CARTA AO GOVERNADOR ARRUDA, DO DISTRITO FEDERAL

José Roberto Arruda nos concitou a questionar, dar sugestões, ousar, pensar diferente, de forma crítica e criativa. Tentamos isso nesta carta a ele. E o nosso desabafo, pelo que sabemos, representa o de muita gente em Brasília.

Senhor Governador José Roberto Arruda,

Ref. Sua carta de 2.11.2008 encaminhada aos Administradores Regionais

a) Tomei conhecimento de sua carta em reunião na Administração Regional do Lago Norte, em 10.11.2008. Ela foi lida pelo senhor Administrador Regional, que nos concitou a apreciá-la em reunião próxima. Foi uma carta de impacto. Parabéns! Manifesto-me sobre o seu conteúdo, incentivado pelas palavras do último parágrafo da quinta e última folha: “E ficarei eternamente grato aos que aceitarem a provocação e tiverem coragem de responder, ampliar os questionamentos, corrigir rumos, ousar, pensar diferente, de forma crítica e criativa”. Assim, julguei que o convite era extensivo não só aos Administradores.

b) Li com atenção tanto a carta como o artigo de Roberto Pompeu de Toledo O que esperar dos prefeitos que menciona. Vou juntar uma carta de um morador de Taguatinga Norte (sobre invasão de áreas públicas) e uma frase de um morador do Gama (sobre doação de lotes), endereçadas ao Correio Braziliense (Senhor Redator, 10.11.2008). A carta do Cidadão/Governador José Roberto Arruda e o artigo bem-escolhido de Roberto Pompeu, somados à publicação em Senhor Redator seriam motivadoras de um seminário, com olhos no futuro.

c) Atenho-me primeiramente à sua frase: “[...] se não tem inauguração ao alcance do mandato [o político] tende a pensar duas vezes [...]”. Não há quem não ache, senhor Governador, que todo governante deveria fazer obras com horizonte atemporal. E ter a dignidade de, ao inaugurar uma obra, dizer que “esta obra foi iniciada pelo meu antecessor, fulano de tal, e terminada por mim”. Infelizmente, ainda carecemos dessa conscientização.

d) Sua menção enfática à descentralização imediatamente me remete à questão do enxugamento da Novacap. Diante dessa tendência, descentralização é a única saída. E já começa a acontecer, porém sem o fortalecimento das Administrações Regionais. Não nos iludamos quanto ao corpo técnico das Administrações. Para suprir a falta da Novacap será necessário criar um quadro real e permanente nas Administrações. O quadro que existe hoje é aquele que se desmantela a cada gestão, sem memória, sem continuidade. Não vislumbro outro horizonte a não ser concurso público, de forma a dotar as administrações de analistas, agentes administrativos, técnicos em informática, enfim, todo tipo de funcionário. Verifica-se hoje que há muitos casos de cargos-chave, que deveriam ser essencialmente técnicos, serem ocupados por curiosos ou simpatizantes da área (às vezes nem da área são). Como segurar servidores nas Administrações? Quem sabe uma gratificação simbólica a todos que queiram permanecer. Os especialistas podem se aprofundar nisso. Poderão, assim, tais funcionários, se motivarem a formar equipe que extrapole os comandos transitórios. O fortalecimento das Administrações requer recursos humanos e também materiais, sem nos esquecermos de que motivação é fundamental para que um funcionário “vista a camisa”. Motivado em suas missões, ele não desistirá nos primeiros entraves burocráticos. E acompanhará trâmites processuais com muito mais garra e interesse até a concretização pretendida...

e) Vale lembrar que tanto no quadro efetivo como no quadro temporário deparamos com funcionários bons e nocivos, assíduos e ausentes, responsáveis e displicentes. Não quero entrar no mérito de quem “carrega” uma Administração hoje, se aqueles em regime temporário ou efetivo. E quanto ao seu lamento, Governador, quanto à fila que espera nomeação, na sua menção a “prisioneiros da politicagem que combatemos”, fico imaginando se Barack Obama será cobrado também nos mesmos termos. Imagino que a um povo ávido de mudanças basta ver o novo governante no lugar em que está. Isso é o suficiente. Sei que se ressente disso, Governador Arruda. Nesse particular, na questão delicada em que se encontra para com aqueles que o ajudaram a eleger-se, não tenho o que sugerir, a não ser muita habilidade.

f) Ainda nessa questão, vale registrar um exemplo triste, mas relacionado com sua campanha. Em recente obra executada de calçadas na península norte, um morador obstruiu obra nossa, impedindo que executássemos uma calçada em frente à sua entrada irregular por via secundária. O morador que nos desafiou declinou três características do seu status — ser advogado, ser amigo do Secretário, ter trabalhado na “campanha do Arruda”. Repito o que sempre digo: “de colaboradores como esse, acho que o senhor não precisa”, sem sombra de dúvida. Principalmente porque tem levantado a bandeira da legalidade. Ah! como eu me sentiria realizado se o Governador Arruda, na condição de amigo, um dia batesse à porta da casa desse “amigo-da-onça” e o privilegiasse com uma multa entregue em mãos.

g) Tal assunto nos remete à situação da Fiscalização no Distrito Federal. A partir de 2001, esta foi pensada para ser independente, isenta, à prova de interferências de quaisquer personalidades da política ou de qualquer outro setor. Assim, afastou-se até fisicamente das Administrações. A isenção, segundo muita gente, ficou na teoria. Há quem diga que a postura equânime da Fiscalização, carente de pessoal, não se realizou na plenitude que deveria. Invasores poderosos e invasores desclassificados não têm sido tratados com a mesma medida. Infratores não são coibidos com velocidade e empenho devidos. Por interferências e/ou por conseqüência de falta de pessoal, as operações são priorizadas sabe-se lá com qual critério. Entre uma notificação e uma multa, trinta dias pode se estender a um ano, se houver continuidade do ato fiscalizatório. E a ilegalidade vai se instalando definitivamente, impossível de ser revertida. E nem sindicato da categoria, nem Governo, pasmem, falam em concurso, mesmo diante das evidências de que a dinâmica de crescimento da população e das invasões, um monstro terrível, engole o efetivo de fiscalização que cuida do Distrito Federal.

h) Hoje a Fiscalização está voltada para operações especiais e demandas de ouvidoria. A rotina da ação fiscalizatória rotineira foi preterida, como se não fosse mais necessária. No caso do “amigo-da-onça” citado, morador do Lago Norte, este foi notificado em operação ocorrida em julho/2008, que havia demandado três meses para se efetivar. Tal operação, que focalizou apenas poucas dezenas de moradores, até novembro/2008 não resultou em multa para ninguém, sendo que o prazo era de trinta dias. Diante desse quadro, o que pensar de milhares de outros casos que necessitam ser notificados? É desestimulante... 

i) Existe um discurso muito comum de algumas pessoas, nesse caso do baixo contingente de fiscais. Muitos acham que arquitetos e engenheiros que são inspetores – e que se encontram exercendo cargos-chave em locais estratégicos do Governo – deveriam retornar para a Agência de Fiscalização para engrossar as fileiras no campo. Esquecem-se que a maioria desses profissionais são responsáveis pelas decisões técnicas nas Administrações, nas Secretarias etc. E sua retirada promoveria um desfalque no Governo. Ainda bem que ninguém fala em Arruda de volta à CEB, nem de Ivelise Longhi e Roney Nêmer (estes, inspetores da Carreira) de volta à Agefis. Não sei se sabe, Governador, não há motivação por parte dos arquitetos e engenheiros inspetores da carreira de Fiscalização em especializações, mestrados e outras pós-graduações. São eles hoje equiparados a uma carreira de nível médio. Estes últimos, servidores de nível médio, foram os maiores beneficiados com a Lei 2.706/2001 (hoje alvo das ADIs que tramitam no MP e TCDF). Todos têm direito a uma boa remuneração, mas, deve haver uma distinção entre as categorias, caso contrário, não haveria necessidade de universidades. E cabe ainda dizer que normas, leis, diretrizes e condutas fiscalizatórias foram elaboradas por servidores (muitos deles integrantes da carreira de Fiscalização) que não estão em campo, mas sim nos diversos órgãos do GDF.

j) Concurso, senhor Governador, concurso público, antes que a situação no Distrito Federal saia de controle. Decisão sua nesse sentido é visão de futuro, é a prevalência do interesse coletivo. Vai estar em consonância com tudo o que prega em sua corajosa carta-desabafo. Concurso, senhor Governador, suprindo a carência de técnicos para as Administrações, para a própria Coordenadoria das Cidades (que não consegue pessoal, sobrecarregando quem tira leite de pedras), para o Ibram (que, dizem, tem apenas dois fiscais para atender ao Distrito Federal) e tantos outros órgãos.

k) Resolve-se assim o excesso de cargos comissionados e a questão da funesta terceirização que, em muitos casos, onera os cofres públicos, como é o caso da manutenção, conservação e vigilância, de custos altíssimos. Diz-se que essa terceirização protege mais os empresários que o próprio poder público. Diz-se que determinadas iniciativas comerciais seriam incompatíveis com a missão dos representantes do povo na Câmara Legislativa, mas são exatamente eles que muitas vezes as exploram. Precisamos de muito rigor no controle, na transparência, na punição a atos ilícitos que promovem o escoamento do dinheiro público pelo ralo. Como é triste usar cola branca mais rala do que as que existem no mercado, porque foi adquirida pelo Governo...

l) Quanto a treinamento, qualificação, atualização, não tenho ouvido falar nisso no seu Governo. Onde a Escola de Governo? Sabe-se que até os dirigentes maiores têm de aprender muito, no lidar com seus subalternos. Há dirigentes que menosprezam a atenção que têm de dar aos funcionários, para que tudo funcione melhor. Muitas vezes é necessário desenvolver uma técnica de envolvimento do funcionário num simples ouvir-com-atenção, sem frase feita e genérica, mas frase pronunciada com foco numa questão pontual, singela que seja. E olho-no-olho é importantíssimo no trato dos subalternos. Isso pode ser aprendido, aprimorado. E o treinamento pode levar as pessoas a se situarem nos locais certos. E vale para todos.

m) Dessa capacitação se ressentem os nossos departamentos de informática, normalmente preenchidos com pessoas sem formação, mais curiosas do que especializadas. Não adianta dotar seções inteiras com máquinas atualíssimas e poderosas, se muitas vezes são utilizadas apenas como as obsoletas máquinas de escrever. Não adianta equipamento de última geração se não são fornecidos softwares especializados para os setores que mais necessitam, se não há treinamento nas novas versões de programas, por simples que sejam, se não há suporte condizente com as demandas. E a meu ver não há necessidade de dotar todo funcionário de uma CPU, para ser subutilizada. É dinheiro pelo ralo.

n) O senhor se refere a funcionário “que voa”... Sabe-se que órgãos são “loteados” entre deputados, incluindo as Administrações. Pode não ser regra geral, mas os dirigentes devem ficar atentos ao fato de que muitos funcionários podem estar voando porque são mais fiéis aos deputados do que ao órgão para o qual foram contratados. E isso passa por utilização da máquina pública em prol de interesses não-coletivos.

o) Na parte das interrupções de trâmites e falta de celeridade e continuidade, há de se dizer que muitas vezes obras e projetos não se realizam por falta de comunicação e por falta de interação. Promover isso é um desafio.

p) Não sei se ajudei. Faço votos que o senhor se cerque de pessoas sinceras e que conheçam as deficiências da máquina estatal na ponta. Essas deficiências muitas vezes são camufladas, para que intencionalmente o Governador não conheça os nossos problemas reais. Muitas vezes falta a tal coragem e o bem-vindo pensamento crítico, para que não nos percamos em teorias.

Boa sorte. E que Deus o ilumine sempre. E abaixo os interesses individuais!

ARISTIDES COELHO NETO, em 17.11.2008, arquiteto, inspetor de obras

PS – Quanto ao recorte a seguir, não queremos – como o leitor  Sebastião Gomes – que o Governador se dobre por força de pressões. Quando aos lotes dos militares, não acho que lotes devam ser doados a quem quer que seja. O paternalismo já tem gerado inchaço demais no Distrito Federal. E criado uma nefasta indústria de venda de lotes antes mesmo de escriturados.

Senhor Redator, Correio Braziliense, 10.11.2008

 

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