TEXTOS DO AUTOR

CALDAS NOVAS E A ENTREVISTA COM O MENINO

Uma tese que pode ser pra lá de interessante e uma dica para quem viaja. Uma viagem fica mais intrigante e prazerosa quando a gente atenta não só para o tema central, mas para tudo que surge à volta. Nos mínimos detalhes, se possível.

Antes de falar do menino... há quem diga que Caldas Novas não tem atrativos. É piscina de água quente e fim. Falam muito de água com cheirinho de xixi e conjuntivite de prêmio para quem se esbalda nas famosas piscinas naturais da Pousada do Rio Quente.

Acho que as pessoas têm obrigação de ir para qualquer lugar com um mínimo de otimismo e prometer a si mesmas que vão para se divertir. Sendo assim, procurar aproveitar cada detalhe é fundamental, principalmente coisinhas para as quais muita gente nem liga. Pois são elas que podem fazer a diferença.

Por exemplo, pensem só no que acontece quando, durante a viagem, trajeto Caldas–Rio Quente,  entra um mosquitão no carro e não sai de jeito nenhum. Se você não quiser matar o mosquitão – mais parece um marimbondo –, pode parar o carro e fazê-lo descer. Digamos que ele desce e sai correndo, digo, voando. Eis um desdobramento interessante: o bicho não vai mais localizar os amigos, os colegas, a família. Não é como o caso das andorinhas. É impossível. O que isso representará para ele? Ninguém sabe. Esses bichos parecem ser muito independentes, além de inconvenientes. Mas esses assuntos, embora sem solução, fazem bem para a pressão arterial. A relação principal com o tema Caldas Novas é praticamente nenhuma, apenas uma reflexão térmica de cabeça isenta e fria.

Caldas Novas recebe gente de todas as idades. Idosos ou mais novos, a maioria tem uma tendência inexplicável de ficar na água como jacarés. A diferença é que jacarés ficam só com os olhos fora da água, imóveis. Já as pessoas, estas ficam com o nariz também do lado de fora, quietos, quase morgando, jacaroando, olhando quem chega e quem sai. Os olhos num movimento para a esquerda, para a direita, para a esquerda, para a direita, bem devagarinho.  Alguns se esquecem de sair da água e passam mal com queda de pressão. 

Nessas pessoas que estão nas piscinas de água quente, de repente desperta uma curiosidade de se saber como funciona esse tal de aquecimento natural.

Obviamente as águas termais que existem em Caldas Novas, Rio Quente e região são produto da energia geotérmica que existe no interior do globo terrestre. No subsolo da região predomina material impermeável. Como as camadas abaixo da superfície  têm consistências diferentes, alguns materiais promovem fraturas, por onde se instalam reservatórios de águas termais. O aqüífero termal começa com a infiltração da água da chuva no topo das Serras de Caldas e da Matinha, no caso. A água quente confinada sob as camadas de xisto e quartzito fica submetida a uma pressão muito grande. E as fraturas permitem que a água se infiltre, interligando a superfície do solo aos quartzitos. É assim que a água quente, sob pressão, aflora naturalmente na Pousada do Rio Quente e na tal da Lagoa Quente. Mas essa água sob pressão também pode ser captada antes de aflorar, por meio de bombas instaladas em poços, como é o caso dos hotéis e clubes de Caldas Novas. Não sou geólogo, copiei tudo isso da web.

Interessante foi ver um hóspede desses bem falantes, nem tão instruído mas bem falante, dar uma aulinha prática para o pessoal que o ouvia atento, um grupo de jacaretingas-turistas do tipo açu. Todos dentro d’água. Um era papo-amarelo, digo, todos num papo animado. Ele estava indo muito bem na sua aulinha, até que falou de magma e larva. Isso mesmo! Como a gente sabe, “larva” só tem a ver com aquele estado que a gente conhece dos insetos depois que saem do ovo. “Lava”, sim, que é relacionada ao magma. As crianças entusiasmadas ficaram com a única informação disponível no momento, embora errada. Quem não tem cão caça com gato. Mas isso, por ser engraçado, passa a fazer parte do passeio. Um dia a garotada saberá a diferença entre larva e lava.

Descobri um banheiro masculino em Caldas, réplica perfeita de WC de beira de estrada, em uma churrascaria do centro da cidade. Tampa de vaso pendurada no teto, infiltrações sobre a nossa cabeça, falta de papel, sabonete, nem pensar. Ao perguntar para a moça do caixa se ela já havia entrado no banheiro masculino, ela apenas respondia: trabalho aqui há cinco anos.  Eu reformulava a pergunta para ela não pensar-que-eu-pensava que ela freqüentava banheiro dos homens.  Ela respondia: trabalho aqui há cinco anos. Não é divertido, num passeio desses, depois de pagar a conta, passar pela Vigilância Sanitária e exercer o papel de cidadão?  Aliás, coisa que a gente nunca deixa de ser, apesar de estar turista no momento... A gente não é turista. A gente está turista.

Não achariam engraçado um galo imponente atravessar a rodovia marchando garboso em frente ao prédio da Polícia Rodoviária, em direção às galinhas risonhas e oferecidas? Não achariam fantástico um rio que solta fumaça? Não vibrariam com a estátua de três pernas e duas cabeças instalada numa praça? e descobrissem que não é um ET mas um Lutador?  Não ficariam embevecidos com as flores em profusão que a gente encontra por lá? Não ficariam empolgados com a arara vermelha que tem ciúmes da azul, lá no hotel Parque das Primaveras? Claro que ficariam. É só ficarmos atentos a esses detalhes.

E duvido que perderiam a chance de tirar suas conclusões sobre a placa na estrada: “Cuidado! Corredores de animais silvestres”.  Pois é, pode ser referência a pessoas que correm (são corredores) de medo de animais quaisquer que sejam. Ou seriam animais silvestres corredores? (jaboti, nem pensar, é lento). Não, são corredores mesmo, por onde passam animais como o enorme lagarto que atravessou a rodovia, me obrigando a frear.

Costumo dizer que nunca desisto ao primeiro “não”. Confiante desse jeito, faltando duas horas para se encerrar o horário de visitas na Pousada, eu disse: “Como vou entrar para ficar um pouquinho só, aposto que vou conseguir não pagar o preço que eles pedem”. Só que a Pousada estava fechada a não-sócios – dia de manutenção das piscinas. E o “não” chegou peremptório. E eu não aceitei. E tentei o tal do jeitinho. Resultado? Não paguei, tal qual eu havia anunciado! Gostaram?! E agora acreditam no meu poder de persuasão?  Mas também não entrei. Não deixaram mesmo.

Minha tese é a seguinte. Uma viagem fica mais intrigante e prazerosa quando a gente atenta não só para o tema central, mas para tudo que surge em volta.

Para justificar o nome deste texto, vamos ao menino que entrevistei rapidamente. “Ei, garoto, diga sinceramente, você já fez xixi na água?”.  Resposta: “É só o que eu faço”.

Entourage, minha gente, é a entourage... bom demais para as coronárias!

Aristides Coelho Neto, 29.11.2008

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