REFLEXÕES NO PÈRE-LACHAISE

Uma visita ao túmulo de Kardec, considerações ligeiras sobre Psicometria, provocadas pelo nosso querido Hermínio Miranda.

Aquele 2 de novembro de 2012 era dia de chuva fina em Paris. Pelo menos no cemitério Père-Lachaise. O outono já anunciava a chegada do frio europeu cortante como sempre. Uma contradição se fazia presente em minha mente — se não costumo, como todo espírita, ir a cemitérios nessa data no Brasil, não era desconexa e descabida a intenção de conhecer o túmulo de Kardec?  se não tenho sequer o hábito de visitar as campas de meus familiares?


Paris, 2.11.2012

Nós, espíritas, somos assim. Temos consciência de que somos espíritos eternos, imortais. E ali, naquela cidade de túmulos, estão apenas os despojos. Apenas os veículos de que nos servimos como empréstimo do Pai Criador. Infeliz do espírito que — após a morte do corpo —, estacionário, permanece nos cemitérios. No entanto, sabemos que toda lembrança afetiva de um ente querido, toda prece — seja no cemitério, seja em qualquer lugar — traz bem-estar e alegria para quem a recebe. Assim, não há por que criticar quem costuma ir aos cemitérios no Dia de Finados. Ou em dia qualquer. O apego em demasia, o desespero, isso sim, deixaria aflitos os que estão lá na Verdadeira Pátria. Houve época em que, incentivados pelo amigo Lauro F. Carvalho, diretor do Sanatório Espírita de Brasília, íamos em grupos organizados a todos os cemitérios do Distrito Federal no Dia dos Mortos. Eram milhares de mensagens de consolação (por serem explicativas, consolam) distribuídas para a multidão de visitantes — a morte não é o fim. O ato de passar tais mensagens sempre esteve fundado na premissa de que muitos têm uma visão equivocada da morte. Sem mencionar que nosso entendimento pode ficar na teoria, e o coração pode responder de forma inusitada. Isso para explicar que a saudade afeta tanto encarnados como desencarnados, criando por vezes situações desconfortantes até mesmo para nós espíritas. Afinal, somos falíveis como todos os irmãos de caminhada.

Não, desta vez eu não distribuiria mensagens de esclarecimento e consolo no Père-Lachaise. Estava ali para conhecer a última morada dos corpos que  Allan Kardec e Amélie Boudet, sua esposa, usaram na sua passagem pela Terra. 

Père-Lachaise é o maior cemitério de Paris, e dos mais visitados. Data de 1804. Estilo neoclássico, seu nome diz respeito ao padre confessor de Luís XIV. Vários famosos estão enterrados lá, a saber — Chopin, Balzac, La Fontaine, Jim Morrison, Édith Piaf, Molière, Marcel Proust, Oscar Wilde e muitos outros. As sepulturas chamam nossa atenção pela beleza, verdadeiras obras de arte em estilos gótico, neoclássico e barroco — um museu a céu aberto que mostra a arte funerária do séc. 19. Vi muitas flores no cemitério, mas nada em quantidade e beleza como as do túmulo de Kardec, graças a voluntários. E sempre anônimos. A senhora francesa de cachecol vermelho que cuidava do túmulo naquele dia, quando lhe pedi que escrevesse seu nome, simplesmente grafou modestamente, guiada pela sensatez do anonimato: "J'aime Paris".

  
Paris, 2.11.2012

Não sei descrever exatamente o que me passava pela mente naquele local.  Muita emoção. Eu estava agora a um metro dos fragmentos físicos de Allan kardec, que, a partir de 18 de abril de 1857, abriria um novo leque de entendimento da vida e da morte para a humanidade com o lançamento de O Livro dos Espíritos. Eu havia lido Memória Cósmica, de Hermínio Miranda. O livro tem como ponto de partida as experiências relatadas em The Soul of Things (A Alma das Coisas), de William Denton (1863). Na obra é abordada a questão da Psicometria, ciência ainda incipiente — "faculdade mediúnica que permite captar em algum objeto as impressões mentais nele impressas". Se o pensamento espalha suas emanações por toda parte, restam vestígios espirituais nos objetos. O médium psicômetra conseguiria traduzir esses vestígios, relatando detalhes da história do objeto e do que acontecera à sua volta ao longo do tempo.  Assim, um fragmento de mosaico obtido em escavação na mansão de Cícero (109-62 a.C.), em Tusculum, traria, por meio de um médium psicômetra, detalhes e cenas que remontam a mais de 2 mil anos. Outro fragmento de afresco, em Pompeia, revelaria flashes do drama por que passaram os habitantes na erupção do Vesúvio. Memória Cósmica abre uma janela imensa em nossa mente...


Paris, 2.11.2012

Assunto fascinante esse. Objetos funcionando como arquivos vivos, onde lembranças inimagináveis são preservadas. À p. 88 de Memória Cósmica, Hermínio Miranda afirma: "A natureza dispõe de recursos e implementos tecnológicos que lhe permitem documentar tudo o que acontece no seu bojo". Essa atividade, porém, afirma o autor, "é do próprio espírito do sensitivo [psicômetra] em estado de desdobramento".  Assim, esses meros "objetos aparentemente inanimados guardam registros pelo tempo afora". Objetos de que se serviram os seres humanos "documentam uma realidade como que filmada para sempre em imagens, cores e sons".  Essa ciência nova não está totalmente formatada. Mas está à disposição dos estudiosos, afirma Miranda. E o assunto merece atenção. Tendo fundamento essa capacidade de arquivo que têm as coisas, que tanta surpresa e estranhamento nos causa, fica perfeitamente explicável um título como "A alma das coisas"...

Voltemos ao túmulo de Kardec, aliás, um dólmen no estilo. Atentemos para os despojos que ali se encontram. E quantos insondáveis registros nos monólitos enormes. Quem sabe, todas as impressões que não consegui externar e muito mais. Estruturas ósseas que suportaram os corpos de Kardec e Amélie... Imaginem os registros ali contidos, desvendados pela Psicometria. Um complemento biográfico do Codificador que a história não conseguiu registrar de todo. Conjecturas... mas fazem sentido. 

Ao voltar ao Père-Lachaise, com certeza, vou olhar para as pedras com outros olhos. Graças a Denton e Hermínio Miranda.

Aristides Coelho Neto, 7 nov. 2015

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