece prolongada e sentida, num colóquio benfazejo com Jesus e seus prepostos. João era culto. Tinha um repertório lexical rebuscado, invejável. Ninguém como ele para usar adjetivos tão bem selecionados para homenagear o Mestre e Modelo Maior, ou para dar brilho às suas preleções.  Jamais passou pela cabeça de alguém que João partiria poucas horas mais tarde.

Em duas oportunidades, em conversa com amigos, quando perguntei se a pessoa conhecia João Nasser, ouvi a observação de que ele era rico. Bem, eu nunca tive dúvidas disso. João era muito rico mesmo! E vou detalhar o quanto ele era rico.

Quando chegávamos à reunião e recebíamos um abraço e um beijo de João Nasser, a gente percebia claramente que ele era rico de gentilezas. Diante dessa efusividade no acolhimento, eu o chamava de pastor. Mas ele, ali no acolhedor grupo espírita Sodec, era mais competente que os pastores batistas e presbiterianos que amorosamente recepcionam os fiéis à porta do templo. Os pastores são um pouco tímidos e recatados ao abraçar. João, não! Esbanjava afeto em todos os momentos, porque lhe sobrava essa capacidade de se doar. E seu sorriso tinha o poder de espalhar alegria. Claro que João Nasser era rico em regozijo.

Tantas pessoas são efusivas fora de casa e sisudas no recinto doméstico. João era coerente. O que se via ou se sentia emanar dos seus gestos, tanto com amigos como com desconhecidos, era facilmente testemunhado no convívio familiar. Porque ele era rico de gentilezas.

João saiu daqui rico e chegou por lá rico do mesmo jeito, de posse daquilo que angariou ao longo da existência. Claro que falo dos bens espirituais. Na bagagem de João Nasser Cury, abundância em afabilidade e simpatia, ensinamentos interiorizados, vivência no bem. Obviamente que chegou sem cheque, sem poupança, sem nenhum trocado, porém impregnado do verdadeiro amor cristão. E foi assim. Essa a bagagem que lhe abriu todas as portas.

Aristides Coelho Neto, 7 jan. 2011

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