TEXTOS DO AUTOR

ACESSIBILIDADE E EFEITO BUMERANGUE

Efeito bumerangue é ação cujas consequências afetam a você mesmo. "Novo efeito bumerangue" é quase isso, porém acrescido de intensas e controversas variações. Mas nosso tema mesmo é acessibilidade.

 

"Meu nome é Acelso e trabalho numa empresa do governo chamada Hajafis.

Bumerangue originalmente é uma arma. Devidamente arremessado, ele volta às mãos de quem o jogou. O chamado "efeito bumerangue" é algo curioso — funciona  tanto para o bem quanto para o mal. O que você faz, pensa, idealiza, volta para você cedo ou tarde. O que me aconteceu é um novo tipo de efeito bumerangue, às avessas, melhor dizendo.

Acho muito complicada a situação dos idosos e deficientes, cujas prerrogativas ainda têm muito chão até se consolidar. Alguns preferem usar o termo "portadores de algum tipo de necessidade especial". Me refiro à usurpação ao direito a vagas especiais que lhes cabe, aliás, apenas uma parte do problema. Além da falta de punição para a desfaçatez dos espertinhos, que não têm nenhuma vergonha de  usar tais vagas, some-se ainda a questão da inversão de valores.

Dia desses eu fotografava alguns carros sem autorização necessária para ocupar vagas para idosos e mesmo assim ocupavam. De repente chega o dono do carro. Era idoso. Apenas havia se esquecido de colocar a autorização no painel. Não considerou minhas boas intenções. E ficou irritado. Sabem o que eu ia fazer com as fotos? Nada! Absolutamente nada! Ainda não há penalidade alguma prevista para esses casos. Por que eu tirava as fotos então? Era um devaneio, uma utopia, na busca da sociedade ideal. Como se houvesse a quem recorrer.

Em março passado, me incomodava  um caminhão-baú estacionado em vaga de deficiente.  Era veículo do próprio governo usando a vaga especial. Ostensivamente ainda avançava a carroceria por sobre a calçada, levando os pedestres a ter de passar pela rua. Veículo fechado, totalmente inoperante, como se fosse ali dormir, até não se sabe quando. Eram quatro da tarde.

Procuro meu chefe. Estava em reunião. Procuro o chefe dele. Estava fora. Procuro a coordenadora da comissão de acessibilidade. Estava em operação. Procuro a chefe do chefe de transportes. Não estava. Foi quando soube que o motorista que havia estacionado o caminhão já havia ido embora. O caminhão, portanto, ia dormir ali mesmo!

Indignado, relatei o absurdo ali na seção de transportes, aproveitando o ensejo para reafirmar que nossa Hajafis, sendo governo, deveria dar exemplo. Os dirigentes alardeiam que pensam exatamente assim. Há controvérsias, claro.

No dia seguinte me chamam a atenção. Isso mesmo! Disseram que dei muita ênfase ao caso. Que eu deveria ter procurado o diretor-presidente... Bem, seria a última pessoa que eu procuraria. Importuná-lo pra quê? se existem outras instâncias? Aliás, quando o café vem frio, mais recomendável falar com a copeira do que com o diretor-presidente.

Perceberam que passei de protestante (aquele que protesta) a réu?

Chega-se à conclusão que a inversão de valores é o que grassa e prospera nesse balaio de equívocos em que estamos metidos.

Pois é, eis o cenário em que nos encontramos... O contraventor vence o delegado. O bandido preso comanda a barbárie. O infrator ri do auditor. O mau exemplo é o que prevalece. O debochado sobrepuja o cidadão. O sujão é premiado. Quem dá golpe baixo vence. O crime passa a compensar. A raposa ganha o direito de morar no galinheiro. O erro toma forma e assusta a virtude. Quem deveria curar se contamina. Pensando bem, tudo isso é que anda levando tanta gente a protestar em uníssono nas ruas desses brasis... Porque até os representantes do povo usam e abusam dessas excrescências. Imaginem como isso não se amplia nas mãos de governantes e deputados/senadores sem escrúpulos. O que é pontual assume dimensão e vulto titânicos, ou tirânicos.

Voltando à vaca fria, minha postura diante de uma irregularidade deixou a entender (de forma deveras inexplicável), que quem reage pode sofrer o efeito bumerangue às avessas. Mas não custa encampar sempre que possível a causa da acessibilidade, um direito de todos. Afinal seremos deficientes um dia, nem que por um tempo reduzido.

Mas há um alento diante do quadro pessimista — não há mal que sempre dure.  E tudo há de passar. Ou mudar. É da lei. Eu prometo que vou fazer de tudo para mudar esse tipo de coisa. Ou não me chamo Acelso."

Aristides Coelho Neto, 4.7.2013 

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