DESTAQUES

NÓS, OS FALÍVEIS, E DEUS

Uns acham que Jair é o Messias. Outros diferem — acham que não foi Deus quem o fez. Busquemos reflexões alternativas. E mais equilibradas.

Algumas pessoas acreditam que Jair é realmente o Messias. Mensageiro de Deus, aqui teria vindo para que uma sociedade inteira não sucumbisse, e ele quer piamente nos salvar, nos tirar do buraco. Um devoto de Jair, em particular, ponderou a mim que nosso presidente recebe más vibrações o dia todo, tanto quanto julgamentos irresponsáveis e maldosos. E só sobrevive porque Deus quer. Fala ainda do desejo dele de amenizar o sofrimento do povo brasileiro, e que Messias quer nos dar uma vida melhor. Fala em demônios que o pressionam diuturnamente.

E eu meditei. Pensei nos demônios principalmente! Serei um deles? com minhas análises e desabafos? Me veio um frio na espinha... Com isso, veio ainda uma vontade imensa de refletir sobre a necessidade de vibrar positivamente por Bolsonaro. Mas de que forma? Eis a questão. Haveria forma de pedir aos céus para o capitão mudar sua postura? E vale a pena me colocar no lugar dele como foi sugerido? Vejamos.

A primeira premissa a considerar é que, por julgar que o Universo não é obra do acaso, e que há uma Inteligência por trás disso tudo, não tenho dúvida alguma quanto à existência de Deus, ou uma Força Superior, se preferirem. A segunda premissa é que não acredito no Bolsonaro. Nem nele nem no seu papel missionário.

 

Vamos agora organizar a questão dos pedidos a Deus. Definido isso, o que pedir para o caso de Bolsonaro. Ou como pedir. Desculpem: é imperioso aqui que eu aja com naturalidade quanto a minhas convicções. Eu sei, eu sei que cada um tem as suas. Encarem como exercício de interação. 

Sabe-se que Deus, em face de nossos petitórios, nem sempre nos atende. É que os pedidos podem estar totalmente equivocados. Ele nos ouve? Sim, sempre! Atende? Sim, mas a Seu modo. Nos envia só o que é melhor pra nós. 

Diante dos pedidos incessantes feitos a Ele para definir os rumos de nosso pobre país — afundado na corrupção, nos interesses particulares de governantes e representantes do povo, na desigualdade social, na pobreza extrema — teria Deus mandado Bolsonaro como solução? Só há uma forma de analisar: pela postura do capitão alçado a presidente, pelos seus absurdos retóricos — não há outro jeito. Bem, em primeiro lugar, o Criador não mandaria um salvador não cristão, ou travestido de cristão. Como medir se o cara é cristão verdadeiro? Ora, fotografando o seu caráter, as suas atitudes, seus interesses escusos e difusos, suas ligações com o crime organizado, suas ideias retrógradas e obscurantistas, sua flagrante forma de dissociar Religião de Ciência (que não são e não devem ser antagônicas). O desmonte que realiza nas instituições, no meio ambiente, na Cultura, seu comprazimento com gabinetes do ódio. Melhor não ilustrar cada uma dessas desqualificações citadas: ocuparia muito espaço. Ilustrações abundantes estão na mídia.

Sozinho, Bolsonaro teria pouco combustível para reverberar mentiras, contradições, desconhecimento, incapacidade para harmonizar, jeito para desestruturar, para postar-se como antiestadista, como negacionista extremo. Na companhia dos filhos fabricados à sua imagem e semelhança, ele tem pólvora pra queimar.  Haja vista a recente invasão dos computadores do TSE, orquestrada para desqualificar o voto eletrônico. O resto da pólvora está com a rede de adeptos e apoiadores que, felizmente, arrefece.

E vocês podem perguntar: se Deus não mandou Bolsonaro, pelo menos Ele fez Bolsonaro... Teria quem sabe errado na medida? na receita? Óbvio que não! Nós, espíritos imortais, somos criados simples e ignorantes (e não agora, porque temos uma bagagem moral, ética, cultural acumulada de muito tempo). O burilamento do espírito vem da caminhada em direção à Luz, na esteira dos milênios, cada qual usando seu livre-arbítrio.

Como então Bolsonaro foi alçado à condição de primeiro mandatário do país? Possivelmente pela flagrante decepção do povo com a corrupção que à época escancarava, pelas fake news habilmente disparadas à custa de muito dinheiro — novas táticas disponíveis e adotadas pelos que sobrevivem ao arrepio da lei e da ordem lá no submundo da deep web e assemelhados. Uma coisa é cristalina para mim — não se pode concluir que Jair é um predestinado.

Então, se Messias não é o Messias, como as Esferas Maiores da Espiritualidade permitiram esse equívoco? Tínhamos um parlamentar obscuro no Congresso, do baixo clero... Ora, chegou aonde chegou porque o livre-arbítrio é faculdade preservada a pessoas e/ou coletividades.  Simples assim. Muito provável que as Forças Superiores do Universo só interfeririam nesse imbróglio em último caso. Ou seja, quando nós brasileiros estivermos no fundo do poço — penso que ainda não chegamos lá. Imagine, diante disso, a responsabilidade que cai no nosso colo. Mas vamos adiante.

Imagino, sim, o turbilhão de energias negativas que têm sido enviadas ao presidente. Mas ele planta! E ele colhe! O que pedir a Deus para ele? Ensaiemos algumas possibilidades. Pedir que Jair comece a governar pensando nos brasileiros? e não em sua eleição? Pedir que ele pare de envolver as instituições governamentais para safar os filhos das enrascadas com a Lei? Pedir que ele pare de comprometer a economia do país ao dar as costas para as regras básicas da comunidade internacional? Pedir que pare a patética guerra com a China? Argentina, União Europeia? que pare de juntar pólvora para um embate quixotesco com os EUA? Pedir que ações divinas exteriores mudem a sua pra lá de peculiar forma de pensar? Impossível, minha gente! Não podemos pedir a Deus para enviar um caráter novo para quem quer que seja.  As mudanças de postura dependem exclusivamente de nós. Deus só pode dar uma mão — há coisas que não pode fazer por nós! São exclusivas de cada um. Quem diariamente transmite insegurança não acordará no dia seguinte disseminando consolação.

Eis então por que é difícil pedir por Bolsonaro. Não há como pedir que ele se transforme num Novo Homem amanhã. Isso depende tão somente de Jair. Podemos pedir, claro, que Deus o ilumine! que o faça sensível às consequências de seus desvarios públicos! que pare com as cortinas de fumaça que lança para persuadir incautos; que meça suas palavras com olhos no alcance deletério e tóxico que elas podem produzir. Uma influência maléfica, ao atingir somente uma pessoa, tem um peso na balança divina. Outra, que atinja milhões, tem peso bem maior, proporcional. E que Deus ajude Bolsonaro a governar! Ah! se não fosse a boa parte da máquina que caminha sozinha, a despeito do mandatário maior... 

E quanto a nós? Podem crer, nessa relação com Deus, temos que pedir muita, mas muita paciência, coragem. E muita fé. Vale dizer, porém, que fé é coisa pessoal e intransferível. A fé vem de dentro.

Aristides Coelho Neto, 26 nov. 2020

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