TEXTOS DO AUTOR

COMUNICAÇÃO POBRE

Pinceladas na questão da formação do jornalista. Sem deixar de lado as abobrinhas e a revisão textual.

O texto jornalístico foi se aprimorando ao longo dos tempos. Aliás, tudo na vida é assim. Felizmente são raras as coisas que pioram. Sei, sei, há quem discorde.

No começo, texto literário e texto jornalístico eram praticamente a mesma coisa. Aos poucos a linguagem jornalística foi se diferenciando, na clareza, na simplicidade, na precisão, na síntese. No auge do chamado novo jornalismo "as narrativas concentram-se em recursos específicos e descrições minuciosas de lugares, feições, hábitos, gestos, comportamentos, objetos". Os relatos buscam uma forma de provocar emoções. E a tônica passa a ser a preocupação de manter-se fiel à veracidade dos fatos, ao que é constatável, ao que é fidedigno.

Falando ao microfone

Na época da ditadura no Brasil — da tortura, da censura acirrada —, período conturbado da nossa história, o jornalismo assumiu característica de denúncia social, política, bem como a nítida mixagem de jornalismo com literatura. No regime de repressão, surgiram novas formas de contrapor-se à ordem despótica vigente. Chega então a imprensa alternativa, calcada na fuga aos padrões vigentes e descumprimento de normas preestabelecidas. Andei me valendo de um texto de Carla Lavorati e outros para trazer este introito. Alguém me disse para fazer este preâmbulo. Como sou sugestionável e obediente, fiz.

Com o advento dos novos veículos de comunicação, das câmeras digitais embutidas em celulares e outros apetrechos, os ouvintes e telespectadores viraram fotógrafos, cineastas e jornalistas (assim pensam). Os acontecimentos nunca foram noticiados com tanta velocidade, quase em tempo real como agora. Isso é fato. Os blogs permitiram a cada um se tornar jornalista/escritor, produzindo e disseminando seus textos ao valer-se do seu conhecimento particular ou do empirismo. Fato curioso é uma rádio noticiar informações sobre o trânsito que alguém anônimo manda pelo twitter. Confia-se. Democracia total. Em decorrência dessas mudanças todas, vale registrar, revisores textuais foram deixados de lado, julgados equivocadamente prescindíveis em função do corretor ortográfico simplório do Word. Isso não é bom.

No entanto, hoje se constata que o ensino de base deficiente tem produzido profissionais que não sabem articular com propriedade as palavras, escritas ou faladas. Não estou generalizando. Mas a muitos falta a noção de conexão, de coesão, para escrever. Isso é mau. Devo frisar aqui que não me cabe criticar a forma como o cidadão comum fala ou escreve. Mas penso que cabe criticar quem é comunicador — e que por isso deve transmitir a mensagem de forma correta —, já que formador de opinião e modelo para quem o escuta e/ou o vê. 

Vemos hoje jornalistas, editores, redatores com dificuldade de redigir e sem tempo de cuidar da sua formação cultural. Some-se a isso o pouco proveito que normalmente tiram da internet, a rede mundial que hoje entrelaça os viventes deste planeta. Muitos internautas ficam mais com a parte bandida do que com a banda mocinha dessa ferramenta poderosa. Ou não conseguem filtrar informações que agreguem valor à sua formação. Ou se perdem no mar da informação. Isso é mau.

Agora entendo por que minha cunhada fez seu filho cursar jornalismo e direito concomitantemente. O curso de jornalismo, segundo ela, traria ao rapaz, ainda novinho, a consistência que ela, mãe, supunha deva existir na formação profissional. E que o curso de jornalismo sozinho não traria. E ao jornalista novinho faltariam os quilômetros rodados dos mais vividos. Ela raciocinou bem. Isso é bom. Só que ele jogou o Jornalismo pro alto e abraçou o Direito. A vida é feita de escolhas. Geralmente a escolha é livre.

É patente o abatimento da capacidade de refletir e a falta de preparo quando se fala, numa rádio como a CBN, em "várias quedas de barragens" ao longo da estrada, sem se saber a diferença entre barragem e barreira. O conhecimento de nosso léxico, o domínio de interpretação e de redação de texto é fundamental para o jornalista, repórter, redator, editor, que seja. Um ônibus que é abalroado pelo trem "que cruza a linha férrea" é uma inverdade. O trem não cruza, o ônibus, sim! O buraco do tatu da rodoviária de Brasília recebeu quatro radares novos? ou apenas dois em cada sentido? Ora, se sou flagrado a 180 km/h passando por ali, sou fotografado em dois e não em quatro.

Sabem aqueles prospectos que distribuem nos shows? Esse era do MPB4. Há ali um texto ótimo que foi publicado também no site do grupo. Uma repórter, mineirinha, indaga do grupo numa entrevista: "Cuanceizzzsão?" Tradução: quantos vocês são? Boa pergunta para o MPB4, não? Ela ficou apelidada de "A repórter Conceição"... Sei lá se isso é falta de competência, falta de atenção ou mineirice incontida. 

Poderia aqui ficar listando gafes no rádio e tevê por falta de cultura, instrução de editor e repórter, mas muito melhor seria falar do empobrecimento da informação, dos "enfoques repetitivos e pontos de vista reducionistas" (vide Literatura, Jornalismo, Tradição e Gênero, de Carla Lavorati). Assim, as gafes constituem o reducionismo, a tradução simplória de fatos relevantes que mereceriam maiores cuidados. Isso é tema de muitos trabalhos por aí e não serei eu a pessoa mais capacitada para discorrer sobre o assunto. Só tenho estado observando. E matutando.

Voltando ao assunto da revisão textual, hoje o pré-requisito para ser revisor textual é ser formado em letras ou jornalismo. Acho que isso precisa mudar. O fato de serem jornalistas não credencia, infelizmente, os profissionais para serem revisores. O fato de deixar o revisor de lado nos veículos de comunicação tem concorrido para que textos descuidados cheguem ao leitor ou ao ouvinte. A premissa de que o jornalista é autossuficiente para redigir e revisar seu próprio texto é falsa. Até o Verissimo diz que joga acentos, vírgulas e pontos para cima. Caiam onde quiserem. E o revisor que resolva. Ele tem plena consciência de que passar o trabalho ao revisor não desmerece o redator/autor. Ora, o autor é que tem a "força". Revisor é mão de obra, mas enriquece sem sombra de dúvida um trabalho. Ou impede que permaneça na pobreza.

Pode ser exacerbado esse meu nível de exigência. Bem, como já disse, não posso criticar uma pessoa comum por não saber onde fica o motor de seu carro, se na frente ou atrás. Mas de um mecânico tenho que exigir muito mais.

Acontece que, ao expor minha singela avaliação, tipo brainstorming, a um jornalista amigo, este me sugeriu uma forma de diminuir o nível de exigência: Olcadil, 1 mg, antes de deitar. E tem que ter receita. Mas ele sabe, ele sabe do que estou falando.

Aristides Coelho Neto, 22 jan. 2012

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