TEXTOS DO AUTOR

AGEFIS, DE FISCAL A FISCALIZADA

Num país em que a corrupção está institucionalizada, só nos faltava essa de uma Agência de Fiscalização ser alvo de operação policial. Enfim, é a lei da probabilidade.

Sobre a Marcha contra a Corrupção em Brasília, eu já trocara e-mails com vários amigos, esquematizando o encontro do dia 12 de outubro de 2011. Viva! Caras pintadas de novo... Sim, eu sei, tenho plena convicção de que o assunto é delicado, mas também não tenho dúvidas de que temos de fazer a nossa parte. Eis que me chega a notícia do leilão da mansão de Durval Barbosa, o delator do esquema de corrupção apelidado de "Mensalão do DEM". E me empolgo, não é pra menos, parece que as coisas começam a tomar jeito...

Mas logo vem um banho de água fria. Final de setembro, a Operação Acton da Polícia Federal incrimina auditores de obras da minha carreira, que atuam na AGEFIS – Agência de Fiscalização do Distrito Federal. Alguns são presos. Só faltava essa. AGEFIS, de fiscal passa a fiscalizada. E a repercussão lança barro em toda espécie de indumentária, vestes alvas, algumas brancas, outras perfumadas, outras engomadas.  E sabemos todos, esse barro, distintivo da corrupção, mancha de tal forma que demora meses ou anos para ser limpo...

Marcha contra a corrupção - 7set2011Estamos carecas de saber que a cobiça e as facilidades que o poder público oferece levam muitos a querer tirar vantagem. O que deveria ser a bem da coletividade, passa a ser utilizado em benefício próprio. E os espertos passam a enxergar com naturalidade a apropriação indébita e o uso de sua posição para apropriar-se do que não é seu. E para vender o que não lhes pertence.  Sem contar a perda do bom senso. Nada representa para eles levar um lápis da sua repartição para casa. Entre um lápis e um caminhão de lápis surrupiados, qual o limite da lisura? Ninguém sabe. E eles perdem a capacidade de discernimento. E passam a comentar sobre artimanhas e embustes como se estes os situassem no pódio da inteligência maior, bem acima dos mortais honestos.

E no Legislativo se vendem projetos, e no Executivo se negociam verbas, e no Judiciário se comercializam sentenças. Fraudam-se licitações de compras de equipamentos, de obras, principalmente. Quase sempre se retira algo a que o povo tem direito, e volta-se a dar esse mesmo “algo” em doses homeopáticas, como se fosse um favor do homem público a quem precisa. E esse homem público, nesse momento, passa a ver no favorecido um escravo. E este, na condição de eterno devedor, se sente assim mesmo, escravo, e ainda se sente bem.

E se cobram percentuais sobre os montantes superfaturados.  E, claro, vendem-se informações privilegiadas a traficantes, a velhacos. E se estabelece uma relação promíscua com grileiros e  invasores de terra. Tudo isso – voltando ao caso triste e recente da AGEFIS – propicia que cada vez mais fique maior a distância entre o efetivo de fiscalização (estagnado e insuficiente) e a dinâmica perversa de crescimento do Distrito Federal (que parece incontrolável).

Há muitos livros sobre corrupção, sob várias óticas. Medem-se os índices de incidência de práticas corruptivas, fazem-se estatísticas, analisa-se a questão à luz da sociologia, da psicologia, da economia, e por aí vai. Difícil de engolir é o fato de termos uma carga tributária tão cruel, uma evasão interna gigantesca de recursos, por força da corrupção, e existir tanta pobreza no país.

As explicações para a corrupção são as mais variadas.  O tal dos dez ou vinte por cento... Dentre os que leram o livro “1808”, de Laurentino Gomes,  há quem atribua essa prática nefasta ao achaque dos “quintos” que a Coroa Portuguesa cobrava a título de imposto. E há quem vá além: esses quintos perversos, ou seja, vinte por cento, parecem ter se entranhado nos costumes brasileiros. Outros dizem que é questão de berço, e que tudo só vai mudar quando os nossos filhos, ou netos,  fortalecidos em bases sólidas de moral e de ética, assumirem posições estratégicas no futuro. Marcos Fernandes Gonçalves da Silva,  que tem abordado o assunto em pelo menos três obras, afirma que “há uma relação perversa entre corrupção e desigualdade. O que diferencia o caso brasileiro de outros no mundo é que, além das causas usuais para a ocorrência do comportamento corrupto, aqui [no Brasil] a corrupção está institucionalizada”. Imaginem quanto custa mudar essa mentalidade.

Eu devia me conformar com o fato de a AGEFIS estar sob a luz dos holofotes no momento. Isso porque onde houver algumas centenas de pessoas, estatisticamente se apresentam diferenças substanciais de comportamento. É assim sempre. Nessa onda vêm sempre os fisiologistas e oportunistas de plantão: "Vamos acabar com a AGEFIS!". Aliás, esse é o desejo de muita gente — acabar com a fiscalização, para que os aproveitadores transformem Brasília num faroeste.

Meu desejo quanto à operação Acton é que ela seja bem-sucedida. Não, não quero excessos. Aos culpados, nada além de punição proporcional ao prejuízo. Porque não é justo ser punido além do que merece. Mas que a ordem e a justiça prevaleçam.

No caso dos inocentes, que consigam se reerguer. E quanto a nós outros, da carreira de fiscalização, que em breve possamos deixar de ouvir insinuações e chacotas. Afinal, se somos trigo, nenhum joio há de conspurcar esta nossa seara.

Aristides Coelho Neto, 4.10.2011

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