TEXTOS DO AUTOR

A SAGA DOS PORTUGUESES, SEMPRE O MAR

Rumo a Portugal pela TAP, sei que há léguas a nos separar, tanto mar, tanto mar. Sei, também, quanto é preciso, pá, navegar, navegar...

[...] Sei que há léguas a nos separar
Tanto mar, tanto mar
Sei, também, quanto é preciso, pá
Navegar, navegar [...]

Chico Buarque

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Caravela

Trajeto Brasília-Lisboa. Ainda  é dia 9 no Brasil. Em Lisboa já é 10. Pra quem anda com o sono redondinho, isso vai ser um problemão.  Quanto a mim, já estou calejado.

Embaixo, Atlântico. Em cima, o  firmamento. Não me digam que não dá um frio na barriga saber que estamos sem terra... só céu e mar... tanto mar, tanto mar. Esse mundão de água, os portugueses conquistaram em frágeis caravelas. Agora o fazem pelo ar. Dessalinização, eis quem sabe a solução para a falta de água iminente no mundo.

Há pouco os lusitanos da TAP serviram o jantar. São 20h05. Pegamos docinhos — um pra Melissa e um para o Bruno. Acho que para o Bruno, que ainda vai nascer no próximo dia 7, melhor seria ter pego uma mamadeira.  Enfim...

Estou com a maior boa vontade para com os nossos irmãos portugueses, mesmo após o comissário de cabelos grisalhos ter passado um sabão no passageiro que estava de pé na hora errada. Um sabão tão bruto, que o rapaz do lado pediu calma...  A comissária me ofereceu vinho tinto. Perguntei se era seco. Ela respondeu que não tinha a mínima ideia. Ufa! Já começou.  E eu achava que ela era a mais bonitinha. Vou rever os meus conceitos e as avaliações. E ela vai tirar uma nota baixa.

São 20h20 em Brasília. Faltam quase 5 mil km para o nosso destino — Lisboa. Lá a gente sai correndo para pegar o avião para Paris. Lisboa mesmo, só na volta.

O esqueminha na tela à minha frente diz que a altitude é de 11.300 m, temperatura externa de -49 graus centígrados. Estamos mais perto da África que de São Paulo, nas imediações da linha do Equador.  Mas ninguém vê a tal linha porque está uma escuridão danada... rsss  Observando a costa da África na telinha, se o piloto quiser economizar combustível, possivelmente seguirá por Cabo Verde. Dakar só se ele for esbanjador. Não é o mais lógico. E esses planos de voo são bem autoritários. Ainda bem.

Esqueci de dizer que no free shop do aeroporto, a caixa de bombom Garoto custa 5,50 dólares. Mas acho que é pra otário mesmo.

Há pouco apagaram as luzes. Coisa chata, não dá pra ver se os faróis estão ligados.

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Acha que nunca concordo “consigo”? O sentido seria de nunca conseguir concordar? Nada disso.  A primeira frase está corretíssima: o mesmo que “acha que nunca consigo concordar com você”? É legenda de um filme falado em francês a que estou assistindo (nem tanto), enquanto escrevo. As legendas são em português, mas no velho português de Portugal, com suas peculiaridades saborosas. O avião não decola, faz a “descolagem”... O cara está muito “marado”...  Já a sonoridade do francês é um primor, não é mesmo? Eu poderia ter pego umas dicas para relembrar o francês de l’école, ensinado por mademoiselle Purita, dos velhos tempos de Rio Preto. Foram quatro anos de francês. E muita coisa fica na memória.  Eu bem que podia ter dado sequência, praticado mais. Mas sei cantar a Marseillaise inteira. E Frère Jackques também.  Sei que não vai servir para nada. Se eu fosse cantar alguma coisa no metrô, seria melhor escolher, claro, um repertório mais interessante.

Esses aviões são muito desconfortáveis. Há ônibus que dão um banho nessas aeronaves que escolheram a economia (será que para não falir?). Bem, pelo menos, mais gente pode viajar. À minha frente, cortinas fechadas. O setor abriga o pessoal da primeira classe. São esnobes, como se a gente não existisse. Brincadeirinha.

Há pouco fui ao banheiro. Que dificuldade para tirar esse cinto novo colorido, do Tiririca, que ganhei da Aline. O acessório é bem alegrinho, mas por ser bem largo, ele não passa direito nos passadores. Dá trabalho. Fico imaginando se em algum momento eu precisar tirar as calças rápido. Complicado.  Principalmente nessas viagens todo mundo quer que a gente use coisa nova. Cueca, camisa, pijama, sapato. E vem a cueca apertada, camisa sem  amaciar,  pijama duro, sapato dando no calo. Bom mesmo é aquela camiseta furada que levou anos para você encontrar.  Malha gostosa.  Furinhos? Ora, isso não importa!

Voltemos aos portugueses. Será que vamos nos dar bem com eles? e com Lisboa? O raciocínio deles será aquele mesmo de a gente perguntar se eles têm horas e eles responderem que sim? Vejamos, vejamos...

Aristides Coelho Neto, 10.10.2010

PS 1— Foi só falar no cinto, dito e feito... Já em Lisboa os seguranças queriam que eu tirasse as moedas, a caneta, e o cinto, e tudo muito rápido.  Que sufoco, engastalhou...

PS 2— Em Portugal os portugueses foram muito amáveis conosco.

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