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O ETANOL PROIBIDO

O preço do álcool combustível é uma droga no Distrito Federal. O DF é o local do Brasil em que menos se usa o etanol, conforme reportagem do Correio Braziliense. Saiba por quê.

Assim como eu, muitas pessoas gostariam de usar álcool como combustível aqui em Brasília. Mas o preço não permite. Hoje o Distrito Federal é o local do Brasil em que menos se usa o etanol, conforme reportagem de Flávia Maia e Júlia Campos, do Correio Braziliense.  Não há quem venha dirigindo de São Paulo, passando pelos estados de Goiás e Minas, que não se escandalize com o preço do álcool no Planalto Central.  Com a Operação Dubai (Polícia Federal, Ministério Público e Conselho Administrativo de Defesa Econômica), a partir de novembro de 2015, o cartel do combustível sofreu algumas baixas.  Gente presa, condução coercitiva, intervenção na administração da Cascol, a rede de postos que no Distrito Federal detém quase 30% dos postos. Claro que possuir essa quantidade de postos acaba por facilitar a cartelização.

Infere-se que os resultados da operação Dubai permitiram que tenhamos hoje preços de gasolina semelhantes aos de São Paulo.  Hoje o litro da gasolina gira em torno de R$ 3,60 no Distrito Federal.

Mas não se sabe se é isso mesmo. Se a gasolina custa R$ 3,60 em São Paulo, lá o álcool custa R$ 2,60. Diferença de R$ 1,00 ou mais. Aqui a diferença entre os preços da gasolina e do etanol é cerca de R$ 0,20. Obviamente, nossas intenções ecologicamente corretas de poluir menos vão por água abaixo. Usar etanol no DF, jamais!

Se o frete da gasolina e do etanol é o mesmo, difícil entender essa margem de lucro que se estabelece no DF, inviabilizando intencionalmente o uso do combustível verde que vem da cana. Convenhamos que se o etanol não vier de São Paulo, mas de Goiás, o frete ainda é menor.  Sempre se fala dos altos impostos no DF. Seria essa a causa do preço astronômico do álcool? Mais que provado que não!

Segundo a jornalista Flávia Maia, na análise de Vander Mendes Lucas, economista e professor da Universidade de Brasília (UnB), subir o preço do etanol faz parte da estratégia empresarial de manter os preços da gasolina mais altos. “Se aumenta o custo do etanol, aumenta o custo da gasolina também [...]”, explica [a reportagem é de fev. 2016].  “Isso mostra que essa estratégia de tabelar lucro tem problemas e que a população vai continuar insatisfeita”, complementa.

"Para o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), há evidências de que a comercialização do etanol não interessa ao cartel instaurado em Brasília. Documentos da investigação mostram que, até 2007, as margens praticadas para a gasolina e o etanol eram similares. [...] Com a entrada intensa de carros flex no mercado automobilístico brasileiro desde 2007, a gasolina e o etanol passaram a ser combustíveis concorrentes. Nesse momento, os postos das principais redes do DF optaram por hostilizar o etanol como opção ao consumidor. 'O cartel tenta fazer o álcool não ser viável no DF', defende Ravvi Madruga, coordenador-geral de análise antitruste do Cade." (ver reportagem do Correio Braziliense de 7.2.2016).

Diz a reportagem de Flávia Maia que "o que intriga membros Cade é o desinteresse dos empresários locais pelo etanol. Uma das explicações seria a de que os postos não queiram gerar concorrência de produtos no mesmo estabelecimento comercial. As peculiaridades mercadológicas do etanol também não interessariam às redes de abastecimento. Ao contrário da gasolina, que só tem um fabricante nacional – a Petrobras –, o etanol pode ser comprado de vários distribuidores, o que demanda mais negociação e pesquisa. Além disso, por conta da safra, o etanol oscila bem mais o preço do que a gasolina. Diante dessas características, Ravvi explica: 'mais fácil fazer cartel com gasolina do que com etanol'".

Segundo o G1 (Gabriel Luiz – globo.com, 16.5.2016) o esquema era o seguinte: "A estratégia do grupo era tornar o etanol economicamente inviável para o consumidor, mantendo o valor do combustível superior a 70% do preço da gasolina – mesmo durante o período de safra da cana. O cartel forçava os consumidores a adquirir apenas gasolina, o que facilitava o controle de preços e evitava a entrada de etanol a preços competitivos no mercado.[...]". A cada 50 litros de gasolina, prejuízo para o consumidor de mais ou menos R$ 35.

Se essa notícia é de maio de 2016, percebe-se que nada mudou nessa questão quase um ano depois.

Seja lá qual a razão do etanol ser inviável, somos envolvidos por um sentimento de impotência e desconsolo diante da situação. Seria impraticável um plantador de cana da redondeza, um usineiro de pertinho e um empresário arrojado, abrirem postos só de álcool a preço convidativo? Seriam perseguidos? seriam impedidos? correriam risco? 

Ao final da reportagem de Flávia Maia, é importante anotar esta notícia: "Em janeiro de 2015, o Executivo do Distrito Federal anunciou um pacote de medidas tributárias. Entre elas estava a de diminuir a alíquota do etanol de 25% para 19%. Porém, a proposta não passou na Câmara Legislativa local e, em vez de cair, a porcentagem de alíquota subiu de 25% para 28%, a mesma da gasolina". Segundo reportagem do Correio publicada no dia 25.11.2015, nas eleições de 2014, as empresas de comercialização de combustível doaram quase R$ 850 mil a dezenas de candidatos. Entre os eleitos, onze deputados distritais –  dos 24 totais –  e seis federais – dos 8 totais – receberam recursos".

Dá pra entender? Claro que dá — o crime organizado emerge não só de dentro das prisões, mas também de dentro das Casas Parlamentares do nosso Brasil.

Se tudo que foi relatado é verdade? Difícil saber. Dizem que a imprensa muitas vezes se equivoca.  Foi o que ouvi na semana passada de um dono de três postos, que, aliás, dá sempre impressão aos clientes de estar sempre na contramão do cartel do DF. Ouvi, no entanto, a crítica dele ao modo como foi feita a intervenção na rede Cascol. E sugeriu que eu falasse com as distribuidoras de álcool e não com os donos de postos sobre o assunto...

Se exagero, se faço inferências, se os órgãos de comunicação estão certos ou errados, não houve como conversar com o pessoal do MPDFT sobre o assunto. Pedi uma audiência em 4.2.2017, na condição de cidadão, com o promotor Clayton Germano. Em 7.2.2017, recebi resposta negativa. Consultou seus pares e achou mais prudente não se manifestar sobre o tema.

Cá comigo, imagino que cidadão que escreve é um pouco mais segregado que os outros.      

Num ímpeto globalista, fico aqui pensando em mandar nossos parlamentares para a Suécia — para morar em quitinete, andar de ônibus e pagar seu próprio combustível; os presos socializáveis também para a Suécia, com suas prisões exemplares que recuperam; os presos que cortam cabeças para a Sibéria; e  os responsáveis pelo cartel de combustíveis para a Síria de Bashar al-Assad, bem perto da produção de petróleo, claro, bem longe do etanol.

Aristides Coelho Neto, 7.2.2017

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