TEXTOS DO AUTOR

SUPERPROTEÇÃO

A abundância dos Daniéis. Ou "não se faz mais pai como antigamente". Ou melhor, "mas que motorista safado aquele!".

Meu filho Daniel havia sido esquecido pela irmã. Nada de relacionamento estremecido – apenas esquecimento quanto a dar-lhe carona para voltar para casa. Por falta de crédito, ele ligara a cobrar para a mãe.  A mãe, aliás minha esposa, ligou então para o pai, que sou eu. Pai dele, claro, não dela.
Eu estava longe, mas desviei-me do trajeto normal para tentar apanhá-lo antes que pegasse o ônibus para casa. 

No lugar esperado, Daniel não estava mais.  Ou seja, já pegara o ônibus.
Estando na mesma via do ônibus, fui ultrapassando cada coletivo para verificar o letreiro de destino, se a inscrição era Lago Norte. Isso exigiu alguns movimentos não muito usuais de pescoço e direção defensiva. Enfim...

Na avenida W3 não logrei êxito, mas já na península, passei por um ônibus de destino Lago Norte.  Como emparelhei com o motorista num sinal, num contorcionismo até louvável, abaixei o corpo para a direita de forma a colocar o motorista no campo de visão. Percebi que pelos poucos vultos no ônibus, este estava quase vazio. Deu uma buzinadinha e o motorista olhou.

Perguntei então: “Pode verificar por favor se Daniel está no seu ônibus? Se estiver, peça para descer...”.  Esqueci-me de dar o sobrenome. Enfim...
O sinal abriu, o motorista fez OK para mim, polegar levantado. E parou no próximo ponto, trocando um olhar de cumplicidade comigo.

Desceram quatro rapazes, mas nenhum era o meu filho. 

Caminharam até perto do meu carro e pararam, mantendo certa distância. A expressão deles era de espanto e um pouco de medo, quem sabe. Não caminhavam mais, só me olhavam.

Desci do carro e deixei-os mais à vontade.  Parecia que a coisa era comigo.
Quando perguntei “qual é seu nome” os quatro responderam em uníssono: “Daniel... o motorista nos mandou descer.”

Quando expliquei que eu dissera “Daniel Coelho” para o motorista, falei com convicção.  Mentira, sabia muito bem que eu esquecera de mencionar o sobrenome.

Foi quando percebi a meleca que deu...

Os meninos já mais descontraídos se abriram: “Pensamos que era um assalto!”

O meu Daniel, nesse dia, chegou bem mais cedo que eu em casa.  Eu mesmo demorei um pouco mais.  É que para ficar em paz com a minha consciência fui levar os quatro daniéis cada um em sua casa.

Superproteção dá nisso. Ou, não se faz mais pai como antigamente.  Ou melhor, mas que motorista safado esse!

Aristides Coelho Neto (8.12.2005)

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