O passageiro embarcara em Uberlândia às duas da manhã. O ônibus seguia rumo a Brasília.
— O motorista acho que falou com o senhor quando eu estava ajudando a botar sua sacola no bagageiro.
— Não posso falar com ele. Sempre segui direitinho aqueles recados.
— Quais recados?
— "Não converse com o motorista"... daquelas plaquinhas logo na entrada.
***
— Estou sentindo cheiro de álcool.
— Eu que acabei de passar.
— !?...
— A gente vai ao banheiro, lava a mão depois. E pega na maçaneta emporcalhada. A mão fica suja de novo. Volta e lava a mão. Usa a alavanca do toalheiro. Toda suja também. E fica assim, lava, suja, lava de novo, vai para a lanchonete, pega no dinheiro. Coliformes fecais. Então eu uso álcool e fica tudo resolvido. Quer um pouco?
— Não, obrigado.
— Não faça cerimônia. Êta, o ônibus já vai sair.
***
— Sentiu um cheirinho diferente há uns quinze minutos?
— Acho que sim.
— Era de pum. Dos mineiros. Poltronas três e quatro.
— !?...
— Esse agora foi dos gaúchos. O ônibus vem do sul, Santa Maria. Poltronas sete e oito.
— Como sabe?
— Primeiro, pelos sotaques... depois de identificada a região, pelos hábitos alimentares. São diferentes.
— Nossa!
***
São quatro e meia da manhã.
— Está dormindo?
— Não, difícil dormir nessa poltrona. Saudade da minha cama.
— Viajo toda última quinta do mês.
— Negócios?
— Não! Megassena. Viajo para uma cidade bem longe da minha. E faço um jogo. Se eu ganhar, volto pra casa milionário, e pensam que sou da cidade em que fiz o jogo.
— Não seria mais cômodo e mais barato fazer o jogo na sua cidade?
— Não! quero ficar anônimo na minha cidade. Vai ser bom demais!!!
— Hummmm...
— Por causa dos parentes... eles iam ficar me pedindo dinheiro...
— Viaja toda última quinta? Nesta mesma linha?
— Sim, por quê?
— Nada não... curiosidade...
Aristides Coelho Neto, 15.10.2008
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