TEXTOS DO AUTOR

O DIA EM QUE CAÍ DE MOTO

Cansei de dar explicações que só me comprometem. Apelei para a moto, que dá maior status.

Aquela tarde foi cheia de imprevistos. Descobri que o solado do sapato estava rachado quando passei pela poça de lama lá no parcelamento irregular, expansão do condomínio Minichácaras. A folha pontuda do capim alto quase me fez um estrago no olho direito, naquela trilha em que tivemos de descer a pé. Sobrevivi ileso.

Na volta para casa, me impressionei com o show das paineiras do Eixo Rodoviário Sul. O espetáculo das barrigudas floridas me fez parar o carro e caminhar até o posto de combustível abandonado nas imediações da quadra 208. Ninguém podia se furtar, cenário de filme. Convite a fotografar.

Sobre o telhado, entre o tapete de flores cor-de-rosa e a minha câmera havia um tapume. Precisava me posicionar mais alto para uma boa foto. Descobri então um toco de palmeira de uns oitenta centímetros em que eu poderia me subir. Me posicionei em cima dele. Dei os cliques. Foi quando o toco podre desmoronou. Poupei a câmera na queda.

Após outras tomadas nos arredores, estendi o passo para alcançar o meio-fio, já de volta, em direção ao carro. Ao levar a perna direita, a esquerda foi para o outro lado. E caí com o traseiro no chão — a camada de flores estava sobre uma placa de madeirite, cheia de lodo escorregadio. Inevitavelmente, comecei a contabilizar...

Ao chegar em casa, Paçoca, o gato jovenzinho estava sumido. Quando o achei, ele também me achou. E fugiu em disparada por sobre o muro do vizinho. Percebendo que ele ia enveredar por outras plagas, e que poderia não voltar, cortei caminho num átimo pelo gramado, capturando o danado, bem perto do pé de pitanga. Nem percebi que ralei os dois braços no chapisco agressivo do muro.

Os outros hematomas, escondi. Mas os ralados no braço ficaram bem visíveis. E todo mundo me perguntou como foi. Como? Onde? Quando? Só não perguntaram por quê.

Como eu já vinha matutando sobre minhas escoriações, cansado de conseguir torcicolo ao olhar uma garota bonita, mau jeito ao escovar os dentes, torsão no ombro penteando os cabelos ou pegando coisas no banco de trás do carro, dor no punho de tanto dirigir... passei a dar uma explicação sensacional! Mais chocante, convincente, bem mais heroica.  

Como consegui esses arranhões? Acidente de moto. Eu vinha de pé em cima da moto, de braços abertos, para sentir a brisa, a 150 km/h. Foi brabo!

Aristides Coelho Neto, 23.4.2015

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