TEXTOS DO AUTOR

SABE COM QUEM ESTÁ FALANDO?

Passados cinco meses do escândalo revelado pela Operação Acton, que envolveu a AGEFIS, pondero sobre o caso de eventuais inocentes no processo. E apelo para o senso de justiça e equilíbrio em que devemos nos pautar sempre em nossas análises.

Ao final de setembro de 2011, a Operação Acton da Polícia Civil incriminava auditores de obras da AGEFIS — Agência de Fiscalização do Distrito Federal, em Brasília, a que pertenço. E eu fazia desabafos por meio do texto "Agefis, de fiscal a fiscalizada". Verdades ou inverdades à parte, lançava-se lama em nossa reputação. Houvesse ou não fundamento, essa mancha perduraria por meses ou anos. Toquei em meu artigo nos vários aspectos da pandemia da corrupção, que afeta os três poderes, o Brasil e o mundo, em maior ou menor grau, porque essa praga é própria do ser humano.  Pondero no texto mencionado, como consolação, que, estatisticamente, onde houver gente, vamos detectar os mais variados tipos de comportamento, dos mais nobres aos mais torpes. Digo ainda que muitos aproveitam o ensejo para alardear o fim da AGEFIS. É o sonho de muitos: acabar com a fiscalização, para que os aproveitadores transformem Brasília num faroeste. E salve-se quem puder.

Sabe com quem está falando?Ao exaltar o senso de justiça, em prol da ordem social, menciono ainda o caso dos inocentes nesse processo. É sobre eles que vou falar agora, passados cinco meses em que o escândalo veio a público.

Não imaginem vocês que por meio deste texto vou me posicionar quanto à situação dos auditores indiciados. Após analisar o caráter da denúncia, diante da perspectiva de o assunto se arrastar por meia década (pois falta efetivo aos analistas do processo na polícia), diante de algumas provas que carecem de substância, quero apenas perpassar pelo drama dos inocentes. Quem são? Não sei.

Conhecem o célebre "você sabe com quem está falando"? Conhecem o "jeitinho brasileiro"? Claro que sim. O primeiro é contundente, expressa hierarquia, autoritarismo,  desrespeito. Nem todos podem usar disso. O segundo é diferente. É mais difundido por quem não tem uma identidade social poderosa para dar uma "carteirada".   

O primeiro tem desdobramentos — o sujeito não é poderoso, mas é amigo de quem apita. Isso lhe confere poder.

Certa vez, a guarda de trânsito Rosimeri Dionísio, em Copacabana (cf. matéria publicada pelo jornal "O Globo", em 11.6.2002), em pleno exercício de sua função, multou por estacionamento irregular o carro de um desembargador. Há seres que se julgam acima da lei. A prepotência do desembargador fez com que Rosimeri fosse parar na delegacia, acusada de abuso de autoridade, ora vejam! Se bobeasse, teriam tomado seu talonário. Esse constrangimento terminou posteriormente num  almoço com o então prefeito do Rio, César Maia, a título de retratação. Mais em função da repercussão do que qualquer outra coisa, penso eu.

Voltemos ao caso dos auditores. Tudo aqui é hipotético. E o leitor tira suas conclusões sobre as variações do "você sabe com quem está falando?" e do "jeitinho brasileiro"...

Uma obra irregular desponta. E tem continuidade. Seu proprietário é notificado, multado, intimado a demolir, como reza a lei. O proprietário se defende, pois sempre lhe é facultado entrar com pedido de impugnação da ação fiscal impetrada. Mas seu pedido é indeferido. A obra não é passível de regularização. É novamente multada, pois é esse o procedimento. E é embargada, interditada. Sabiam que as interdições deveriam ser mantidas pela polícia? que não tem efetivo para mantê-las todas?

Não há saída para o infrator... a não ser o "você sabe com quem está falando?" e o "jeitinho brasileiro" mesclado com jeitão mafioso. Denuncia-se então o agente fiscal. Infere-se que ele é um corrupto, e ele entra de gaiato numa investigação sobre grilagem, parcelamento irregular do solo etc. É situação parecida com o emporcalhamento da vida de um cidadão que era feito no antigo DOPES, na era da ditadura. Não se prova, o processo dura anos, mas a vida da pessoa está chamuscada.

Vemos então uma "carteirada" de alguém que pode não ser poderoso, mas que conhece quem é poderoso. Ele é apenas uma das quase 7 bilhões de criaturas que existem no mundinho Terra. Ele é apenas mais um ser vivo entre 3 milhões de espécies que existem. Essa terrinha onde ele mora gira em torno de uma estrelinha chamada Sol, dentre outras 100 bilhões. Um microponto no imensurável universo, como afirma o filósofo e educador Mário Sérgio Cortella. Mas o ser infrator se julga acima de todos os outros mortais. E quer demonstrar isso em sua forma de retaliação.

Tudo isso é hipótese. Nada de juízo de valores. Mas vocês sabem, perspicazes que são, que não é ficção, já que é perfeitamente passível de acontecer. Mas o que não é hipótese mesmo é a desestruturação emocional dos inocentes implicados. Isso é fato! E é triste.

Outro fato é a continuidade da obra irregular, já que todos agora morrem de medo. Gostaram da estratégia? Estaria eu delirando?

Aristides Coelho Neto, 26.2.2012

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