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Reforma ortográfica inútil

Dad Squarisi, nos estertores de 2008, critica pra valer o Novo Acordo Ortográfico. E afirma que Lula, para referendá-la, não usou da célebre pergunta que sempre faz: "em que isso beneficia o pobre?".

Pra nada, reforma tímida e flexível

Assessores próximos do presidente dizem que Lula é ouvinte atento. Sempre que alguém lhe apresenta um projeto, ele olha nos olhos do interlocutor, acompanha a exposição com interesse e faz perguntas até entender o assunto. Por fim, indaga firme:

— Em que isso beneficia o pobre?

A proposta só avança se tiver resposta convincente. Estranha, por isso, o aval do Planalto à reforma ortográfica. As mudanças frustram ideais, trazem decepções e causam prejuízos. Não uniformizam a grafia das palavras no mundo lusófono. Assim, cai por terra a desculpa de que documentos firmados em organismos internacionais passariam a ser escritos em uma só língua (hoje se escrevem no português do Brasil e no de Portugal). A reforma adotou a flexibilidade. Respeitou as diferenças. Assim, os portugueses continuarão a grafar sector; nós, setor. Eles usarão agudo em António e cómodo. Nós, circunflexo.

No mais, as alterações são tímidas, capengas e incompletas. O acordo tornou de direito o que é de fato ao reintroduzir o k, o w e o y no alfabeto. Manteve acentos diferenciais no pôde e no pôr. Eliminou o agudo dos ditongos abertos só nas paroxítonas (ideia, joia). As oxítonas e os monossílabos tônicos conservarão o sinal (herói, papéis, dói). O emprego do hífen, que poderia ter sido simplificado, conserva a confusão. Trocou seis por meia dúzia.

Procede, pois, a dúvida. O presidente fez a pergunta habitual? Talvez não. Se a tivesse feito, os conselheiros o teriam alertado para os prejuízos que a reforma trará sobretudo aos menos favorecidos. Um dicionário Aurélio custa R$ 250. Um Houaiss, R$ 350. Muitos pais de família pagaram prestação durante 10 meses para ter obras de consulta em casa.

Mais: municípios pobres fizeram enorme sacrifício para prover as bibliotecas públicas e escolares de pelo menos um dicionário e uma gramática. Muitos conseguiram pôr um kit de consulta em cada sala de aula. Agora, o esforço vai pro lixo. Livros didáticos que eram reaproveitados terão o mesmo destino. Quem se beneficia do desperdício? Com certeza não é o pobre. Nem o rico. Nem a língua.

Dad Squarisi

Artigo publicado no Correio Braziliense de 28.12.2008

dad.squarisi@correioweb.com.br

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