TEXTOS DO AUTOR

A VACA, O BEZERRO E OS DOIS HOMENS MAUS

A saga dos justiceiros que localizaram a família do ladrão de cavalo.

Não vou inventar nomes nesta história. Tudo aconteceu mesmo! Lá pros lados das Quintas do Vale Verde, entre as duas planaltinas, a do DF e a de Goiás. Os protagonistas, eu mesmo e Crispim. Quanto tempo faz? Hmmm, já faz muito tempo...

Crispim tinha ganhado um cavalo. Como morava em apartamento pequeno, decidiu levá-lo para a chácara do nosso amigo comum, o Lucas. Até parece que apartamento grande abrigaria o cavalo... Nos fins de semana, as crianças poderiam desfrutar. Ele era manso e muito bonito. Estou falando do cavalo e não do Lucas. Essas crianças eram nossos filhos, compadres, amigos de fé, irmãos camaradas que éramos — faltava muito ainda para virem os netos.

 

Certo sábado, não vendo o cavalo, perguntei sobre seu paradeiro. Crispim o havia trocado por uma vaca e um bezerro. Seu Zé tinha aparecido por lá e feito a proposta. Levara o cavalo para Brasilinha, apelido de Planaltina de Goiás. Traria a vaca e o bezerro no dia seguinte. Isso acontecera há mais de semana. E caiu a ficha — Crispim havia levado um golpe. E que golpe!

Passados quinze dias, me ofereci:

 

— Não podemos deixar a coisa assim. Venha, vamos no meu carro. Temos de achar esse seu Zé em Brasilinha, já que se tem o nome dele, a descrição e o endereço. 

— Certo! Estou me sentindo um abestado. Como pude confiar?— lamentou Crispim.

E lá fomos. Nas delegacias do DF e de Goiás, a pergunta foi a mesma: "O cavalo estaria no DF ou em Goiás?" Saber isso era primordial para registrar o boletim de ocorrência. Pois é, bonito isso, quem saberia?

E saímos fazendo planos tenebrosos, imaginando o reencontro. Muitas coisas sinistras nos passaram pela cabeça. Justiça com as próprias mãos!

— Vamos enterrá-lo num matagal, vivo, só com a cabeça de fora. Aí então é só passar mel e deixar as formigas fazerem o resto.

— Boa! Vi isso num filme. Temos de achar as formigas e o mel.

— O problema é que armazém rural tem veneno pra formiga, não tem formiga.

Já perto da entrada da cidade, havíamos desistido de enterrar o seu Zé vivo.

— Podemos fazê-lo tomar óleo de rícino. E deixar passar a noite num curral.

— Mas óleo de rícino, acho que nem se acha mais. É do tempo da minha avó.

— Ele bem que se lembraria dessa cena para sempre, noite inteira agachado.

— Ou os cavalos e as vacas se lembrariam. Pode acontecer de, com isso, sem querer, estarmos punindo vacas e cavalos... Pensou nisso? Não é nossa intenção punir os coitadinhos dos animais.

— É... Mas temos de pensar numa lição bem dada a esse Zé ladrão de cavalo.

Procura daqui, procura dali, eis que...

— Êpa, acho que a casa é aquela ali, a casa do seu Zé.

A casa era de extrema simplicidade. Uma mulher e três crianças, uma de colo, nariz escorrendo, olhos cansadinhos.

— Boa tarde, senhora. Conhece o seu Zé?

— É meu marido, mas faz quinze dias que não aparece. Estou aqui com esse menino doente, sem nada pra comer.

Crispim botou a mão na testa do menino. Ardia de febre. Foi até lá fora e confidenciou comigo:

— Vamos levar a mulher e o menino até a farmácia.

— Acho que tem de ser mesmo! Mas faça uma cara de mau, já que viemos aqui como justiceiros, na condição de ludibriados, feitos de bobos.

— Certo.

 

O farmacêutico era experiente e sentimos firmeza na medicação. O antipirético foi providencial. Na volta, sugeri que passássemos na mercearia. Fizemos algumas compras para deixar com a esposa do seu Zé. Mantivemos a cara de mau. Acabamos deixando algum dinheiro para uma eventualidade. E demos meia-volta rumo a Brasília. Nem passaríamos mais na chácara.

Podem acreditar, foram uns dez quilômetros de silêncio. Até que alguém se manifestou.

— Nós, como homens maus, somos um fracasso!

— Também acho.

— Por falar nisso, chegou a ver alguma vaca com bezerro? Hehehe...

— Deixa pra lá. Quer saber? Estou me sentindo melhor agora na volta do que na ida... Pode?

— Claro que pode.

 

Aristides Coelho Neto, 30 out. 2013

PS — Para que você, leitor, não perca totalmente seu tempo com o texto insosso, pinte a vaquinha de marrom.

 

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