TEXTOS DO AUTOR

O FUNDO DO POÇO

Estarmos ou não no fundo do poço, na questão da ocupação desordenada do solo no Distrito Federal, pode ser assunto controverso. O que é líquido e certo é que falta líquido no fundo do poço. E faltam ideias e empenho do Governo.

Não há como precisar se o Distrito Federal chegou ao fundo do poço na questão da ocupação desordenada de seu território.  O fundo do poço é local impalpável, subjetivo, profundo. Lá falta luz. Ou seja, quando pensamos que estamos no fundo do poço, o fundo mesmo pode ser ainda mais embaixo.

Dia desses um agente público ponderou que São Sebastião-DF vem sofrendo intensa e desordenada antropização. E em sua  maioria planejada e executada por grupos criminosos que clandestinamente parcelam e comercializam terrenos públicos. Descumprem normas de uso e ocupação do solo no DF. Ao tempo em que embasava sua denúncia, apelava para a necessidade imediata de repressão a obras e parcelamentos irregulares. Citava bairros de São Sebastião em franca e preocupante expansão. Ele tem razão. Mas problemas assim grassam por todos os lados no Distrito Federal. É geral.

Nós, agentes de fiscalização, consideramos que a cada 10 edificações derrubadas surgem 500 outras. Consideramos que a dinâmica desenfreada de invasões no Distrito Federal —que se acentuou nos últimos dois anos — vai comprometer seriamente a qualidade de vida da população, com ênfase nas questões de Segurança, de Infraestrutura, Saneamento Básico, de Abastecimento de Água, dentre outros.  

As estratégias de combate a irregularidades edilícias e de grilagem estão comprovadamente equivocadas, e em breve o Poder Público deve capitular em face do caos que se estabelece no Distrito Federal pela ocupação desordenada do território.  Tenho insistido que nós, cidadãos e/ou agentes públicos, uma vez sensibilizados da situação catastrófica que vivemos, deveríamos tocar nossos dirigentes imediatos para que, em regime de extrema urgência, levem ao Governador um retrato do que pode acontecer daqui para a frente.  Estamos nos esquecendo de que esta é a Capital da República e como tal tem de ser preservada minimamente. Se as estratégias devem abranger o uso do Exército, da Força Nacional, não me cabe aqui elencar ou propor, mas cabe lançar o alerta quanto ao que estamos observando no DF como um todo— ocupação criminosa e desenfreada.

Há de se considerar que muitas ocupações ilícitas não são objeto de demanda — vicejam, desapercebidas,  sem obstáculo algum, sem que a Fiscalização tenha conhecimento. Ou todos acreditam que o Governo tem conhecimento de toda ocupação ilegal que acontece no DF? Isso seria onisciência.

Ora, não há mais fiscalização de rotina, ao contrário do que a AGEFIS (Agência de Fiscalização do Distrito Federal)  informa sempre a quem a indaga oficialmente. E falta efetivo. E faltam veículos para acessar locais insólitos.  Quando os agentes vão a campo, têm objetivos definidos pelas demandas. Trabalha-se hoje por demanda, não mais se faz fiscalização rotineira. 

Outro aspecto que tem preocupado os agentes de fiscalização é que os ocupantes ilegais de antes de julho de 2014 estão em situação cômoda, porque o Governo resolveu voltar os olhos prioritariamente para as ocupações irregulares recentes. Baseado em quê, não se sabe. Costumo dizer que é como eleger apagar incêndios apenas dos últimos trinta minutos.  Os que tiverem uma hora, duas ficariam relegados a segundo plano.

O que se alardeia em respostas a Ministério Público, TJDFT etc., órgãos que exercem pressão sobre as instituições envolvidas na questão, é que a AGEFIS cumpre a sua parte. IBRAM provavelmente responde o mesmo. SEGETH também. TERRACAP também. Se todos cumprem o seu papel, afinal, quem o está descumprindo? Quem está se omitindo? A Governadoria?

Registre-se que os relatórios da Fiscalização vinculados às demandas não têm o coroamento esperado das ações. Um prédio embargado, interditado, multado três, quatro vezes, floresce até sua conclusão e para a venda das unidades porque o proprietário teve persistência.  As casas derrubadas, erigidas ao arrepio da lei, em sua maioria sempre renascem das cinzas, se o responsável, geralmente invasor, tiver persistência.  Um restaurante ilegal que avança sobre praça (acontece no Lago Norte, área regularizada) — e que toma 1.000 m² de área pública — dá total continuidade em suas atividades, apesar de interditado pela AGEFIS,  em sua dormência para demolir, a despeito de tal operação estar prevista na programação de desobstrução. Bem, todos sabem que nossos deputados intervêm em questões assim sem o menor pudor. Recentemente ameaçaram trancar a pauta na Câmara Legislativa se a AGEFIS não parar de demolir...  Em qualquer desobstrução há sempre um deputado que chega e diz que fará de tudo para regularizar. Às vezes nem sabe do que está falando. Em meio a aplausos interesseiros, sua real preocupação é com o curral eleitoral que pode nascer ali.

Algo de concreto tem de ser feito no Distrito Federal, diante de uma situação premente, preocupante, que, parece, os governantes não estão percebendo. Quem lida com mapas e georreferenciamento percebe de imediato a mancha crescente de ocupação desordenada. Que avança sobre as áreas rurais e urbanas. Que não poupa matas ciliares, não poupa nascentes. Sobrevive o mais esperto.

Se falta efetivo e planejamento, falta também vontade e sensibilização para o quadro de guerra que se vislumbra.

Nas conversas com funcionários de vários órgãos, tudo parece corroborar nossa tese. Ou seja essa tese deixa de ser minha — é de todos.  Há conjunção de anseios.  No entanto, chega-se sempre à conclusão de que o Governo está falido, carente de efetivo, de dinheiro, de planejamento, de ideias e de capacidade de decidir. Governo cego, que não consegue antever o futuro sombrio que nos espera.

A CAESB — é Governo — ameaça aumentar a tarifa de água em razão da crise hídrica que se apossa do Distrito Federal. Como assim? Considerando as mazelas da adversidade climática e as mazelas do Governo do Distrito Federal este último é o maior culpado! Aguilhada, em São Sebastião, tinha 38 nascentes. Hoje só tem uma!

Se chegamos ao fundo do poço? Pode ser que ainda não. Mas o fundo do poço já não tem água em muitas regiões.

Aristides Coelho Neto, 2.10.2016

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