TEXTOS DO AUTOR

CORRENDO ATRÁS DA BRASILIDADE

Retomar o orgulho de ser brasileiro vai ser tarefa difícil. Mas não impossível.

Sergio Pérez, piloto mexicano da Force India, dizia, em julho de 2014: "Quanto mais conheço o mundo, mais orgulho sinto de ser mexicano". Fala assim, revestida de mexicanidade, pode parecer sentimento cômodo de patriotismo, ou de nacionalismo de ocasião, aquele mesmo que nos acomete — aos brasileiros — em época de Copa do Mundo. Mas tenho que não é ufanismo do mexicano. A independência do México é comemorada em setembro. Nesse mês inteiro (isso mesmo!) os mexicanos enfeitam as casas, os bares, as ruas. Sentem orgulho de ser mexicanos. Até o homem do realejo usa uma faixa com as cores da bandeira. O que aconteceu com o nosso sentimento de brasilidade? Um amigo escritor e poeta diz: "O ódio comeu". Ora, convenhamos, isso já vem de algum tempo. De antes da dicotomia do ódio recém-instalada no Brasil.

Este texto surge num momento em que estão acirrados os ânimos quanto à obrigatoriedade de cantar o Hino Nacional nas escolas, ato prejudicado pelo monitoramento obrigatório, invasivo, preconizado por um ministro importado, que fala com sotaque. E, quem sabe, rezar nas escolas (esse assunto tem sido atrelado ao outro). 

Até a chegada da coroa portuguesa, em 1808, não existia unidade no Brasil. Afirma Leandro Carvalho (ver Construção da nação brasileira) que até então "a população não possuía um sentimento de nacionalidade e de patriotismo". Segundo Carvalho, fator importante para tal foi a "construção da imagem do imperador do Brasil, D. Pedro II, como líder da nação brasileira, juntamente com a construção dos heróis nacionais". A unificação territorial era fundamental. "A partir da unificação da população é que começou a se identificar uma memória e uma história em comum — a bandeira nacional, o hino nacional, os heróis nacionais e a figura do imperador."

Foi fundamental para a construção do sentimento nacionalista brasileiro a criação do Instituto Histórico e Geográfico do Brasil, em 1838. "O instituto foi responsável por escrever uma história coesa sobre o Brasil, que unia seus mais diferentes povos em um sentimento de nacionalismo. Também, no século XIX, a criação da Academia Imperial de Belas Artes contribuiu para a construção da identidade nacional brasileira. Por meio de pinturas, chamadas de pinturas históricas, fatos e acontecimentos históricos fundamentais para a história do Brasil foram reproduzidos, como o grito do Ipiranga [...] transformado em quadro, em 1888 [...]. A construção da nação brasileira, o sentimento de nacionalidade, de patriotismo, de civismo, e a identidade nacional foram forjados por uma elite política imperial. Nesse processo, faltou a participação das camadas populares da sociedade. Esse fato explica a apatia brasileira em relação às questões relacionadas à corrupção política e à ínfima consciência política do povo brasileiro."

Alexandre Fogaça e Soraia Sene trazem alguns aspectos interessantes do problema em Patriotismo, um sentimento em extinção, partindo do pressuposto de que o orgulho pelos símbolos nacionais está cada dia mais em baixa no Brasil. Para o jornalista Heródoto Barbeiro, circunstâncias históricas fragilizaram o sentimento patriótico em nosso país. "A ditadura militar se apropriou dos símbolos nacionais. Então, a oposição e quem era contra a ditadura rechaçaram completamente essas demonstrações cívicas", explica Barbeiro. Perspectiva semelhante é da psicóloga social Nanci Gomes: "Após a ditadura militar, ocorreu em nossa sociedade um movimento para abolir a expressão do nacionalismo e desvincular os símbolos nacionais do exercício da cidadania". 

Entre tantas pinceladas rápidas sobre esse pungente problema nosso, vem outra visão singular sobre esse tema. O procurador de Justiça Roberto Liviano afirma que a ausência de patriotismo é um fenômeno que vai além de nossas fronteiras e tem a ver com a febre do individualismo. "As pessoas deixaram de colocar o interesse coletivo como prioridade, fazendo prevalecer os interesses individuais", aponta o procurador.

É de se notar que os estudiosos do fenômeno estão de certa forma afinados — o sentimento de amor à pátria está em extinção por aqui. E isso não é bom, pois prenuncia problemas. Se o assunto é de real complexidade, há de se enfrentar esse tema com muita clareza e inteligência estratégica quanto ao marketing a implementar.

Dia desses recebi vídeo em que, ao falar do vandalismo e da banalização dos costumes nas escolas, o autor — entre juízos de valor generalizados e verbalização da sua ideologia particular — dizia também da necessidade de se rezar na escola. Convenhamos, é conveniente a escola cuidar do alimento espiritual? ou isso caberia às várias igrejas, templos, casas de fé, e principalmente à família? Ocorre que a gente tenta se livrar de uma ideologia e nos chega outra! 

A questão da libertinagem nas escolas parece ser uma onda um pouco diferente da de tempos passados. Na minha época, trocavam-se provas na calada da noite, inventava-se curto-circuito para não ter aula, jogava-se maria-mole um no outro quando o professor se virava de costas para a turma. Hoje, mata-se. A sexualização e a violência chegaram com força, facilitadas pela internet e pela falta de uma educação de qualidade, falta de controle em casa, pela família (ou até pelos dramas familiares, em razão do desemprego). Educação no Brasil sempre deixou a desejar nas últimas décadas — o descaso para com ela é evidente. O país é grande territorialmente, a sagacidade é enorme, em detrimento do coletivo. Os ratos abundam, o ralo é imenso por onde escoa o pudor e o dinheiro público. Sem freios éticos e morais, esses ratos desviam até dinheiro de merenda escolar. 

Retomemos o caso do Hino Nacional e de reza na escola. Espero que o costume de entoar esse nosso canto solene (tão difícil) volte. Só que gravar e mandar para o MEC não faz sentido! E rezar na escola? Aprender sobre qual religião? Uma questão delicada. Não podemos, mesmo cristãos como eu, ser ingênuos. Imaginem na época das Cruzadas o que trariam os religiosos "cristãos" para a escola. Imaginem na época do assassinato em massa, na famigerada Noite de São Bartolomeu, o que trariam os religiosos para a escola? Imagine os "santos" inquisidores e os matadores de milhares de cátaros e valdenses na França, o que não trariam para a escola?

A prática da oração, valores éticos e morais, isso se aprende em casa! Não é professor nem diretor que escolhe entre catolicismo, protestantismo, espiritismo, islamismo, budismo para ensinar na escola. Qual doutrina a melhor? Como enfiar Deus goela abaixo na escola? Há de se lembrar ainda daqueles que só acreditam na perspectiva do nada. O que os violentos e espetaculosos nos trariam para a sala de aula? 

O poder religioso já fez muita titica ao longo da história. E o atraso da humanidade contabilizou mil anos — por isso religiosos retrógrados inspiram medo. Temos então que ter um estado laico e humano. Caso contrário, os extremistas loucos tomarão conta. Alguns deles querem voltar à Idade Média, querem o Criacionismo, afundando a Teoria de Darwin. Outros querem aplainar a Terra. Outros mais demonstram ingenuidade inacreditável. 

A despeito da cruzada heroica de Lutero contra as indulgências (quando se comprava o Céu aqui na Terra), temos doutrinas novas que trouxeram as indulgências de volta, prometendo prosperidade material a quem mais doa para a sua igreja, fazendo submergir na falência muitos incautos e suas famílias. Deus nos livre! O que não farão esses arautos imiscuindo-se na política e nas diretrizes governamentais?

Quanto ao Hino Nacional, eu quero — o brasileiro quer — voltar a cantar. Para isso, vamos a uma campanha séria e inteligente! Nada de campanhas atabalhoadas, que não vai dar certo. Nada de programas mal cozidos — o brasileiro anda muito maltratado, ressabiado. E descrente.

Aristides Coelho Neto, 11 mar. 2019

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