TEXTOS DO AUTOR

REVISÃO DE CONCEITOS, DE PADRÕES... E ATÉ DE TEXTOS

Reflexões no hospital vão da revisão de textos à de conceitos. Passa-se pelos exemplos da Educação, Saúde e Fiscalização... e Senado, que virou fundo de quintal.

Eu aguardava a chamada, sentado nos bancos defronte do centro cirúrgico do Hospital Regional da Asa Sul, um hospital público de Brasília. Onde vai ser a cirurgia? – me perguntavam os amigos até o dia anterior. Eu só dizia: no HRAS... Assim todos ficavam sem saber onde mesmo era a intervenção. Eu só dizia que o nome terminava com “...tomia”, dizia que era nos países baixos, e todos ficavam morrendo de curiosidade.

Optara pelo HRAS, desiludido com o plano de saúde, em franca decadência, onde tudo seria mais difícil, pasmem. A comparação é para que sintam a barra dos que têm plano privado de saúde. Público e privado se equivalendo...

Uma hora, duas horas, três horas... com aquela roupa ridícula e inevitável, sem nada por baixo, sem nada o que fazer. E a gente fica a pensar, condena o amarelo dos corredores, observa a destreza do funcionário cego que anda depressa, mais decidido que qualquer outro, o nenê coitadinho que não para de chorar, e a gente analisa o porte e a dieta de cada um que passa. Aquele come salada, esse só come hambúrguer.

O cartaz do corredor é prato cheio para revisão textual. Fala dos dez passos para o sucesso no aleitamento materno.  Recém-nascido está sem hífen.

Na “alta da aternidade” seria na “falta da eternidade”? Pensara em eternidade justo na hora em que uma maca empurrada por duas enfermeiras passava com um corpo totalmente coberto nos lençóis. Dá um calafrio natural a cena. O paciente-corpo, na maca. O paciente-espírito, na eternidade. Na realidade era “alta da maternidade”. Cartaz sem revisão, dinheiro pelo ralo.

Em “não oferecer bicos artificiais ou chupetas à crianças”, bom lembrar que “a crianças” não deveria ter crase.

Interessante os dois primeiros itens do cartaz. O primeiro diz “ter uma política de aleitamento materno que seja rotineiramente transmitida ‘a toda equipe’ de cuidados de saúde”. “A toda equipe” significa “a todas as equipes” ou “a toda e qualquer equipe”. Assim, supõe-se que existem mais de uma equipe.  O segundo item fala em “capacitar ‘toda a equipe’ de cuidados de saúde nas práticas necessárias”.  Dá pra perceber que “toda a equipe” agora confunde? Não parece a vocês que só existe uma? e que a capacitação se refere a toda a equipe?, ou seja, a todos os membros dessa equipe única?  Esse “a” antes de “equipe” faz uma diferença danada.

Só parei de pensar em revisão textual quando Iracema, companheira de roupinha de hospital, foi chamada à porta do centro cirúrgico. Da expressão de desapontamento podia se concluir muitas coisas. E fiquei sabendo que pela quinta vez ela era mandada de volta sem fazer a cistoscopia  por falta de material.

Chega então de revisão textual! E vamos falar de outras revisões tão necessárias nos serviços públicos.

Conversando com dois médicos amigos que passaram pelo corredor, tive a noção exata da precariedade da Saúde. Além da visão que temos pela mídia, essa agora era uma visão interna. Claro que, não sendo amigos, não se abririam com pacientes. Aliás, os médicos é que “abrem” os pacientes (só pra descontrair).

Nessa conversa com eles não pude deixar de falar do setor de obras da Educação, e da Agência de Fiscalização, dois locais em que posso testemunhar a precariedade da falta de pessoal técnico e de condições para o funcionamento pleno, o que compromete a qualidade esperada. No primeiro caso, engenheiros abarrotados de obras, o que impõe riscos ao resultado final. No segundo caso, falta de efetivo, irregularidades no controle do uso do solo, invasões diuturnas e incontroláveis, por falta de políticas satisfatórias, por falta de rapidez de procedimentos coercitivos, emperrados mais ainda pelas famosas liminares que vêm do Judiciário.

Um dos médicos amigos me perguntou como eu via  o fato de o governador Arruda sempre mencionar em seus discursos que o seu governo deu um basta às invasões de terra. Arruda repetira isso também nas páginas amarelas de Veja 2121 (15.6.2009, p. 15,18-19). Antes que eu respondesse, esse amigo disse que a assinatura de Veja feita pelo Governo do Distrito Federal custou aos cofres públicos mais de 400 mil reais.  A nota de empenho é de meados de junho. Coincidência? Vocês é que estão se adiantando, ao concluir tratar-se de matéria paga nas páginas amarelas.

E a gente fica aqui pensando na descontinuidade administrativa das passagens de um governo para outro – transições desmanteladoras –, pensando nos cargos políticos ocupados por pessoas despreparadas, no descaso para com as coisas públicas, na falta de planejamento e administração competente, pensando na prevalência dos interesses particulares em detrimento do público. Até o nosso Senado virou senado com minúscula, fundo de quintal de senadores inescrupulosos.  Bem, o Senado não reina sozinho: as casas parlamentares deste imenso país são eivadas de escândalos que se juntam aos do Executivo e Judiciário.

Não acham que tudo isso é caso de revisão? Mas revisão das boas, no sentido amplo.

Aristides Coelho Neto, 24.7.2009 

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