TEXTOS DO AUTOR

O PRINCIPAL SUSPEITO

O delegado tinha por obrigação interrogá-lo. Afinal, o internauta tinha razões de sobra para ser o agente daquele crime ignóbil.

Se eu tinha algo contra ele, delegado? Bem, de muita coisa que ele fazia, eu nunca gostei. Exemplo? Bem, a gente usava muito a internet. Como ainda uso, claro, quem sobrevive sem ela? Ele gritava comigo nos e-mails. Como? Ora, escrevia tudo em caixa-alta, ou seja, aos berros! Pra completar ainda pintava as frases de vermelho. E não tinha papas na língua. Despejava as críticas, as ofensas, tudo sem aquela censura que aliás faz muito bem, igual canja de galinha. Todo mundo está cansado de saber que muito (ou tudo) pode ser amenizado com um :) ou um rs. Mas nem isso. Ou seja, fica pesado sem rs, o senhor sabe. Um risinho, na internet, deixa tudo mais digerível. A gente fala verdades e bobagens. Ao final, um rs dá um toque de leveza, de que tudo aquilo é assim, mas pode não ser. Fica no ar se o que se disse é confiável ou não. Um toque de que aquilo não é bem o que a gente pensa. Que a gente pode voltar atrás. Sei lá. Um ademane, um trejeito.

Ele mandava coisas com autoria adulterada. Coisas do Arnaldo Jabor que não eram deles. Coisas do Luis Fernando Verissimo que sabidamente não eram de sua autoria.  Uma vez chegou a mandar uma receita de emagrecer do Chico Xavier. Sei que o Chico não era disso. Sem contar o vírus devastador que quase detonou o meu HD. Bem, ele não tinha noção, não ti-nha-no-ção! Fico chateado que ele tenha acabado desse jeito. Mas eu... simplesmente... jamais... doutor, jamais!

Pra o senhor ter uma ideia, era comum ele publicar coisas não no mural dele, mas no meu! lá no facebook. O pior era começar a conversar comigo sobre coisas que nada tinham a ver com determinada publicação. Fugia do tema completamente perguntando coisas bestas e pra todo mundo ficar vendo a conversa. O que é mural? É o feed de notícias, um lugar em que os amigos íntimos escrevem. Ele não era íntimo. Mas se achava. Aliás, ele tinha 2.400 amigos no facebook. O senhor tem quantos amigos no face, doutor? Desculpe, sei que não interessa.

Coisa que me deixava enlouquecido era ele corrigir meus erros de português. E ainda fazia intermináveis recortes lá do Língua Brasil, do Pasquale, e colava, colava, como se eu fosse ler tudo. Como se eu tivesse pedido aulas de português. Ora, se eu precisasse de alguém para corrigir meus textos ia procurar um revisor...

Repasse de e-mails? Deus me livre, teve um dia que me mandou 56 num dia só. Todos com anexos de mais de 10 MB. Haja internet veloz para tanto download. E tem mais: me mandava textos imensos. Depois me fazia perguntas sobre eles pra ver se eu havia lido mesmo... E as correntes? Mama mia! E não apagava os endereços daquele montão de gente. Sem contar que eu sabia, aliás, todos sabiam, a hora em que ele ia ao banheiro. Dava as dicas todas  no face, twitter, linkedin...

O que eu tenho mais a dizer? Acho que já disse tudo. Mesmo assim, não fui eu quem matou o desgraçado. Agora, que eu postei aquilo, isso sim! Postei mesmo! E não tenho a mínima vergonha de dizer, senhor delegado. Isso mesmo, as fotos dele namorando uma cabrita fui eu que divulguei. E faria tudo de novo se preciso fosse.

Aristides Coelho Neto, 24.3.2013

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