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A REFORMA NÃO VINGOU

O novo acordo ortográfico faz 18 anos. Está desempregado, pois ainda não é empregado. Atinge a maioridade, não namora e nem "fica". Se rende votos? Ninguém sabe.

Publicado em Opinião,  p. 11 – Correio Braziliense – 4. fev. 2008, segunda

 

O novo acordo ortográfico faz 18 anos. Está desempregado, pois ainda não é empregado. Atinge a maioridade, não namora e nem "fica". Eleitor? Ninguém sabe se rende votos ou não. Se dirige? Não, ainda não se dirige aos 230 milhões de falantes de português que há por aí. Dizem que ele não serve para nada. Há quem diga que ele nem existe. Se fosse um ser humano, haja psicólogo para ajeitar os traumas nessa situação delicada.

Celebrado em 1990, o tal acordo entraria em vigor em 1994. No Brasil, o assunto esquentou um pouco ao final de 2007. Mas ficou mais efervescente em Portugal. E falou-se em iniciarmos 2008 com a vitória dos que “creem" na “ideia” da unificação, enchendo “linguiça" para quem “argue”, um “enjoo" só, dizendo que o tempo não “para”, procurando beleza por trás da “feiura". Auto-estradas ficariam mais curtas: seriam “autoestradas”. E Portugal perderia algo de sua “humidade” – o “h”, exatamente. Mas sabe-se que os lusitanos estão é sem humildade de aceitar que humidade se torne umidade apenas porque algumas ex-colônias andam querendo. Coisa boa para Wilmas e Wandas: o reconhecimento do valor do w, agora parte integrante do alfabeto, ao lado do y e do k.

Já guardei um trema – ainda vivo – numa caixinha, para mostrar aos meus netos, pois sempre tive os dois pontinhos como uma das coisas mais chiques da língua portuguesa. Tenho até um amigo Boëchat com trema elegantíssimo em local totalmente inusitado.

Dizem que o acordo propicia unidade entre os países que falam português. Para alguns, chega em boa hora a tal da reforma. Há gente que até comemora. Para outros, ela é imposição sem sentido. Língua é organismo vivo e não se sujeita a regras padronizadas em nações de histórias diferentes, com muitas línguas regionais remanescentes. Para outros ainda, a reforma tem de ser mais radical. Como está, é superficial, embora com poder arrasador.

A vigorarem as mudanças, as bibliotecas escolares ficam inviabilizadas, pois não é recomendável que as crianças continuem tendo contato com a ortografia antiga. Nessa exterminação de livros, incluem-se as gramáticas. E os livros didáticos. E os dicionários. E logicamente o corretor ortográfico do word, já tão fraquinho. Reviravolta no meio editorial por pouca coisa. A meu ver, custo–benefício é o tipo de análise que tem sido menosprezada. Com reforma ou sem reforma, a maneira de se escrever no Brasil e em Portugal continuará a ser diferente. Quem deveria estar morrendo de alegria são os revisores. Mas a empolgação não acontece.

No planeta, são oito países-membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa: Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe, e Timor-Leste. Fala-se português também em Macau, em Goa, e no Damão. Fala-se um pouquinho também em Andorra, Luxemburgo e Namíbia.

Bom lembrar que os integrantes da CPLP revelam diferenças significativas, de ordem socioeconômica e cultural. Entre eles reina também a desconfiança dos africanos, provocada pelos resquícios e seqüelas que ainda subsistem do colonialismo. E há interesses discrepantes em cada um dos países-membros. Uns imaginando unificação da língua, outros com olhos no desenvolvimento, outros mais querendo é se livrar de barreiras impostas pelo mundo desenvolvido. Alguns convictos de uma necessidade de difundir a língua portuguesa. Fala-se de cooperações diversas, circulação mais facilitada para os cidadãos de países lusófonos, integração cultural, combate à aids nos países africanos. Enfim, acordos assinados, prioridades não muito definidas, falta definição de rumos. E o acordo ortográfico, debatido por dezoito anos, reflete o desnorteamento da CPLP.

Ao final do ano passado, estava eu na iminência de lançar um livro sobre revisão textual. Vingasse o acordo, uma obra totalmente inexeqüível. Pensei em mudar o capítulo sobre o assunto. No texto, registro os pitacos de 2002 de Fernando Henrique. Mas, lançamento em 2008, melhor seria procurar por manifestações recentes de Lula sobre o assunto. Não achei. Então, como pouco ou nada mudou, fica o texto do jeito que foi concebido à época. Afinal, passou janeiro... e nada! E Portugal, com reforma ou sem reforma, vai anunciar “berbequim para betão ao desbarato”, enquanto o Brasil dirá “furadeira para concreto em oferta”, como bem registrou o professor Cláudio Moreno.

A reforma não vingou. Se vocês já tiraram o trema, favor botar de volta. Por enquanto, nada feito! E cá pra nós, o trema é tão elegante, não é mesmo?

 

Aristides Coelho Neto, fev. 2008

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