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FUTURO DO DISTRITO FEDERAL: UMA VISÃO PESSIMISTA

A grilagem de terras avança no Distrito Federal, porque as raposas podem confiar na desaparelhagem do poder público. Assim, não há como ter uma visão otimista. Basta ver o caso do condomínio Estância Quintas da Alvorada.

“Quadrilha de grilagem de terras é presa. Foram nove pessoas, entre elas, o deputado distrital José Edmar (PMDB), acusado de ser o representante dos interesses da organização criminosa na Câmara Legislativa do DF. [...] Para o MPF, é a maior prova de que o crime organizado está infiltrado nos três poderes da capital da República.” Estamos falando da Operação Grilo, e a notícia é do Correio Braziliense de 11.7.2003. Lá se vão quase oito anos. Foto acn - Marcha c Corrupção 12out2011Os acusados estavam respondendo por parcelamento ilegal do solo (grilagem de terras), lavagem de dinheiro, falsidade ideológica, formação de quadrilha, além de ameaça a testemunhas. Na formação de quatro condomínios irregulares a que a suposta quadrilha estava ligada, destacava-se o Estância Quintas da Alvorada, que fica ali  nas imediações do Lago Sul, em Brasília. José Edmar era então presidente da Comissão de Assuntos Fundiários da Câmara Legislativa. Sim, é isso mesmo que vocês estão pensando — deveria combater a grilagem. Quanto a se raposas e galinhas devem ficar confinadas no mesmo local, vocês hão de convir que é experiência antiga e que tem dado certo na maioria dos casos. O único e flagrante prejuízo é para as galinhas. O resto é lucro.

As investigações vinham desde 2002. Até então, mais de mil pessoas envolvidas com o tema. ‘‘Estamos tratando de uma quadrilha extremamente perigosa, armada e organizada’’, disse o delegado Corrêa naquele julho de 2003. Dessa lista de mais de mil, havia raposas do Legislativo, Executivo e Judiciário locais. E eram 46 os parcelamentos irregulares de terra no DF investigados pela Polícia Federal.

2 - Foto acn - Marcha c Corrupção_12out2011Quem está preso e em quais prateleiras estão os processos? Ora, por favor, façam perguntas mais fáceis...

Bem, voltemos ao Estância Quintas da Alvorada. São réus no processo contra esse condomínio o ex-deputado Pedro Passos e mais três outros de sobrenome Passos. Pedro Passos estaria preso em maio de 2007, em função da  Operação Navalha, que investigava a atuação de outra organização delituosa. Claro que foi solto logo. Edmar também. Paulo Maluf, se lembram, também (como consegue?). Quem teve azar mesmo foi o José Roberto Arruda, que amargou dois longos meses atrás das grades.

Em agosto de 2011, lá no Estância, uma operação da AGEFIS (Agência de Fiscalização do Distrito Federal) com outros órgãos do GDF, não logrou êxito. Os ocupantes do parcelamento irregular foram mais organizados e o efetivo da polícia militar revelou-se insuficiente. E o poder público rendeu-se.

3 - Foto acn - Marcha c Corrupção_12out2011Em 23.12.2010, a AGEFIS, a pedido da SUDESA (Subsecretaria de Defesa do Solo e da Água) participava de mais uma operação no mesmo local. Objetivo: apreensões de materiais e veículos. Vigorava à época uma liminar de caráter dúbio que impedia esses órgãos de efetuar demolições. Por outro lado, impedia a continuidade das construções, liberava ações de apreensão de  materiais de construção e veículos que entregassem tais materiais, coibia a comercialização do loteamento, condenava os réus a promover a recuperação das áreas degradadas. A DEMA (Delegacia Especial do Meio Ambiente), naquele 23 de dezembro, apreendera uma máquina de terraplenagem e prendera alguns operários. A SUDESA retivera um caminhão carregado de telhas e alguns milheiros de tijolos. Por falta de equipamentos da AGEFIS e da SUDESA, e por falta de mão de obra para carregar/descarregar os materiais, os autos de apreensão não foram lavrados. O caminhão apreendido foi liberado. A máquina foi levada por caminhão apropriado da TERRACAP. Os tijolos ficaram onde estavam. Agente fiscal, embora carregue o peso das insatisfações, não carrega tijolos.

Faltavam dois dias para o Natal de 2010. Maquinário para sustentação de ações de apreensão ou demolição, só no ano vindouro. Chegavam as festas de fim de ano e com elas a costumeira desarticulação dos órgãos públicos. Ali, diante das movimentações de DEMA e SUDESA, viam-se por volta de 180 obras em andamento. Operários das imediações onde a DEMA prendeu pessoas não se intimidavam. Trabalhavam naturalmente no seu ganha-pão.  Se considerássemos três operários por obra, seriam 540 pessoas a serem levadas presas, o que preencheria um total de dez ônibus apinhados de operários.  Ficava patente que o período de festas seria mais um passo (dos Passos?) para a consolidação do condomínio Estância Quintas da Alvorada, então irregular, e de outros, obviamente. Dizem que esse entusiasmo todo dos ocupantes irregulares se deve a promessas de campanha dos atuais governantes.

4 - Foto 29-8-2008_www.osdemci.comalbumfotosmoto01index.htmlA operação inconclusa revela a fragilidade do poder público, impotente para responder na mesma velocidade e proporção em que ocorrem as ilicitudes nos parcelamentos da terra pública por grileiros, muitos deles já conhecidos das autoridades.  Alie-se a isso a falta de efetivo de fiscalização em campo — são muitos trechos que, por sua extensão, ficam a descoberto, ou seja, sem fiscalização. E só resta apagar incêndios e eleger prioridades dentre milhares de demandas. Como se sabe, existem mais raposas e cabeças pensantes, especialistas em burlar (fazem isso desde criancinhas), do que agentes fiscais em campo. Quem vai vencer essa parada? Talvez vocês já tenham a resposta.

5 - Foto_minilua.cominusitados-engracados-trabalhos-policiaEm outubro de 2011, já sem óbice para agir no Estância Quintas da Alvorada, voltam AGEFIS e SUDESA ao palco das irregularidades em terras da TERRACAP (Companhia Imobiliária de Brasília). São pedidos 80 policiais para dar sustentação às operações de derrubada de edificações. Chegam apenas 40, em ônibus. Os atuantes motoqueiros do condomínio fazem um trabalho de comunicação invejável, mobilizando os proprietários. Os moradores acodem ao chamado, sobem nas máquinas do poder público. Também sobem nas edificações ilegais. Promovem barreiras humanas. É notória a passividade dos policiais, despreparados para uma ação articulada e que exigiria estratégias da área de inteligência. Não, eles não têm viaturas de apoio. E vieram de ônibus. Parecem condoer-se com a situação daquelas pessoas que “compraram de boa-fé”. Ou simplesmente obedecem a uma orientação geral de não enfrentamento, de modo a não chamuscar imagens de governantes e políticos. Muitos desses agentes da segurança devem morar nas mesmas condições.  E a operação se frustra. E a resistência dos moradores não foi em vão: no dia seguinte, 14.10.2011, estava em suas mãos nova liminar, desta vez bem incisiva, curta e grossa: “suspensão imediata das demolições”.

Lembro agora da consulta que meu filho me fez. “Pai, o que acha de eu comprar um lote no condomínio Estância Quintas da Alvorada ou no Minichácaras?”  Claro que mencionei o perigo a que ele se expunha de ver suas paredes irem ao chão. Mas um amigo que ouviu a conversa logo se adiantou: “Leandro, nunca consulte seu pai sobre esse assunto. Seu pai nisso é nosso inimigo. Compre simplesmente. E tenha paciência. A regularização um dia chega”.

Aristides Coelho Neto, 28.10.2011 

Disque-denúncia da Polícia Federal no DF: (61) 3323-8855 ou 181

Denúncias e reclamações em geral: (61) 156

Ministério Público (MPDFT): (61) 3343-9500 (geral)

Delegacia Especial do Meio Ambiente – DEMA: (61) 3234-5481 e 3362-5895

Agência de Fiscalização do Distrito Federal – AGEFIS: (61) 3961-5208

Ouvidoria da TERRACAP (situação fundiária de condomínios, construções ilegais em terra pública, venda ilegal de lotes): (61) 3342-2883 e 3342-1730 ou 080061207

 

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