TEXTOS DO AUTOR

EXECUÇÃO MARGINAL REPUBLICANA

Às vezes a piada sobre o que nos martiriza acaba nos livrando da angústia.

Me impressiona sobremaneira a capacidade que o brasileiro tem de fazer piada. Fiquei pensando mais ainda nesse potencial verde-amarelo de criar frases e anedotas originais e apropriadas quando deparei com isto: "A única diferença entre o político e o ladrão é que o primeiro a gente escolhe e o segundo escolhe a gente". De quem seria? É muito boa! Claro que não estou me preocupando com as exceções. Sempre há exceções. E não são elas que me incomodam.

Mulher branco e preto rindo

Já me perguntei muitas vezes se essa tal capacidade de brincar é detectada em todos os países. Já me perguntei também quais seriam os povos mais originais na questão do humor. E nunca parei para pesquisar o tema. Enquanto alguém não aproveita o mote, fico então a inferir de mim pra comigo que o brasileiro deve ser campeão nessa arte. Há povos tão sofridos que não riem nunca. Há culturas que têm humor insosso.

Imaginem um homem passando pela porta do plenário do Senado e escutando uma gritaria: "Filho da mãe, ladrão, salafrário, assassino, traficante, mentiroso, pedófilo, canalha, vagabundo, sem-vergonha, preguiçoso, vendido, assaltante, nepotista..." Assustado, o homem pergunta ao segurança parado na porta: "O que está acontecendo aí dentro? Estão brigando?" Ao que responde o segurança: "Não, estão fazendo a chamada". 

De quem seria a piada? Teria sido aproveitada de outros tempos? Não há quem deixe de dar uma gargalhada quando ouve isso. E dá uma sensação de alívio, acrescida de um sentimento de cumplicidade amiga — todos os que riem pensam como você, têm a mesma indignação que você, e a mesma incapacidade, a mesma impotência de mudar uma realidade triste, mas da qual se ri pra não chorar. E aquele riso nos irmana. E nos consola. Interessante a reflexão de Roberto Gomes (em Crítica da razão tupiniquim): "O riso — um certo tipo de riso, o nosso — nos salva, tiraniza o tirano, amesquinha quem nos tortura, exorciza nossas angústias". 

Brasileiros, rimos dos governos bons, dos ruins, dos golpes do Leão, rimos de quem nos maltrata, rimos das instituições que deveriam estar ao nosso dispor. E somos ágeis no pensamento. Brasileiros.

Há quem diga que, no fundo, no fundo, a gente ri de nós mesmos. E quem ri sabe: as melhores piadas são aquelas que surgem da improvisação. Nada ensaiado. Surgem de forma imprevista, inesperada, como essa que se segue, vinda do Luiz. 

Passávamos por uma placa de obra com os dizeres: "Execução de marginais". Meu comentário de imediato foi sobre o bem-vindo desafogo do tráfego. Mas o Luiz foi pra outro rumo.

"Não se trata de obra", disse ele. "Essa placa fala do nosso Parlamento, é conclamação a se fazer justiça com as próprias mãos."

Luiz parecia falar sério. Mas eu me desmanchei de rir. Luiz é brasileiro. Brasileiro é assim!

Aristides Coelho Neto, 14 ago. 2009

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