TEXTOS DO AUTOR

E ELES ME MANDARAM EMBORA...

Um bilhete azul, mil conjecturas. Uma torneira. Muita água e dinheiro pelo ralo. E muita gente despreparada para gerir a coisa pública.

Não há como: hoje tenho de escrever sobre a minha descoberta. E já que é coisa boa para o meu ego, nem a notícia péssima do arquivamento do processo de cassação de Jaqueline Roriz vai me demover da ideia. Eu tenho de escrever mesmo! É coisa positiva. Relaxante, pelo menos pra mim. Tenho de registrar essa minha satisfação. Tenho certeza de que vai funcionar como oração de São Bento e folha de louro: afasta mau-olhado, anula o efeito de qualquer notícia ruim, traz um bem-estar indizível, é como banho de sal grosso. Antes, porém, deixem-me dizer da frase da Jaqueline que me chamou  atenção. Ela disse que respira política desde pequenininha. E seguiu os passos do pai. Seguir esse caminho do pai, pra mim, explica tudo. Se isso incrimina Jaqueline? Ora, é mais que uma confissão. Mas muitos não veem assim. E há outros que dizem ser caso típico de DNA.

Voltemos à boa notícia.

Passei anos sem saber por que me mandaram embora daquele local em que eu era presidente daquela comissão de recebimento. Isso mesmo, naquela Brasília, daqueles habitantes que representam um pouco de tudo aquilo que temos neste Brasil imenso. Temos gente séria. Temos meliantes. Temos aqueles de comportamento exemplar, temos outros tão acostumados com inversão de valores, que nem sabem mais onde o limite entre o bem e o mal, entre o certo e o errado. Para estes, ilicitudes e falcatruas estão entranhadas no seu cotidiano, já que conviveram com elas por todo o sempre, e pouco a pouco aprenderam a ser agentes delas também. Êta mundão véi de guerra. Um grande laboratório.

E eu pensando que era pelo excesso de detalhes dos meus relatórios recheados de fotos, ou o fato de eu apontar problemas de projeto que deveriam ser sanados, ou por ferir susceptibilidades ao imprimir velocidade nos trâmites... Uma coisa é certa: nem sei por quanto tempo tentei descobrir o motivo de minha demissão sumária (me deram dois dias para sair, me lembro).

Pois é, hoje alguém disse de supetão: "Vai me dizer que você não sabe o motivo? Pois todo mundo soube à época!”.  O fato é que só hoje tive a oportunidade de saber — fui mandado embora não por injunções do trabalho, não por incomodar os colegas técnicos como eu, não por despertar algum receio em partícipes de algum esquema mafioso...

Dinheiro pelo raloFui mandado embora porque denunciei na administração geral que o lavador de carros usava uma mangueira para lavar carros particulares no estacionamento. E por essa mangueira, sem esguicho de controle do fluxo, vinha uma água tratada e cara, incessante, caudalosa, da torneira de uma Secretaria de Estado. Água que eu e você pagamos. E o motivo de minha demissão caiu na boca do povo. Mas não nos meus ouvidos moucos. E nesses anos todos conjecturei, conjecturei, sem saber dessa verdade gostosa.

Ah! como são saborosas algumas verdades! Fui despedido, escorraçado, dois dias me deram para tirar o time de campo, porque fui ético e cidadão. O mais interessante é que quem pediu minha saída foi embora, algum tempo depois, por um motivo também ligado a esse tema da ética. Ética por outra ótica. A operação Caixa de Pandora, da Polícia Federal, o destituiu do cargo... Agora sei até que foram vários os comentários sobre a questão da torneira. Muitos acharam que se a torneira fosse fechada ao lavador — agora sem a água excedente, que outrora escorria pela grama, antes de sumir pela boca de lobo, e que propiciava vida e viço à grama batatais —, haveria nítida alteração do minibioma nas cercanias daquele estacionamento.  Batatais é o nome popular da Paspalum notatum, aquela gramínea heroica que sobrevive à seca cáustica do Planalto Central, ressurgindo como se nada tivesse acontecido. Desse desserviço, claro, de deixar a grama seca, seria eu o culpado.

Pronto, agora que escrevi, meu alívio chega ao ápice. Coisa boa! Funciona como terapia. Só falta o fecho. Vou tentar algumas frases.

Água pelo bueiro, ora, o que os olhos não veem o coração não sente. Que tal fecharmos os olhos para viver melhor?  Não gostei.

Vamos a outra. Como esse mundo dá voltas! Outra mais. Tudo na vida tende ao equilíbrio, embora a gente pense que tudo está perdido. E outra. Mais vale ser injuriado que injuriar, ser despedido por motivo injusto que despedir.  

Tentemos esta última. Os lavadores de carro, coitados, indiferentes a essa discussão bobinha, continuam dando duro, lavando seus carros, às vezes com latas, às vezes com mangueira por aí. E a água segue. Escoa, sem escolha. E o dinheiro... às vezes flui pelo ralo, no descaso com a coisa pública. Ou estanca, sempre no bolso de alguém que se julga esperto e invulnerável. Até que um dia a casa cai. E tudo volta ao normal. Entra então o tal do equilíbrio.

Aristides Coelho Neto, 30.8.2011

Comentários (3)

Voltar