TEXTOS DO AUTOR

MEU PRIMEIRO ASSALTO, A PARTE BOA

Antes deste texto, melhor seria que o internauta lesse "Meu primeiro assalto, a parte péssima". Este aqui fala da parte boa da experiência.

Pelo menos o atraso de sete horas na linha Brasília—SJRPreto era pra lá de justificável — a surpresa de assalto à mão armada naquela meia-noite fatídica de 2 de dezembro, pelas bandas de Cristalina. Ônibus seqüestrado, bandidos mascarados e armados, violência explícita, terror psicológico. O tema dos filmes trazidos para o codidiano, para a nossa realidade. Ou a nossa realidade que é retratada nos filmes?

Câmera foi embora, pendrive, dinheiro, relógio, carregador de pilhas, headphone, CD com os filminhos da princesinha Melissa, desodorante, toalha,  saboneteira... Que bom, o celular ficou em baixo do banco. Foi-se sacola de mão, nécessaire, caneta. Mas tudo acabou bem melhor do que eu supus.Tenho de registrar com pesar que os safados deixaram meus livros. Não gostaram nem do "Além da revisão", nem do "Estágio no planeta Terra", de minha autoria. Que frustração a minha! estavam ali disponíveis! Era o momento de levar. Não gostaram também dos dois livros do Eugênio Giovernardi, aquele pequenininho, de preservação de mananciais, e o "Em nome do sangue", que ganhou o Prêmio Açoriano de Literatura, em 2003. Havia um livrinho que esse era importantíssimo levarem. De leitura fácil, concisa, o "Agenda cristã", de André Luiz, poderia quem sabe sensibilizá-los. Se abrissem na página 63, passariam os olhos mesmo em diagonal, deparando com coisas assim: "O santo não condena o pecador. Ampara-o sem presunção. O sábio não satiriza o ignorante. Esclarece-o fraternalmente. O iluminado não insulta o que anda em trevas. Aclara-lhe a senda. [...] O cristão não odeia, nem fere. Segue ao Cristo, servindo ao mundo [...]". E com a minha caneta, aquela pretinha, talvez pudessem escrever algo sobre um passado distante de aventuras danadas como aquela, quando já teriam abandonado  um plantio pernicioso, em direção a uma colheita boa no futuro. Suposições...

Depois dos momentos de horror, a bonança.  Os passageiros agora, todos solidários na dor. E sinal de que a dor era passageira também, no sentido de provisória e fugaz. Minha vizinha de poltrona, aquela que viajava com o neto para Curitiba, me ofereceu vinte reais. Não aceitei, mas a oferta marcou. A maioria, gente simples, boa parte daquela turma de plantadores de soja, ria e ironizava os apelidos que surgiram durante o assalto: você aí, gordo, levante-se, playboy, esvazie os bolsos, boiola de brinco...  E o dia amanheceu. Na telinha do ônibus, um filme de violência (é de praxe a violência). Logo após, música bem alta de Bruno e Marrone, Victor e Léo, e Calcinha Preta. Eu pensava, cá comigo, valia tudo para relaxar. Foram-se os anéis, sobraram os dedos.

O que mudará na vida de cada um? Maior ou menor apego às coisas materiais? Ou vai surgir um novo jeito de encarar a existência e a nossa fragilidade?

Bem, cada objeto meu que conseguia resgatar nas bagagens reviradas era um alento. Sentimento prazeroso, que aliviava a sensação da violência e da agressão moral. No dia seguinte eu jogaria  na mega-sena. Pensei em 38, em homenagem ao instrumento que usaram os bandidos nos seus argumentos. Marquei também o 4, já que eram quatro mascarados. Minha poltrona: 27. Porque não o 12, de dezembro? E o 1, de primeira vez.  E o 32, um filhote de 38.

Ah! ia me esquecendo, vocês nem sabem — mantive a aliança! Se eu chegasse sem ela estaria frito. 

Aristides, 5.12.2008

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