TEXTOS DO AUTOR

DAS CARTAS DE FRED JORGE AOS TEMPOS ATUAIS

Dos tempos dos flertes e das cartas de amor de Fred Jorge aos tempos de "ficar", algo mudou no cenário romântico. E como!

Chamou-me atenção um livretinho que estava no fundo do baú, trazendo modelos de cartas de amor (ora vejam, isso existia!), que, pelo jeito, data do final dos anos 1950, ou comecinho da década de 60. Seu título: Mensageiro do amor (cartas e declarações de amor para todo o período de namoro), edição “modernizada”, de autoria de Fred Jorge (Ed. Prelúdio).  Não, nunca usei esses modelos. Sim, eu conhecia Fred Jorge. Era nome fácil nos anos 1960 como fazedor de versões de vários sucessos musicais. Mas não conhecia essa outra habilidade dele.

Escolhi uma carta de Paulo para Virgínia e outra de Virgínia para Paulo, com o objetivo de traduzir para os tempos atuais o que seria essa mesma comunicação entre os jovens, agora pelo orkut, msn ou celular.

Antes porém, não há como não trazer algo sobre Fred Jorge.

Carta de amor

Segundo Fernando Rosa, Fred Jorge (1928-1994) foi o maior versionista do rock nacional, embora também fosse compositor. Paulista de Tietê, filho de libaneses, seu nome verdadeiro era Fued Jorge Japur. Ficou famoso com a versão de Diana (de Paul Anka), em 1958, gravada por Carlos Gonzaga, mas fazia versões de músicas em inglês desde os anos 40. Traduziu praticamente todos os hits dos anos dourados da MPB.

Estúpido cupido (de Neil Sedaka/H. Greenfield) e Banho de Lua (Fillippi/Migliacci) foram versões dele, imortalizadas por Celly Campello. Verteu ainda para o português Give peace a chance (de John Lennon) que levou o título Em busca da paz, e a música Cheveux longs et idées courtes (Johnny Hallyday), que passou a Cabelos longos, ideias curtas, e outras de autoria de Troggs e Beatles.

Fernando Rosa nos informa que entre as suas principais composições estão Pequeno príncipe (em parceria com Tommy Standen/Terry Winter), gravada por Ronnie Von, Você já me esqueceu (Roberto Carlos) e a primeira delas, A velha paineira, gravada por Carlos Gonzaga, em 1946.  Fred Jorge também foi editor da revista Melodias A Revista da Mocidade, que trazia notícias do meio musical e fotonovelas. Roberto Carlos participou de uma dessas fotonovelas em 1967.

Fred Jorge morreu esquecido.

Eis logo abaixo dois dos modelos de carta concebidos por ele. E duas supostas versões práticas dos tempos atuais. Mas há exceções.

Aristides Coelho Neto, 27.12.2009
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DE PAULO PARA VIRGÍNIA — nos tempos de Fred Jorge

"Nem sempre as palavras podem dizer aquilo que sentimos. Algumas vezes elas nos fogem precipitadamente, e tudo que nos vai na alma não pode ser expresso. Escrever é mais fácil. Na solidão do meu quarto, estou enfrentando apenas uma folha branca de papel e minha própria vontade. Por isso acho mais fácil dizer por escrito aquilo que sinto.
Desde o momento em que fomos apresentados você não me sai do pensamento. Notei logo que você é diferente das outras. Em tudo, Virgínia. No modo de agir, na delicadeza dos gestos, no modo de olhar e até mesmo na maneira como me trata. Há um excesso de atenção em tudo que vem de você.
Naturalmente você se lembra que depois daquele dia em que nos conhecemos, eu a encontrei várias vezes em outros lugares. Não era simples coincidência. Eu tinha vontade de vê-la. Eu queria estar ao seu lado. Queria certificar-me do que sentia. E compreendi que estava gostando de você. Antecipadamente peço que me desculpe se este sentimento a perturba. Ninguém tem culpa de gostar de alguém. O amor nasce, não se sabe como nem quando. E eu senti que nasceu de mim para você um amor sincero. Talvez esta minha tentativa não seja infrutífera. Talvez eu possa vir a ser amado.
Pensei muitas e muitas vezes em falar pessoalmente. Pensei em convidá-la para sair comigo, e então, numa oportunidade, abrir meu coração e dizer de tudo que me vai na alma. Mas a timidez foi muito mais forte do que eu. Não podia ousar tanto.
Escrever é bem mais fácil. Aqui vai uma confissão do que sinto. Espero que você não fique ofendida. Espero que compreenda minha atitude.
Sei muito bem quem é você. Conheço sua família e sei que seu procedimento moral nada deixa a desejar.  Você é o tipo perfeito que sonhei em toda minha vida. Não penso em iniciar um namoro que represente apenas uma simples aventura. Um nome a mais na coleção de flertes que todo rapaz realiza na vida.
É algo muito mais sério. Talvez seja a semente de um futuro. Do nosso futuro. Nunca se sabe onde um começo possa levar. De minha parte quero que acredite que encaro tudo com a maior seriedade possível. Estou certo que nos compreenderemos. De uma coisa quero que você saiba. Eu a amo e estou sendo imensamente sincero ao dizê-lo. Eu a amo intensamente.
Prometo manter este amor com dignidade e respeito, caso você o aceite. Prometo conservar minha amizade e compreender sua atitude caso você o recuse.
Espero que me responda breve. Estou ardendo de impaciência por saber sua decisão.
Sinceramente,
Paulo"
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DE PAULO PARA VIRGÍNIA — nos dias de hoje

Vijinia,
A Ludmila disse q fikei c vc onte. C lembrar de alg koisa kero sabê se a minha correntinha fico sua bolsa. Naoum axei ela.
Paulo
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DE VIRGÍNIA PARA PAULO — nos tempos de Fred Jorge

"Paulo,
Você não pode imaginar que alegria sua confissão me trouxe.
Em sua carta, você me dizia exatamente o que eu gostaria de lhe dizer. O amor nasce, não se sabe como nem por quê. E em mim aconteceu o mesmo. Você é inteligente e observador, e se faz a declaração que fez é porque sabe que eu fui ousada demais. Não pude me conter e olhei muito para você. Tratei-o de maneira diferente. Fui muito mais atenciosa com você do que com os outros rapazes. Eu senti que você era algo importante para mim. Um moço como poucos. Educado, fino, simpático e gentil.
Nos dias de hoje o amor parece ter sido relegado a um plano inferior, e os rapazes modernos ousam mais do que amam. Com você é diferente. Você me pareceu um rapaz à antiga, no que diz respeito aos sentimentos.
Pensei muitas vezes em voltar a vê-lo. E quando isso acontecia, meu coração pulava de alegria. Minha alma cantava de felicidade. Eu ficava que não cabia em mim de satisfação.
Esperei que um dia você revelasse sentir algo por mim. Mas confesso que não esperava uma declaração tão pura e tão sincera. Que alegria que senti ao recebê-la. Você nem pode imaginar. Sua confissão trazia um sol maravilhoso para mim. Trazia a luz de uma noite de luar. Agora eu o compreendo e é minha vez de confessar. Eu também o amo. Podemos iniciar um namoro sem perda de tempo. Precisamos nos conhecer melhor. Precisamos nos entender. Você tem razão. Será uma semente que cuidaremos com carinho e amor. Será uma semente que talvez nos traga alegrias para o futuro.
Venha visitar-me. Falei muito de você em casa e todos estão com vontade de conhecê-lo pessoalmente. Você foi mencionado por mim tantas vezes, que minha família chega a ter impressão de já conhecê-lo. Meus pais ficarão satisfeitos em recebê-lo. Naturalmente você não vai se opor a isso. Minha família não se opõe a que eu namore, mas não gosta de namoros em portões ou esquinas. Você será alegremente recebido em meu lar.
Se você gosta mesmo de mim, vai compreender. E sei que tudo vai dar certo.
Espero que responda logo.
Virgínia"
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DE VIRGÍNIA PARA PAULO — nos dias de hoje

Paulo,
Soh axei camizinha n bolsa. Vc eh loro ou moreno? Naoum? eh o do tatoo?
V.

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