TEXTOS DO AUTOR

LULA, ACORDO ORTOGRÁFICO E IMORTALIDADE

Lula na ABL, reduto de imortais, foi criticado duramente. Acharam-no fora do contexto, por ser de poucas letras, e por primar pela falta de domínio no uso da língua portuguesa. Veja o que a minha forma de abordagem despertou em uma leitora indignada.

Ao final deste artigo, o manifesto duro, mas sincero, de uma internauta indignada. Poeta e escritora, enxergou no texto desdobramentos que vão além das rateadas de Lula quanto ao nosso português. Ela foi longe e o seu desabafo merece ser lido ao final. 

Lula, acordo ortográfico e imortalidade

De: Turquinho para ari

Enviada em: quarta-feira, 15 de outubro de 2008 10:04

Assunto: Arrependei-vos, infiéis, o fim dos tempos está próximo

Lula, na Academia Brasileira de Letras, falando sobre ortografia. Mais uma prova de que o fim está próximo. São os sinais do Armageddon [acompanha foto].

Dia desses recebi um e-mail que espinafrava Lula por ter feito discurso em 29.9.2008, ora vejam, na Academia Brasileira de Letras, reduto de imortais.

Como se sabe, a cerimônia na ABL, no Rio, prestou-se a homenagear Machado de Assis, por ocasião dos 100 anos de sua morte.

Dizem que Lula chamou, por descuido, a Academia de “Associação” Brasileira de Letras (gostei muito dessa parte). Fez discurso sobre a facilitação do acesso de pessoas carentes à leitura. Destacou a importância da leitura como fator de redução da desigualdade social. Disse do programa de implantação de bibliotecas públicas. Mencionou programa que tem levado livros para famílias que praticam a agricultura familiar e para outros segmentos da população.

Nesse evento Lula assinou o decreto que estabelece cronograma para a implantação do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, que vige a partir de janeiro de 2009 (como se sabe, as normas atuais e as novas coexistirão até final de 2012 para exames escolares ou concursos públicos. Mas os livros já trarão as novas regras em 2010).

Há quem não se conforme que uma pessoa como Lula, de pouco estudo, se arvore a falar de coisas que não entende. E o tal e-mail que circulou na web fazia uma inferência — Lula, na casa dos imortais, no dia em que assinava o decreto do Novo Acordo, entrava supostamente na seara dos lingüistas. Inferência maldosa. Ele não falou do Acordo Ortográfico. Pode ter falado do que se pretende com o Acordo, preconizado desde 1990. Tal manifestação preconceituosa, de pessoa sem grandes estudos usar a tribuna na casa dos imortais, nos leva a algumas reflexões.

Seria Sociologia a exigência de formação para o cargo de presidente da República? ou seria Administração o curso ideal? Da mesma forma, deputado deveria ser formado em Direito? Poeta e escritor deveria ser obrigado a cursar Letras? Músico deveria ser formado em Música? E o caso de revisores textuais? Somente são bons os que cursaram Letras ou Jornalismo? Temos de ser respeitados pelo diploma ou pelo conhecimento e vivência adquiridos? Aliás, a grande maioria das faculdades, em regra, tem fornecido mais diplomas que conhecimento.

Lula, havemos de convir, há alguns poucos anos, se expressava pessimamente. Com máxima isenção de minha parte, tentando não fazer prejulgamento ou posicionar-me contra ou a favor, acho que Lula hoje revela um salto qualitativo quanto a sua capacidade de se comunicar. Reconheçamos – será que teríamos nós outros, que esquentamos os bancos das universidades, tanta habilidade? Esteja sendo ele ético ou não, quero dizer que ele dá o recado...

A História nos diz que muitos e muitos jornalistas eméritos não tinham curso de Jornalismo. E poucos dos grandes juristas que se sobressaíram na sua área tinham diplomas em Direito. Respeitados pelo seu conhecimento, revelavam-se sempre como autodidatas. Há quem diga que seria excelente ter-se um ministro da Justiça sem o diploma de Direito, de forma a evitar corporativismo. Defender a sociedade em vez de atender aos interesses de determinada carreira (ver a primeira op. cit. logo abaixo).

Há um caso interessante de autodidatismo a ser lembrado. O negro sul-africano Hamilton Naki, que morreu em 2005 aos 78 anos, tem uma história impressionante. Abandonou a escola aos 14 anos, nunca estudou medicina, mas lecionou cirurgia durante 40 anos. Excelente cirurgião que não podia aparecer para a mídia, participava ativamente da equipe de Christian Barnard. Em 1967, Naki estava lá ao lado de Barnard, na primeira operação de transplante cardíaco realizada com êxito no mundo. Começou a vida como jardineiro da Escola de Medicina da Cidade do Cabo, chegou a cirurgião clandestino e professor, embora tenha se aposentado com salário de jardineiro...

Em “Canudo descartável – diploma é dispensável para exercer carreiras jurídicas”, publicado na Revista Consultor Jurídico, de 8.9.2002, temos:

 

Particularmente, achamos que a experiência profissional e de vida é muito mais importante do que o diploma. Mas desde o positivismo os "intelectuais" tentam expurgar a sabedoria popular do círculo do conhecimento. [...] com a República a idéia de Iluminismo e Positivismo prevaleceu e os portadores do diploma que se autoproclamaram intelectuais com o apoio dos militares impuseram a sua filosofia.

Bem, este texto está ficando longo e, acho, é hora dar o fecho. Um presidente sem curso superior pode sim administrar com competência política e técnica (se for com ética e justeza, atenderá melhor às nossas expectativas). Basta ter discernimento para escolher colaboradores e assessores. Que sejam sérios, que tenham experiência e boa formação profissional. Essa a regra. E funciona. Ser ou não o caso do Lula, é outra história.

E um presidente pode falar de Acordo Ortográfico no ninho dos imortais? Obviamente que pode, desde que se abstenha de entrar na área dos lingüistas. Ou que fale, até, se estudar o assunto e for devidamente instruído pelos especialistas de sua assessoria ou consultoria. Mas certamente, se tão tantos os epigramas a respeito da formação deficiente de Lula, este, naturalmente, não falaria de neologismos, de sintagmas, de homófonas, de subordinadas adverbiais, de regência, elipse e gerundismo. Mesmo porque grande parte dos acadêmicos da ABL não dominaria o assunto.

Eu e você, adeptos ou não de Lula, também poderíamos conviver com os imortais da ABL, porque brancos e negros, ricos e pobres, republicanos e democratas, civis e militares, emedebistas e arenistas, cristãos e muçulmanos, heterossexuais e gays, jovens e velhos, brancos, negros, amarelos... analfabetos e graduados luminares da cultura, à margem do preconceito... somos todos imortais!

De: ari@aristidescoelho.com.br para Turquinho

Enviada em: quarta-feira, 15 de outubro de 2008 12:16

Assunto: Re: Arrependei-vos... o fim dos tempos está próximo O RETORNO

Grande Turquinho,

Falar do Acordo, na verdade, é para especialistas. Na hora da parte técnica, na cerimônia da ABL, acho que deveria ter entrado o ministro da Educação (que não deve ser um lingüista, mas que é assessorado por técnicos na área).

Se assim não foi, Lula muito provavelmente falou de unificação, do maior prestígio nas relações internacionais, que sofrem, segundo os que se dizem entendidos, um avanço com a padronização de algumas coisinhas na língua portuguesa.

Tenho dúvida quanto a se um presidente, que comanda tantos ministérios, necessitaria ter bacharelado em Letras (se pendesse para a Educação), ser agrônomo (se pendesse para a Agricultura), ser engenheiro, médico (como Juscelino), etc. etc. Da mesma forma, que formação deveria ter um governador do DF? Engenheiro mesmo? como o Arruda? Criador de bovinos? como o Roriz? Ou administrador? [...]

 

Aristides, 22.10.2008

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Sugestões de consulta:

Artigo publicado no jornal “Folha de São Paulo” em 19.7.2005: Presidente, é preciso administrar, acesso em 19 out. 2008. A era do Administrador, acesso em 19 out. 2008. Canudo descartável, acesso em 19 out. 2008.

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COMENTÁRIO DO LEITOR

De: Sandra Falcone
Para: Ari

Enviada em: terça-feira, 25 de novembro de 2008 16:41

Assunto: Re: Texto "protegendo" o Lula... EU JAMAIS!

 

Ninguém mais do que eu criticou esse governo sob a batuta do Lula. Nada com o fato de não ser instruído, a vida instrui. Não acho tb que a falta dos "s" é o ponto da questão. Aliás, é bom lembrar que se preparou por mais de 20 anos para ocupar o cargo, com assessores e professores de alto gabarito. De duas uma, ou não consegue apreender, ou isso tudo faz parte de uma estratégia para ficar mais perto do povão. Na minha visão é a segunda hipótese, isso sim. E sempre que pode mostra o dedo fantasma. Pra dizer que trabalhou, que foi operário, etc., etc. E até o modo de falar meio grunhento é mídia tb, pois existem fonoaudiólogos competentes e dinheiro não lhe faltou pra isso!

 

Uma das pessoas que mais admirei na vida foi um senhor que falava “tauba”, “esprito”. Esses erros nunca me incomodaram, até davam graça aos seus ensinamentos. Aprendi muito com ele e talvez tenha sido ele quem me fez olhar além de uma vírgula ou de um ponto final. O que mais me incomoda no Lula é a inconseqüência, o discurso populista, quando se entusiasma com as suas palavras, quando fala de improviso. Quando é o Lula e não o presidente, querendo falar como presidente. A grande sorte dele é que não fala outro idioma e precisa de tradutor nas reuniões de cúpula que faz com seus colegas. Infelizmente não consigo acompanhar todos os improvisos, ou melhor, felizmente, senão me matava como cidadã.

 

Não sou culta, embora com diplomas universitários, obtidos à noite, enquanto trabalhava durante o dia. Saí da faculdade quase analfabeta e precisei de anos e anos para ser alguma coisa na minha profissão, não porque escrevia ou falava com uma certa correção (e vc sabe o quanto, pois é meu revisor), mas porque trabalhei duro, observei outros colegas, li peças e defesas deles. Fiquei de bico calado em reuniões observando, aprendendo, não me arvorei porque tinha um diploma, como faz exatamente ao inverso o Lula. Acho que a minha melhor qualidade, que aprendi com aquele senhor que falava “tauba” tão bem, foi a humildade. E é o que falta no Lula. A vida de qualquer pessoa pública é cheia de gafes, porque estão sob os holofotes e a maioria da mídia atribui determinadas barbaridades, que ele afirma na maior cara-de-pau, como gafes. Que gafes p... nenhuma. Faz um mês que se referiu à crise mundial que afetará inexorável o Brasil, aliás já afeta, como marola, dizendo que nos Estados Unidos era um tsunami, num gesto mesquinho, fazendo gozação, batendo no peito, vingativo, mostrando o quanto tem rancor, e não como o estadista que pretende aparentar. Todo mundo aplaudiu, não foi? Agora vai baixar as calças e mostrar o bundão, aliás, dele não, dos seus assessores e ministros... E o pior é que essa m... toda vai nos afetar.

 

Quer saber, Ari, o anjo da guarda dele, que durante todos esses anos tem feito o diabo para protegê-lo – pois saiu incólume de todas as crises e CPIs –, está de saco na lua, cheio. Sei disso porque o anjo dele andou falando com o meu. Desculpa o discurso, mas esse artigo que vc publicou é uma m... Fica com o Evandro, esse sim [ver Grogotó] tem conteúdo.

 

Tô indo

 

Sandra

http://sandrafalcone.blogspot.com
www.sandrafalcone.com.br

Comentários (3)

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