TEXTOS DO AUTOR

ELEIÇÃO, TUDO VAI MELHORAR OU PIORAR MAIS AINDA?

Um exercício de diagnosticar o quadro político-administrativo das empresas, das administrações etc. do Distrito Federal e sua relação com o ato de votar. Só por causa de uma perguntinha.

Existem perguntas ingênuas que nos fazem pensar. A maioria fica sem resposta. Qual semente se usa para plantar melancia sem caroço, se peixe bebe água, por que os camicases usavam capacete se iam se aniquilar, por que a pizza redonda vem numa caixa quadrada... Perguntas de crianças, então, nem se fale.

Dia desses, minha amiga Silvia, mexicana, me perguntou como era o sistema político-administrativo de Brasília. Eu, sob o impacto do período eleitoral, incomodado com a seca em seu ápice em final de agosto, fiquei matutando e matutando pra responder. O período não é propício para fazer firula. É que a insatisfação está no auge em época de eleição. Aqueles em que a gente acreditava nos decepcionaram. Os novos discursos nada têm de novo, primam pela estereotipagem. Tudo igual. Como dantes.  E essa aridez de quatro meses sem chuva... E a gente fica mais mordaz, picante, às vezes corrosivo. Ou sincero, se preferirem. A falta de chuva e seus desdobramentos.

Não custa tentar um esboço do que acontece em Brasília.

Imagino que as prefeituras espalhadas por este imenso Brasil não sofrem solução de continuidade como aqui. Temos administrações regionais em vez de prefeituras. Aliás, o Distrito Federal é um misto de estado e município, como se sabe. Deputado distrital, então, é mescla de vereador e deputado estadual. O governador do Distrito Federal é eleito pelo voto, mas os administradores regionais são indicados. O fenômeno da descontinuidade administrativa  é flagrante a cada mudança de gestão — alguns dão nome a isso de terra arrasada).

Em função dos acordos, coligações, conchavos, todos os órgãos do DF são loteados entre parlamentares e/ou partidos. Aí se inserem as administrações regionais, que não têm quadro próprio. A cada eleição, elas se ressentem mais do que outros órgãos nas mudanças de gestão. Inchadas em seus cargos etéreos, as administrações regionais vão ao fundo do poço, quando esses etéreos dão lugar a uma nova trupe.   Quando falo em cargo etéreo, não estou querendo dizer elevado, sublime. Estou apenas adjetivando um cargo comissionado, ocupado a cada gestão por pessoas dos mais variados tipos (na formação profissional e no caráter).  Etéreo porque o ocupante se esvai. Os outros cargos são aqueles do quadro efetivo. Desses os políticos não gostam muito, porque não podem usá-los para seus pupilos. É que tais cargos estão lá concretamente ocupados por pessoas que prestaram concurso e fazem jus a eles.

Hoje, no Distrito Federal, prevalece aquele mesmo jeito tosco de ocupar os cargos comissionados disponíveis, e que geralmente acontece no resto do país. Em sua maioria essas vagas são ocupadas por pessoas que trabalharam na campanha de um deputado que foi eleito ou do partido que venceu. Quando os cargos comissionados se esgotam, há um recurso de se valer de empresas terceirizadas que fornecem profissionais de limpeza e segurança ao governo. O deputado indica a pessoa e essa empresa a contrata para fins administrativos também. Se é lícito, não sei. Aliás, algo pode até ser lícito, mas não me convém, disse Paulo de Tarso, do seu jeito.

Nesse contingente, que geralmente trabalhou na eleição do deputado ou do governante, consegui distinguir basicamente cinco tipos de indivíduos. O tipo 1 é um desastre, não consegue ou tem dificuldade de aprender. O tipo 2 tem jeito para a coisa e traz até alguma satisfação para o chefe e seus colegas. O tipo 3 é um exemplar raro — inteligente, prestativo, aprende rápido e desempenha qualquer função. São poucos, mas quem conhece os princípios da administração pública sabe que alguém tem de carregar o piano. O tipo 4 é bonzinho até que alguém lhe perturbe a paz, quando corre para seu patrão, o deputado, chorando as mágoas, dizendo-se perseguido. O tipo 5 tem um salário invejável, não faz absolutamente nada, e se arvora a ser intocável. Circula sempre com naturalidade invejável.  Sua presença inibe as pessoas, desmotiva quem trabalha sério, e seria melhor que ficasse em casa.

O contingente que descrevemos trabalha porque teve a paga, contribuiu com algo na eleição. Mas o poder público é que paga a conta. Ou seja, você, leitor, está incluído aqui no rateio. Um fenômeno interessante que se segue é a eleição seguinte. Capitaneado para o novo pleito, esse contingente humano, com muito gás e fidelidade, em função do seu atual emprego, move-se agora na direção da reeleição. Alguns trabalham na campanha nas horas vagas, outros ostensivamente no horário de trabalho mesmo. Quem paga é o poder público novamente. E você. E eu. É como um caixa dois.

Reflitamos, porém. Eleição é fruto da democracia. É a grande oportunidade que temos de eleger pessoas menos preocupadas com seu umbigo e voltadas ao bem comum. Como penetrar então a mente e o coração dos candidatos? se eles, mesmo homens de bem (estes existem), tão facilmente se corrompem, levados pela correnteza do sistema?... Eis a questão. Temos de aprimorar o feeling.

Você percebeu que estou ensaiando para responder à indagação da amiga mexicana mencionada lá no início. Como é difícil esboçar esse retrato em português! Imagine então em espanhol.

Aristides Coelho Neto, 24.8.2014

   

 

 

 

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