TEXTOS DO AUTOR

SALA DE ESPERA

E você? O que faz numa sala de espera? Dorme? Promove um concurso?

O que se faz numa sala de espera? Passa-se os olhos nas revistas e jornais disponíveis. Sem entrar em detalhes. E observa-se. O piso, a sanca, a luminária, a câmera, a parede, o laminado, o balcão, o som quase imperceptível da tevê — por que não filmes mudos de Charlie Chaplin e de O gordo e o magro? —, até que alguém resolve aumentar o som no noticiário. Geralmente tevê de sala de espera tem as imagens achatadas. Configuração. Acham preferível encher a tela a ver as pessoas e coisas nas dimensões corretas. Ronaldo Fenômeno, então, ali é mais gordo ainda. Em sala de espera você se pega observando a receita da Ana Maria Braga. E a gente percebe que cada comercial tem volume de áudio diferente. Por que revista Caras? Porque nesse dia a gente só vê figura. Sei lá por quê. Ninguém se arrisca a ler e ter de parar bem no meio. E ficar ansioso pelo fim do texto que não aconteceu. E virar mistério, que compromete o emocional — mais um problema. Quanto mais o tempo passa, as pessoas se levantam uma a uma e tomam água. Quem mais toma água mais faz xixi, batata! não dá outra. Algumas se atrapalham com a maquineta que lhes traz um copo que vem de cabeça pra baixo e vira na última hora, como se fosse um malabar de semáforo. Quase todo mundo vai pegar um cafezinho. A maioria prefere açúcar mesmo. Pé na jaca... já estão chateados de estar ali, esperando sua vez por estar com algo lhe incomodando. Prefere o caminho mais venenoso. Os mais velhos tentam puxar prosa. Os mais novos seguram smartphones à altura do diafragma. E fazem mil coisas. Uns até telefonam. Cada toque é uma surpresa. Uns estão com fone de ouvido, pra facilitar. Mas mantêm o celular na palma da mão, na horizontal, braço e antebraço em noventa graus. Vá entender. Meu celular, esqueci em casa. Ela entrou. O dela ficou no meu bolso. O rodízio no atendimento lembra produção em série, de fábrica. Pinga colírio, chama mais um, pinga colírio, outro para o exame pré-consulta, outro mais. Quem foi agora vem. São cruzamentos interessantes, velocidades e estilos singulares. Lembro da Thaís, que acompanhou o marido em consulta que exigia dilatar a pupila. Após o colírio ele desmaiou, caiu de frente ao tentar andar. Ela, de nervosa, não parava de rir. Sabiam que acontece? Os procedimentos cirúrgicos são pagos antes que aconteçam. Pensam que o paciente pode fugir. Há uma placa de wi-fi. Mas o wi-fi não funciona. Há um painel interessante atrás do café, chá e biscoito. Cada um se serve de forma peculiar. Uns andam pra lá e pra cá. O barrigudinho já pegou biscoito três vezes. Algumas pessoas dormem. Toca o celular no meu bolso. Sei que não é o meu. O danado tem o volume tão alto que a senhora que cochilava fez um tum com a cabeça na parede de alvenaria. Se estivesse do outro lado, no susto teria batido pelo menos na madeira. Tento atender, não consigo. Saio andando, constrangido. Aparelho diferente do meu. Percebo que está de cabeça pra baixo. Desligo. Volto pro meu canto. Pego os classificados. Na sala de espera é assim. Um carro como o meu não vale mais o valor que paguei, droga! As atendentes, em sua maioria, são louras. Uma mulher atende o celular e conversa por quinze minutos. Está à vontade. Parece em casa. Resolvo fazer virtualmente um concurso da atendente mais bonita. Não deu muito certo. Escolhi rosto de uma e corpo da outra. O pessoal que volta por aquela porta branca vem muito grogue. Me lembro que numa dessas de sedação fiquei, além de grogue, falante. E critiquei um médico abestalhado, elogiando o outro, gentil, bem ali no balcão. Na cirurgia foi tudo bem. Se a intervenção dura de dois a três minutos, por que se chega às sete e se sai às dez e trinta? Ela não responde, dorme. Engato a primeira. E vou, tentando mudanças suaves. Mais um pouco na sala de espera e eu ia pensar besteira. Ou fazer! Ufa!

Aristides Coelho Neto, 29 maio 2014

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